Pediatra escreve livro em que revela os 25 anos de trabalho com bebês prematuros

Médica tem carreira sólida em UTI neonatal. Em linguagem romanceada, publicação traz depoimentos de famílias que viveram o drama

por Laura Valente 14/12/2017 12:50
Valdo Virgo/CB/D.A Press/Ilustração
(foto: Valdo Virgo/CB/D.A Press/Ilustração)

A família que vive os festejos de uma nova gravidez suspende o fôlego quando o bebê nasce antes das 37 semanas de gestação - período em que a formação da criança já é considerada completa. Pausa. Ansiedade. Dúvidas. “Mas é a esperança que deve imperar”, frisa a médica Tilza Tavares, autora de Pequenos guerreiros - A força de vida do bebê prematuro (Editora Folium, 157 páginas, R$ 31,50).

Na publicação, ela contou com a ajuda de colegas, de pais e de crianças que venceram a agenda adiantada da cegonha para traçar um apanhado dos 25 anos em que vem atuando em cuidados com prematuros extremos – crianças que chegam ao mundo antes mesmo dos seis meses de gestação. A inspiração, conta, foi abordar uma realidade pouco difundida, além de acalentar o coração das mães e das famílias que passam por essa etapa que a vida impõe de forma “aguda e abrupta”, como diz. “Parti de dois objetivos - elucidar de uma forma tranquila e sem fantasias sobre o dia a dia da família e do bebê nascido prematuramente em uma UTI e dar esperança com os depoimentos de famílias que já passaram por esse processo”, revela.

Fabiana Amaral Calicchio, advogada, de 42 anos, mãe de Tiago, que nasceu prematuro, participa da publicação. “Tudo corria normalmente, pré-natal em dia, bebê crescendo, todo mundo feliz. Esperávamos o primeiro filho e estava com menos de seis meses de gestação quando, em um domingo, tive um sintoma diferente. Achei que fosse cessar, mas quando fui ao médico precisei me internar para fazer uma cesárea às pressas”, conta.

O menino, revela, nasceu sem batimento cardíaco, foi reanimado e ficou sob os cuidados da UTI neonatal por 120 dias. “Um dia era bom, outro ruim. Ele passou por transfusões de sangue e nasceu tão pequenininho, com 31cm, que só o peguei no colo depois de um mês do parto. Ainda assim, eu e o Lucas, meu marido, decidimos ser otimistas. Em momento algum chorei perto da incubadora e conversava muito com o bebê, dizendo o quanto o esperávamos em casa e contando sobre as etapas que vivemos também fora de hora, como terminar o enxoval e montar o berço. Tudo para dar estímulo e incentivo àquela nova vida”, lembra ela.

EMOÇÕES

Sim, Fabiana viveu a rotina tão conhecida por profissionais como Tilza Tavares e a equipe multidisciplinar de uma UTI neonatal, repleta de fios, apitos e outros aparatos e equipamentos médicos. Mas também onde cada conquista é celebrada. Tiago, por exemplo, deixou aquela primeira morada após quatro meses. “Saí da UTI com uma lista de coisas para fazer. Em casa, ele precisou de home care pelo mesmo período em que ficou internado".

Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press
Fabiana Amaral Calicchio, mãe de Tiago, hoje com sete anos e saudável, teve menos de seis meses de gestação (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)

"Quando lembro, fica um registro bem emocionante e me pergunto: como passei por isso tudo? Porque na hora em que estamos vivendo a expectativa de ver o bebê na incubadora, esperando a formação de órgãos vitais, como o pulmão, experimentamos um turbilhão de emoções, ficamos muito inseguras, perdidas, sem saber como vai ser. Até por isso achei bem interessante a ideia de montarem um livro a respeito, para orientar e dar esperança a mães de bebês prematuros”.

Feliz com a alegria de cuidar do filho, hoje um meninão de 7 anos, Fabiana replica o carinho que recebeu. “Durante muito tempo fiz questão de levar o Tiago à UTI onde ele ficou internado para que mães, pais e familiares de bebês em tratamento vissem que, apesar do sufoco de um nascimento prematuro, há chances de tudo dar certo. A elas, digo que é importante optar por otimismo, esperança e leveza”, sugere.

