Teste do pezinho ampliado pode detectar até 53 doenças, mas só é oferecido na rede particular

Triagem neonatal é uma ação preventiva que permite fazer o diagnóstico de diversas doenças congênitas ou infecciosas, assintomáticas, no período do nascimento

por José Alberto Rodrigues* 05/12/2018 12:30
Arquivo Pessoal
Ana Luíza, de 8 anos, convive com a doença do xarope de bordo na urina, conhecida como leucinose, não identificada no Teste do pezinho do SUS (foto: Arquivo Pessoal)

Todo bebê que nasce no Brasil tem direito a realizar gratuitamente quatro exames muito importantes para a sua saúde: o teste do pezinho, do olhinho, da orelhinha e o do coraçãozinho. A triagem neonatal, como são conhecidos os exames, é uma ação preventiva que permite fazer o diagnóstico de diversas doenças congênitas ou infecciosas, assintomáticas, no período do nascimento, a tempo de interferir um tratamento precoce, permitindo a instituição de laudos específicos e a diminuição ou eliminação das sequelas associadas a cada doença.

São mais de 3 mil postos de coleta de sangue para a realização dos exames nos 853 municípios mineiros, e a adesão ao Programa de Triagem Neonatal do Estado de Minas Gerais (PTN-MG), gerido pela Secretaria de Estado da Saúde, é de mais de 95% dos recém-nascidos do estado. Isso condiciona a realização, em média, de 21 mil testes por mês e cerca de 240 mil/ano. “Além de disponibilizar o teste de triagem neonatal (TTN), o programa faz busca ativa dos recém-nascidos com suspeita de ter alguma das doenças triadas, os quais são encaminhados aos serviços de referência do SUS, onde são atendidos por equipes multiprofissionais, capacitadas e especializadas nas doenças específicas”, explica Ana Cecilia Starling, coordenadora acadêmica do  Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico da Faculdade de Medicina da UFMG (Nupad-FM-UFMG).

No Sistema Único de Saúde (SUS), o Teste do pezinho detecta até seis doenças: fenilcetonúria; hipotireoidismo congênito; fibrose cística; anemia falciforme; hiperplasia adrenal congênita e a deficiência de biotinidase. Entretanto, há uma grande discussão em relação ao teste no Brasil. Enquanto, em outros países, há um Teste do pezinho ampliado que pode identificar até 53 doenças, aqui o teste oferecido pelo sistema público se restringe a apenas seis enfermidades.

LEUCINOSE

Ana Luíza, filha da consultora de negócios Juliana Alves Santos, é uma das crianças que convivem com uma doença não identificada pelo Teste do pezinho oferecido pelo SUS. A menina sofre com a doença do xarope de bordo na urina – também conhecida como leucinose.

A luta para um diagnóstico preciso se deu depois de muitos exames e palpites. “Foi feita uma bateria de exames, incluindo ressonância magnética que identificou uma isquemia cerebral e veio o diagnóstico de paralisia infantil. Depois de 20 dias de vida veio o resultado da cromatografia de aminoácidos, que acusou a leucinose”, diz a mãe.

No ano passado, os pais optaram por um transplante de fígado como tratamento da doença e hoje ela se alimenta de forma normal como qualquer criança. “Acredito que a demora se deve ao fato de a doença não ser diagnosticada no Teste do pezinho. Se estivesse incluída na triagem teríamos o diagnóstico rápido e os médicos iniciariam de imediato o tratamento para a doença.”

Segundo a geneticista Eugênia Valadares, as doenças que são detectadas pelos testes de triagem neonatal devem ter incidência elevada na população em foco - apesar de todas serem consideradas “doenças raras”, quando avaliadas em conjunto têm uma incidência bastante significativa - e para cada uma delas é preciso existir tratamento que possa evitar as manifestações clínicas ou, pelo menos, diminuir as sequelas, melhorando a qualidade de vida do paciente.

Doenças triadas no Teste do Pezinho

Fenilcetonúria - A criança com a doença apresenta um quadro clínico clássico, caracterizado por atraso global do desenvolvimento neuropsicomotor (DNPM), deficiência mental, comportamento agitado ou padrão autista, convulsões, alterações eletroencefalográficas e odor característico na urina.

Hipotireoidismo congênito - Sem o diagnóstico e tratamento precoce, a criança terá o crescimento e desenvolvimento mental seriamente comprometidos. Causada pela incapacidade da glândula tireoide do recém-nascido em produzir quantidades adequadas de hormônios tireoidianos, que resulta numa redução generalizada dos processos metabólicos.

