Ser vegano não se trata apenas de abolir a carne da alimentação

Movimento que ganha cada vez mais adeptos significa uma mudança de estilo de vida

Tulio Santos/EM/D.A Press
Vegano há sete anos, o empresário Fabiano Osório abriu um restaurante na Savassi, Região Centro-Sul de BH, para difundir e ser ponto de encontro de outros adeptos (foto: Tulio Santos/EM/D.A Press)

Paul e Stella McCartney, Miley Cyrus, Anne Hathaway, Ariana Grande, Brad Pitt… A lista de famosos veganos é extensa e só tende a crescer. Mais do que deixar de comer carne animal, ser adepto do veganismo significa seguir uma filosofia e um estilo de vida.

Longe do estereótipo de hippies ou comedores de alface, quem segue essa filosofia mostra que é possível, a cada dia, inovar no cardápio. Os adeptos da alimentação vegetariana, por exemplo, somam 30 milhões - segundo dados de uma pesquisa realizada pelo Ibope e encomendada pela Sociedade Vegetariana Brasileira, realizada em 102 municípios brasileiros.

Os resultados mostraram o interesse da população por mais itens veganos (livres de qualquer ingrediente de origem animal): mais da metade dos entrevistados (55%) disse que consumiria mais produtos se eles tivessem informações mais claras na embalagem. Nas capitais, o índice de interessados nesse tipo de alimentação sobe para 65%.

Aliás, o aumento de influenciadores banindo o uso de produtos que exploram os animais forçou vários setores da indústria a mudar e se adaptar. “Esses grupos (veganos) atuam, por exemplo, no boicote a marcas de roupas e sapatos de origem animal, ou cosméticos e remédios que tenham testes utilizando animais”, justifica Fabrício Monteiro Neves, professor do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB).

DISCERNIMENTO

O empresário Fabiano Osório, de 40 anos, conta que foi justamente pela questão animal que foi abdicando gradativamente dos produtos dessa origem e passou por uma mudança no estilo de vida. Essa transformação o levou a abrir a lanchonete O Vegano, na Savassi, Região Centro - Sul de Belo Horizonte, como forma de expandir o conhecimento para pessoas que não conheciam essa filosia e ser um ponto de encontro para outros adeptos, levando uma culinária saudável e um discernimento mais claro para os clientes.

“Virei vegano em 2011, quando tinha 33 anos, pela questão animal no princípio da não exploração desses seres. Foi por eles que mudei todo o meu estilo de vida Não tinha noção disso até então. Minha transição foi de certa forma tranquila, porque era algo que eu queria muito, e fui substituindo minha alimentação aos poucos. Hoje, aos 40, posso dizer que a minha alimentação é muito melhor nutricionalmente do que antigamente”, ressalta Fabiano.

Inicialmente, pela baixa oferta de produtos veganos no mercado, o empresário teve uma alimentação muito restrita. “Passei a aprender a cozinhar e peguei gosto. Com o tempo, fui estudando e tenho uma alimentação mais saudável e harmoniosa com aquilo que acredito”, diz o empresário

MUDANÇAS

A transição para o veganismo costuma ser uma fase cheia de ansiedade e descobertas, já que é um passo importante e precisa ser feito de forma gradual para que tanto o corpo quanto a mente se adaptem adequadamente ao novo estilo de vida. “Na questão da alimentação, a carne vermelha foi a mais fácil de largar. Você passa uma vida toda com uma cultura alimentar, quando decide mudar é complicado, mas não é impossível. Afinal, mudanças geram dificuldades e temos um apego tradicional e cultural no que comemos. Quando chegou na hora de abdicar do queijo, foi um dilema para mim, já que eu gostava muito”, relembra.

Quando o empresário saía para comer fora e se deparava com o alimento favorito dele, tinha que encarar o problema. Após três anos na dieta vegana, Fabiano foi em uma sanduicheria vegetariana, e apesar de ter pedido para que retirassem o queijo do prato pedido, o bendito estava lá e pela primeira vez, saiu da dieta. “Foi um dos piores gostos da minha vida”, comenta. 

Crítica à sociedade
Exploração intensa de recursos naturais, principalmente a pecuária, é um dos fatores que favorecem o crescimento do veganismo no mundo. Movimento busca a sustentabilidade

A Organização das Nações Unidas (ONU) tem indicado, em relatórios, a necessidade de diminuir o consumo de carne, temendo um cataclismo ambiental sem precedentes. Para Fabrício Monteiro Neves, professor do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB), embora ainda seja minoria nos movimentos ambientalistas, o veganismo oferece uma crítica à sociedade industrial capitalista, ao modo de vida baseado na exploração intensa de recursos naturais, principalmente a pecuária.

