Relatório aponta que Brasil está estacionado no acesso aos cuidados médicos

O cenário global é melhor do que há 16 anos, mas país cai em ranking de carga de doenças e praticamente volta à posição de 1990. O relatório considera dados como mortalidade e fatores de risco para adoecimento em 195 nações

Minervino Junior/CB/D.A Press
A qualidade do atendimento também foi avaliada: na América do Sul, Brasil está à frente apenas de Paraguai e Bolívia (foto: Minervino Junior/CB/D.A Press)

A oferta e a qualidade dos serviços de saúde aumentaram globalmente nos últimos 16 anos, principalmente devido a melhorias em países de rendas baixa e média da África e do Sudeste Asiático. Contudo, em outros lugares, como o Brasil, o progresso estacionou, segundo dados do estudo Carga Global de Doenças (GBD, sigla em inglês), divulgado na revista The Lancet. O trabalho, realizado pelo Instituto de Métricas e Avaliações em Saúde da Universidade de Washington com a colaboração de mais de 3 mil pesquisadores, incluindo brasileiros, avalia o desempenho de 195 nações em relação ao acesso da população a cuidados médicos, considerando também se o serviço é bem prestado. No cenário nacional, o Distrito Federal tem os melhores resultados (Veja quadro).

O Brasil aparece na 96ª posição no ranking. É o terceiro pior colocado da América do Sul, à frente apenas de Paraguai e Bolívia. Quando comparado aos demais, o país caiu na classificação, praticamente retrocedendo para o lugar em que se encontrava em 1990, quando ocupava o 98º. Em 2000, subiu para a colocação 91ª e, em 2016, voltou a cair. Pela primeira vez, o estudo traz subanálises de sete países, incluindo o Brasil. O Distrito Federal aparece no topo das 27 unidades da Federação, em contraste com o Maranhão, que está em último lugar. Em 16 anos, a qualidade e o acesso à saúde no DF aumentaram 20,2%. Enquanto isso, Sergipe, 20º da lista, foi o estado com progresso mais lento no período: 0,853%.

Por reunir milhares de dados de 195 países, com estimativas de mortalidade, morbidade, expectativa de vida, carga de doenças em geral, anos vividos com incapacidade e fatores de risco para o adoecimento, o GBD é um dos principais termômetros da saúde global. A pesquisa, coordenada em Washington, avalia os cuidados com a população levando em consideração o índice de Qualidade e Acesso a Serviços de Saúde (HAQ, sigla em inglês), que se baseia no total de mortes por 32 causas que poderiam ser evitadas. Ao lado do índice de cobertura, essa é a referência para se medir acesso e qualidade na saúde pública.

Avanços na África O HAQ vai de 0 a 100, do pior ao melhor. Em 2016, a média global foi 54,5, contra 42,4 em 2000. Embora o desempenho de países subsaarianos e do Sudeste asiático continuem baixos, eles foram os que mais registraram melhoras, puxando para cima a pontuação mundial. A Etiópia, por exemplo, está na 184ª posição, com HAQ de 28,1. É pouco, mas, em 1990, o país ocupava o último lugar do ranking e, em 2000, o penúltimo. Em 16 anos, o índice subiu 14,1%.

Segundo os autores da pesquisa, os ganhos recentes podem ser um reflexo dos efeitos dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs), uma série de compromissos assumidos pelos membros da Nações Unidas com objetivo de, até 2015, melhorar indicadores como mortalidade materno-infantil e infecção por HIV. Por outro lado, Coreia do Norte, Cazaquistão, Quênia, Lesoto, Zimbábue, Zâmbia, Afeganistão e Chade tiveram variação negativa.

Apesar da evolução geral, o estudo explicita o tamanho da desigualdade no direito a um atendimento de qualidade. A Islândia mantém-se no primeiro lugar do ranking desde 1990, com índice de 97,1 - são 78,5 pontos a mais que o último da lista, a República Centro-Africana (18,1). Em 2000, a disparidade foi similar: a distância entre a Islândia e a Somália, então em 195º lugar, foi de 79,3. “Esses resultados enfatizam a necessidade urgente de melhorar tanto o acesso quanto a qualidade dos serviços de saúde, sob pena de os sistemas de saúde enfrentarem lacunas ainda maiores entre o que oferecem e as reais necessidades da população”, observa o coordenador do estudo, Rafael Lozano.

Destaques europeus

Depois da Islândia, os mais bem colocados estão na Europa, à exceção de Austrália: Noruega (96,6), Holanda (96,1), Luxemburgo (96), Austrália (95,9), Finlândia (95,9), Suíça (95,6), Suécia (95,5) e Itália (94,9). Das Américas, o primeiro a aparecer na lista são os Estados Unidos, que ocupam a 29ª posição, com HAQ de 88,7. O estudo chama atenção para fato de o país ter feito pouco progresso desde 2000, quando pontuou 86,8, e de também haver disparidades entre os estados americanos.

“As bases necessárias para alcançar uma cobertura universal das metas de saúde incluem diversos arranjos dos sistemas de saúde de cada nação, priorização da saúde nas políticas públicas e capacidade de países de renda baixa a pobre de executar funções essenciais do sistema de saúde apropriadamente”, avaliou, em um comentário publicado na The Lancet, Svetlana V. Doubova, do Instituto Mexicano de Seguridade Social.

Desigualdades regionais

Os dados brasileiros refletem as desigualdades sociais do país, com o Distrito Federal e estados do Sudeste e do Sul liderando o ranking de acesso e qualidade dos serviços de saúde, enquanto o Norte e o Nordeste figuram entre os piores. “No geral, houve uma melhora do Brasil, mas outros países tiveram um crescimento (do índice Qualidade e Acesso a Serviços de Saúde) muito maior”, observa o pesquisador Francisco Rogerlândio Martins-Melo, epidemiologista pela Universidade Federal do Ceará e um dos colaboradores internacionais do estudo Carga Global de Doenças (GBD, sigla em inglês), publicado na revista The Lancet.

Embora o indicador nacional tenha melhorado, subindo de 46,4 em 1990 para 55,3 em 2000 e 63,8 em 2016, o país foi ultrapassado por outras nações e caiu cinco posições em 16 anos. Além disso, na contramão da maioria dos 195 países da lista, houve aumento discreto das desigualdades estaduais, o que se mede pela distância entre o primeiro e o último do ranking. Em 1990, a diferença era de 17,2 pontos e, agora, é de 20,4. Procurado pela reportagem, o Ministério da Saúde não comentou os resultados.

Novos desafios

Francisco Rogerlândio Martins-Melo ressalta que, desde que o primeiro GBD foi realizado, os desafios brasileiros em relação à saúde mudaram. “No começo, os principais problemas eram as doenças infecciosas e a mortalidade materno-infantil. Mas, com a melhor cobertura de imunização e dos cuidados pré-natais e neonatais, por exemplo, houve queda considerável de mortalidade por esses motivos”, explica. Agora, dados recentes do GBD, publicados desde o ano passado, mostram que doenças cardiovasculares e crônicas (incluindo câncer de pulmão), além de Alzheimer, são as que mais matam no país. Homicídio e acidentes de trânsito completam o ranking da mortalidade no país.

De acordo com o pesquisador, a GBD oferece um diagnóstico preciso para nortear políticas públicas, indicando onde os investimentos são mais necessários e quais intervenções precisam ser priorizadas frente aos novos desafios de saúde pública. Porém, mesmo com fraco desempenho brasileiro, Martins-Melo ressalta: “Apesar de todas as falhas, nós temos um Sistema Único de Saúde”.