Célula-tronco ameniza consequências do Parkinson, diz pesquisa

Testado em macacos, o implante melhora a atividade motora sem causar danos ao cérebro por pelo menos dois anos. Os experimentos com humanos serão iniciados até o fim de 2018

por Vilhena Soares 12/09/2017 12:28
Reprodução/Internet/Plano de Saúde
(foto: Reprodução/Internet/Plano de Saúde)

Incurável, o Parkinson pode prejudicar imensamente a qualidade de vida dos pacientes, geralmente idosos. Complicações motoras - os tremores, por exemplo - dificultam a execução de tarefas simples do dia a dia, como se alimentar e escovar os dentes. Por isso, são alvo de estudo em diferentes centros de pesquisa do mundo. Uma equipe do Japão trabalha no desenvolvimento de uma técnica que usa células-tronco para amenizar problemas do tipo. Os resultados foram positivos em testes com macacos e detalhados na edição desta semana da revista britânica Nature.
 
“Há muitos ensaios clínicos que mostram a eficácia do transplante de células fetais para pacientes com doença de Parkinson. Nosso trabalho baseou-se nesses resultados”, conta ao Correio Jun Takahashi, pesquisador da Universidade de Kyoto e um dos autores do estudo científico. Ele e a equipe criaram neurônios dopaminérgicos a partir de células-tronco pluripotentes induzidas (iPSCs). “As iPSCs podem se transformar em uma variedade de células que constroem quaisquer órgãos, como o cérebro, coração, ossos etc.”, explica o autor.

A intenção é usar as iPSCs para corrigir o principal problema neural causado pelo Parkinson: a queda na produção do neurotransmissor dopamina. Para isso, os neurônios dopaminérgicos criados foram implantados em células do cérebro de macacos modificados em laboratório para ter Parkinson. “No cérebro de um paciente com essa doença, o número de neurônios dopaminérgicos diminui progressivamente. Nesse estudo, fizemos um modelo de macaco que tem essa característica e, por isso, se comporta como pessoas que têm essa enfermidade neurodegenerativa”, diz Takahashi.

O implante das células modificadas surtiu o efeito esperado. “Pensamos que encontraríamos eficácia e segurança das células enxertadas, e nossa expectativa virou realidade. As iPSCs sobreviveram e secretaram dopamina no cérebro, o que provocou a melhoria comportamental dos macacos”, detalha o autor.

Os animais apresentaram melhoras na área motora que duraram dois anos, sem a presença de danos à saúde. Os pesquisadores não diagnosticaram, por exemplo, a formação de tumores, o que, segundo eles, sinaliza a segurança da técnica e a transforma em uma promessa de tratamento futuro. “Esse é o nosso próximo passo: realizar um ensaio clínico para saber se essa tecnologia também pode ser eficaz em humanos. Espero que possamos iniciar esses testes até o fim de 2018”, estima Takahashi.

Outros males

Flávio Fária, neurologista do Hospital Santa Luzia, em Brasília, e especialista em doenças do distúrbio do movimento, também acredita que o estudo japonês possa se transformar em uma opção terapêutica. “Para essa enfermidade, não temos nada que interrompa os danos motores. Nenhum tratamento, tanto medicamentoso quanto cirúrgico, cessa a progressão da doença. O uso das células-tronco poderia ser uma opção melhor, já que substituiu as células dopaminérgicas, que se perdem com o tempo. Seria uma espécie de reposição, auxiliando na recuperação dos danos”, detalha.

Apesar dos resultados iniciais promissores, o médico ressalta que a técnica precisa ser melhor avaliada, como a comprovação em um período maior da segurança e da eficácia do procedimento. “Os pesquisadores observaram os macacos transplantados por dois anos e não viram crescimento tumoral, mas precisamos avaliar por mais tempo, já que se trata de uma doença neurodegenerativa, que evolui com o passar dos anos. Pode ser que essas células também fiquem suscetíveis e percam seu efeito, assim como ocorreu com as anteriores”, pondera.

O especialista também acredita que a técnica possa servir como opção de tratamento para doenças com mecanismos semelhantes aos do Parkinson. “O Alzheimer é outro problema que envolve as células dopaminérgicas, o que dá esperança de que pacientes com essa enfermidade também possam beneficiar-se com o transplante de células-tronco. Mas é algo que veremos só mais para a frente, já que demorará alguns anos para que essa técnica possa ser usada”, diz.

Incidência universal

Cerca de 1% da população global com mais de 65 anos tem Parkinson, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). No caso do Brasil, o número estimado de pacientes é de 200 mil. A doença tem distribuição universal e atinge todos os grupos étnicos e classes socioeconômicas. Não prejudica apenas o funcionamento dos neurônios dopaminérgicos, alvo do estudo japonês. O sistema olfatório e neurônios periféricos também estão entre as áreas comprometidas.


“Nenhum tratamento, tanto medicamentoso quanto cirúrgico, cessa a progressão da doença. O uso das células-tronco poderia ser uma opção melhor (…) Seria uma espécie de reposição, auxiliando na recuperação dos danos” - Flávio Fária, neurologista do Hospital Santa Luzia