“Nesse sentido, o movimento oferece formas alternativas de organizar a sociedade, de compreender as relações sociedade-natureza e de experimentar formas mais sustentáveis de vida.” O sociólogo ressalta que o veganismo é uma tendência que está se expandindo, principalmente porque o consumo de carne nos padrões atuais tem se mostrado insustentável para o sistema planetário.

A expansão, porém, encontra barreiras, principalmente no lobby agropecuário, nos hábitos arraigados, nas práticas religiosas e nas comunidades tradicionais. “Como impedir o sacrifício animal em rituais religiosos? Como exigir por parte dos indígenas o fim da caça? Essas indagações sempre aparecem quando se advoga o veganismo como modo de vida universal.”

INFLUÊNCIAS

Ana Rayssa/Esp. CB/D.A Press
No início, Luísa Ferrari até resistiu, mas desde 2016 aderiu de vez ao modo de vida vegano (foto: Ana Rayssa/Esp. CB/D.A Press)
Desde que ingressou no curso de psicologia, Luísa Ferrari, de 26 anos, sentiu-se picada pelo bichinho do vegetarianismo. Antes, porém, houve muita relutância em se entregar ao estilo de vida. As influências vieram, primeiro, de uma professora, adepta do veganismo, e, depois, do namorado, que comentava sobre a vontade de ser vegetariano.

O estopim, porém, ocorreu após se sensibilizar com um vídeo na internet, em que um garotinho não queria comer um prato de polvo preparado pela mãe, por pena do animal. De início, Luísa parou de comer frango; depois, a carne vermelha. Por último, largou o peixe. “Sushi, para mim, foi o mais difícil. Mas lembro-me de que comi meu último hambúrguer e me senti enjoada”, conta.

Mesmo abdicando da alimentação à base de carne animal, Luísa consumia os derivados, como leite, ovo e mel. Por ser apaixonada por maquiagem, acompanhava blogueiras e youtubers, mas não encontrava quem falasse de empresas cosméticas que não faziam testes em animais. Por conta disso e, também, para informar o seu estilo de vida, decidiu abrir um canal no YouTube e um blog.

O público passou, então, a nortear os horizontes das decisões da moça. As pessoas cobravam dela o fato de que buscava produtos não testados em animais, mas continuava a consumir alimentos de origem animal. “Resisti muito no começo. Eu falava: ‘Não vou dar conta!’.”

A psicóloga pensava que não seria aceita no convívio social por conta dessa nova filosofia de vida. “Achava que seria excluída pelos amigos.” Luísa, então, assistiu a vários documentários, passou a seguir youtubers veganos gringos e viu que não seria tão difícil assim se tornar vegana. “Percebi que não ia ficar sem comer, nem ia morrer.”

Em 2016, ela, finalmente, se declarou vegana. A mudança foi radical e sentida em todos os lados da vida social. Quando era apenas vegetariana, os amigos sabiam que podiam sair para comer um pastel, porque Luísa escolheria um de queijo. Mas, depois da decisão, todos precisaram se adaptar ao estilo de vida dela.

Até a mãe entrou na jogada com a filha e se tornou vegana. À época, recorda-se, não havia muito restaurante para o público vegano. Foram surgindo aos poucos. Assim, teve um lampejo de criar um guia de lugares e estabelecimentos veganos.

Recentemente, a brasiliense trocou a capital por São Paulo. Lá, acredita que terá mais facilidade de acesso ao universo vegano.

O que é?

O termo vegan (vegano, traduzido para o português) foi criado em 1944 pelo britânico Donald Watson e, desde então, transformou-se em um movimento político, ético e de estilo de vida, ganhando muitos adeptos no calor das revoluções contraculturais da década de 1960. O veganismo procura excluir todas as formas de exploração animal - na alimentação, no vestuário ou em qualquer outra finalidade.

Unidas por uma causa

Arquivo Pessoal
Integrantes do "Maraveggies": grupo criado para compartilhar experiências e dar suporte umas às outras (foto: Arquivo Pessoal)
O ‘Maraveggies’ foi concebido como um grupo de suporte a meninas que mudaram para a filosofia vegana para compartilhar experiências e dar suporte nos dilemas no dia a dia. Do aplicativo de mensagens, o coletivo decidiu usar o Instagram como forma de compartilhar tanto os frutos de discussões fomentadas no grupo do WhatsApp quanto as visões individuais e conhecimentos de cada integrante “O surgimento de grandes amizades foi inevitável com a interação dentro do grupo, e com elas veio a ideia de criar um Instagram para compartilhar o conhecimento discutido ali”, diz Marina Fuzzesy, estudante de medicina e integrante do coletivo.