Doença falciforme e outras hemoglobinopatias - O paciente afetado apresenta as seguintes alterações clínicas: anemia hemolítica, crises vaso-oclusivas, crises de dor, insuficiência renal progressiva, acidente vascular cerebral, maior susceptibilidade a infecções e sequestro esplênico.

Fibrose cística - Afeta especialmente os pulmões e o pâncreas, num processo obstrutivo causado pelo aumento da viscosidade do muco. Nos pulmões, esse aumento na viscosidade bloqueia as vias aéreas, propiciando a proliferação bacteriana, o que leva a infecção crônica, a lesão pulmonar e a óbito por disfunção respiratória. No pâncreas, quando os ductos estão obstruídos pela secreção espessa, há uma perda de enzimas digestivas, levando à má nutrição. Sintomas mais graves e complicações incluem outras doenças

Hiperplasia adrenal congênita - A denominação hiperplasia adrenal congênita (HAC) engloba um conjunto de síndromes transmitidas geneticamente, que se caracterizam por diferentes deficiências enzimáticas na síntese dos esteroides adrenais. As manifestações clínicas na HAC dependem da enzima envolvida e do grau de deficiência enzimática (total ou parcial).

Deficiência de biotinidase - Clinicamente, manifesta-se a partir da sétima semana de vida com distúrbios neurológicos e cutâneos, como crises epiléticas, hipotonia, microcefalia, atraso do desenvolvimento neuropsicomotor, alopecia e dermatite eczematoide. Nos pacientes com diagnóstico tardio observam-se, distúrbios visuais e auditivos, assim como atraso motor e de linguagem.

Entrevista - Regina Próspero - vice-presidente do Instituto Vidas Raras

Campanha para ampliar o exame

O Ministério da Saúde instituiu 6 de junho como o Dia do Teste do Pezinho, com o objetivo de conscientização da população para o exame e sua importância para a saúde do bebê. O Instituto Vidas Raras lançou a campanha Pezinho no Futuro em favor da realização da versão ampliada do teste na rede pública de saúde do Brasil. No Brasil, o Teste do pezinho ampliado está disponível somente na rede particular e chega a custar R$ 450. A campanha tem por objetivo sensibilizar a opinião pública sobre as vantagens da universalização do exame.

Como surgiu o Instituto Vidas Raras?

O Instituto Vidas Raras foi fundado em 2001 por pais de pacientes com mucopolissacaridoses. É uma organização não governamental sem fins lucrativos, de âmbito nacional, que visa promover os direitos constitucionais das pessoas com doenças raras. Desenvolve um trabalho de acompanhamento das pessoas acometidas por essas enfermidades e de suas famílias em todo o país. A entidade atua na orientação e conscientização da sociedade e da classe médica sobre a existência de doenças raras. Busca atuar em centros de tratamento, divulgando e propagando nas mídias sociais e nos veículos de comunicação em geral os assuntos relacionados às doenças raras.

Qual a importância dos testes neonatais?

Após o parto, o pediatra neonatologista recepciona e avalia o recém-nascido com um exame clínico. Além da avaliação física, são considerados os antecedentes familiares, a história da gestação e as circunstâncias do parto e do nascimento. Os exames têm por objetivo verificar a transição da vida intra para a extrauterina, levando em conta atividade cardíaca e respiratória do bebê, investigando a presença de problemas de formação, sinais de infecção e doenças metabólicas. Com base nessas informações, o médico pode encaminhar o bebê a uma unidade de cuidados especiais ou liberá-lo para ficar com a mãe. Novos exames devem ocorrer entre 12 e 24 horas após o parto, ainda no hospital, como os testes do pezinho, olhinho, coraçãozinho, orelhinha e linguinha.

Qual a importância de ampliar essa cobertura?

A importância da ampliação é salvar vidas. Hoje, são 13 milhões de brasileiros convivendo com algum tipo de doença rara. A ampliação do teste garante um diagnóstico precoce e qualidade de vida para o caso de alguma patologia ser confirmada.

Como surgiu a campanha?

A campanha é uma iniciativa do instituto desde o início dos trabalhos. Surgiu da necessidade de incentivo ao diagnóstico precoce de forma mais ampla, envolvendo mais doenças na triagem, doenças que têm incidência no país, mas que infelizmente ainda não recebem a atenção necessária. Muitos casos de complicações e sequelas, até mesmo de óbitos, poderiam ser evitados se essas doenças fossem triadas e identificadas logo no início.

Quais os objetivos?

Nosso objetivo é recolher 1 milhão e meio de assinaturas na petição on-line e apresentar um PL no Congresso para que o teste ampliado seja direito de qualquer criança nascida do Brasil e, assim, garantir qualidade de vida e condições melhores para a saúde infantil.

*Estagiário sob a supervisão da editora Teresa Caram