• Evolução registrada

Há cerca de 30 anos, como lembra Tilza Tavares, a medicina neonatal estava engatinhando e prematuros extremos tinham pouca chance de sobreviver. “Quando me formei, em 1985, atuei no berçário durante a residência em pediatria e já tinha fascínio pelos pequenos que nasciam com menos de um quilo. Infelizmente, na época não havia indicação de investimento em UTI, porque eles não sobreviviam e a escassez de leitos era muito grande em BH”, lembra.

Beto Novaes/EM/D.A Press
A médica e escritora Tilza Tavares diz que procura levar esperança às famílias com crianças nascidas antes do tempo (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)

Mas houve evoluções nas últimas décadas, como ela retrata no livro. Entre elas, a inauguração da UTI pediátrica do Ipsemg. Pouco mais tarde, em busca de especialização, a pediatra acompanhou grupos de hospitais de outros estados e viajou para a França, até passar a integrar a equipe do Neocenter, fundado pelos médicos Wagner Neder Issa, Marcus Jannuzzi, Waldemar Fernal, José Sabino de Oliveira e Oswaldo Trindade.

“O Neocenter foi a primeira UTI neonatal pura em Belo Horizonte. A partir da sua fundação, não trabalhei mais com crianças maiores. A ideia do livro é justamente retratar o fruto do nosso trabalho, o nosso dia a dia com os prematuros e suas famílias. Ao todo, já atendi cerca de 14 mil crianças nesses 25 anos.”

Folium Editorial/Reprodução
(foto: Folium Editorial/Reprodução )
Para escrever o livro, a médica adotou linguagem romanceada, não técnica e acessível a leigos. “Convidei algumas famílias para dar os seus depoimentos, profissionais para escrever alguns capítulos específicos. Montei o escopo. À medida que ia escrevendo, os pais que participaram do projeto escreviam o que o coração pedia. Basicamente, tentamos responder às perguntas que as famílias nos fazem quando chegam à UTI, enquanto estão lá – como será o dia a dia, as chances de sobrevivência e as possibilidades de sequelas, sobre o aleitamento, perda de peso, e às perguntas que não são feitas pelo próprio desconhecimento desse mundo novo de que passam a fazer parte... perguntas que se fazem quando estão no seu cantinho de oração... perguntas que fazem na alta – riscos de sequelas, vacinas, vistas, quais profissionais vão precisar acompanhar... O romance tem a ver com a suavidade que tentei dar por se tratar de um tema forte, que fala de frustrações, de perdas...”

PREPARADOS

Comercializado via editora e distribuído para mães cujos filhos estão em tratamento, o livro tem como principal retorno ajudar os envolvidos e a comunidade em geral a saber mais sobre o universo dessas crianças. “A medicina está mais preparada para lidar com os prematuros e o livro é uma prova disso. Antes, há cerca de 30 anos, essas crianças não tinham chances de sobreviver. Hoje, sim! Penso que a principal mensagem que ele passa é que nada acontece por acaso e que esses pequenos guerreiros têm um propósito forte na vida dessas famílias, têm muito o que ensinar a todos nós.”

Enquanto isso...
... PEC 181 ACRESCENTA QUESTÕES POLÊMICAS

“Estamos indignadas”, disse Denise Leão Suguitani, fundadora executiva da Associação Brasileira de Pais e Familiares de Bebês Prematuros (ONG Prematuridade.com) sobre o que caracteriza como distorção de conteúdo em relação à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 181. “Originalmente criada em 2011 com o objetivo de estender a licença-maternidade para mães de prematuros em até 240 dias ou oito meses, texto que havia sido aprovado por unanimidade no Senado, sofreu alterações em Comissão Especial da Câmara dos Deputados, que incluíram novo tema no parecer: a concepção da vida. Esse tema envolve questões muito mais abrangentes e polêmicas, que em nada dizem respeito à licença-maternidade para mães de prematuros”, critica. Denise explica, ainda, que o Brasil ocupa a 10ª posição no ranking mundial de nascimento de prematuros, o que configura “um grande problema de saúde pública”, reforça, e que a demora na votação da PEC tem prejudicado milhares de mães, bebês e famílias. “Entramos em contato com todos os deputados para que retirassem da PEC a questão da concepção da vida e do aborto, que tomou proporção muito grande, enquanto a maior parte da população sequer discute a questão da licença-maternidade para mães de prematuros. Em inúmeros apelos, recomendamos que o tema “concepção da vida” seja objeto de uma Proposta de Emenda à Constituição própria. Mas até agora não há novidade. Estamos vivendo um retrocesso, um desrespeito às famílias”, lamenta.