Aprender a conviver com o outro, mesmo com as diferentes formas de pensar e de sentir, é um desafio nos dias de hoje. Porém, quando existe um conjunto de pessoas que compartilham do mesmo espaço, com objetivos comuns, a troca de experiências e de conversas pode ter um efeito bastante positivo. E, aos poucos, cada uma foi percebendo que não estava mais sozinha nessa causa e isso encorajou todas para que seguissem no veganismo. “O coletivo ajuda a sermos firmes. Nos sentirmos apoiadas quando alguma coisa indesejável ocorre. Compartilhamos vivências pessoais e todas se unem para suportar umas às outras. Somos 14 meninas, muito diferentes uma das outras. Somos estudantes, mães, artistas, advogadas, engenheiras, cozinheiras e comerciantes... É incrível como mesmo tão diferentes estamos ligadas por uma vontade maior: de espalhar consciência pelo planeta e amor pelos animais”, ressalta Iasmim Nery, estudante de direito.

GUIA VEGANO EM BELO HORIZONTE

Na capital mineira há diversos estabelecimentos veganos. Confira algumas opções:

- O Vegano: Rua Santa Rita Durão, 985, Savassi
- Las Chicas Vegan: Avenida Augusto de Lima, 233, sobreloja 20, Centro
- Camaradería Gastrobar: Rua Cláudio Manoel, 555, Bairro Funcionários
- Vegans 2Go Savassi: Avenida Getulio Vargas, 1.425, Savassi
- San Ro Restaurante Vegetariano: Rua Professor Moraes, 651, Bairro Funcionários

De paixão a estilo de vida
Amor e compaixão pelos animais levam diversas pessoas a adotar o veganismo no dia a dia. Quem é adepto garante que é possível comer bem e ter uma boa saúde

Reprodução da Internet/SVB Recife
(foto: Reprodução da Internet/SVB Recife)

Em poucos minutos de conversa, é possível notar a naturalidade - e seriedade - com que Camila Amantéa, de 35 anos, leva o estilo de vida vegano. O prazer em dar dicas e repassar receitas deixa qualquer resistente, no mínimo, curioso. “Você conhece coxinha de jaca? Quando verde e temperada, o resultado é maravilhoso”, indica ela, logo nos primeiros minutos de entrevista. “Sigo essa filosofia e como comidas bastante comuns”, completa, enquanto serve um pedaço de torta alemã vegana em um prato.

Tudo começou há alguns anos. Primeiro, veio o vegetarianismo, quando a empresária e professora de dança tinha apenas 19 anos. As restrições a outros alimentos chegaram com o tempo e com a necessidade. “Sempre fui apaixonada pelos animais. Quando criança, comia de tudo. Um dia, vi um vídeo sobre o processamento dos alimentos até chegarem aos nossos pratos. Aquilo me abriu os olhos de uma forma tão intensa e dolorosa que não consegui mais ignorar”, conta.

A partir daí, as carnes não eram mais bem-vindas. Algum tempo depois, após assistir a outro documentário, a necessidade do veganismo falou mais forte. “Pesquisei formas de preparar pratos, substituir proteínas, buscar novas opções e aceitar novos sabores.” Logo, as compras no mercado viraram rotina, assim como a leitura dos rótulos e dos ingredientes. Além da restrição na alimentação, Camila compra produtos de limpeza e de beleza que não fazem teste em animais e, para os tecidos das roupas, sempre confere as etiquetas.

“Hoje, digo que é fácil ser vegano, muito mais que há alguns anos. Temos acesso a muitas receitas e opções deliciosas na internet. Há produtos industrializados, restaurantes, empórios e muitos autônomos que vendem comidinhas deliciosas”, garante. Como resultado do estilo de vida, a saúde respondeu de forma positiva: a rinite, que era fiel companheira, resolveu dar uma trégua, e a disposição só aumentou.

ESTRANHAMENTO

No entanto, comer fora ainda é um desafio. Segundo a empresária, quando os restaurantes não são específicos, há uma certa dificuldade. “É comum escutarmos piadinhas de amigos ou pessoas falando que somos radicais demais.” Mesmo assim, levar pequenas marmitas com preparados veganos para o churrasco dos amigos é mais que comum. Em casa, o leite de aveia é preparado por ela mesma, que utiliza o ingrediente para inovar nas receitas.

Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
Camila Amantéa, de 35 anos, resume o veganismo:"Não se trata de uma dieta, mas, sim, de uma questão de respeito pelos animais" (foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
“Veganismo não se trata de dieta, mas, sim, de uma questão de respeito e ética pelos animais”, reforça. A filosofia é tão forte na vida de Camila que a família também entrou na onda. Até na empresa que comanda o veganismo está em alta – a lanchonete serve produtos específicos e deliciosos. “Comece! Abra a mente! Lembre-se de que um estrogonofe vegano terá seu próprio sabor, que um leite de aveia terá gosto de leite de aveia. E, se um dia bater a dúvida, pense se é preciso realmente colocar na boca algo que vem através de tanta dor.”

É SEGURO?

De acordo com Allan Ferreira, nutrólogo do Hospital Santa Lúcia e membro titular da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição (SBAN), organicamente, o veganismo, quando feito sem acompanhamento, oferece riscos à saúde. “Se não houver orientação, pode resultar em uma dieta pobre em nutrientes essenciais, como vitamina B12, ferro, ômega 3 e, menos comumente, iodo, cálcio e vitamina D”, alerta.

Logo, é importante procurar um especialista com experiência nesse tipo de dieta, que acompanhe a reposição vitamínica, peça exames regulares para investigar possíveis deficiências nutricionais e esteja atento na hora da substituição de proteínas e nutrientes.

O especialista garante que, se bem acompanhado, o veganismo, como qualquer outro modelo de alimentação balanceada, seguido de um estilo de vida saudável, tende a ser bastante positivo. “Sabe-se que a redução do consumo de carne vermelha e industrializados e o aumento da ingestão de frutas e verduras reduzem o risco de cânceres e doenças cardiovasculares, por exemplo.”

Para os que desejam introduzir o veganismo ainda na infância, porém, o assunto merece mais atenção. “Os veganos correm mais risco de desnutrição. Deve-se entender que, na infância, ela funciona de forma diferente do que ocorre em um corpo adulto”, aponta o nutrólogo. Segundo ele, caso ocorra algum quadro desse tipo, ele pode resultar em déficit no crescimento físico e até mesmo de desenvolvimento mental.

Você sabia?

70 bilhões de animais terrestres são mortos, anualmente, para consumo humano
193 animais são mortos por segundo pela pecuária brasileira
50% a 90% é a redução prevista pela Climate Focus de emissões anuais de CO² na atmosfera até 2030 caso o mundo adotasse uma dieta vegetariana

Três perguntas para...

Gabi Mahamud - Arquiteta de formação, cozinheira por paixão e ativista por convicção. Vegetariana há cinco anos e vegana há três, ela é a criadora do blog Flor de Sal, no qual compartilha receitas para uma alimentação natural e consciente, sem produtos de origem animal, preparada com ingredientes locais e orgânicos

1) Como surgiu o veganismo na sua vida?

Parei de comer carne porque descobri que sua produção gerava um impacto ambiental enorme. Há algum tempo, em uma consulta, descobri que era intolerante à lactose. Pensei: “ferrou”, porque, como boa mineira, comia queijo todos os dias. Foi aí que descobri o veganismo e me apaixonei. Percebi que o movimento tinha muito a ver com os valores que eu carregava e admirava, e que fazia muito sentido adotar uma alimentação vegetariana estrita.

2) Como foi fazer toda a mudança de hábitos?

Veganismo não é um rótulo que gosto de usar. Abracei muitas causas desde que decidi parar de consumir derivados animais. Hoje, sou muito mais guiada pelo consumo consciente, que, a meu ver, é conhecer todo o processo e verificar se está de acordo com o que eu acredito. Para mim, isso engloba produção de lixo, produção local e inúmeros outros fatores socioambientais.

3) Quais são as dicas que você dá para quem quer se engajar nessa causa?

A primeira coisa é se informar. É impossível ter acesso a certas informações e continuar “cúmplice” desse sistema. E a segunda é ir no seu tempo. Se você não é dessas pessoas que tomam uma decisão de um dia para o outro, está tudo bem. Quando rolar uma recaída, é só retomar no dia seguinte. O importante é se manter firme e alinhado com aquilo em que acredita.

Rastreamento

O Mapa Veg é um projeto independente criado em julho de 2012. Além de disseminar o veganismo, o site disponibiliza um Censo Brasileiro On-line para quantificar o número de pessoas vegetarianas, veganas e simpatizantes. Em 2016, o Mapa Veg se tornou um portal, passando a publicar notícias, artigos e receitas relacionados ao tema. Atualmente, conta com mais de 28 mil cadastrados. Em dezembro de 2017, lançou o Guia Vegano Brasileiro, plataforma para encontrar opções de produtos ou serviços veganos em todo o país. Para saber mais, acesse mapaveg.com.br/censo/estatisticas

* Estagiários sob a supervisão da editora Teresa Caram e da subeditora Sibele Negromonte