Pesquisadores usam o princípio ativo da maconha para tratar ratos idosos

Estudiosos mostram que o THC ajudou a recuperar a área cognitiva dos animais mais velhos, melhorando o aprendizado e resgatando lembranças

por Vilhena Soares 25/05/2017 14:02
Reprodução/Internet/HypeScience
(foto: Reprodução/Internet/HypeScience)

A maconha é uma das drogas mais estudadas na área científica. Ela ajuda pacientes que sofrem com dores, mas também mostrou prejuízos ao cérebro de jovens - esses efeitos distintos sempre levantaram muita polêmica quanto ao seu uso na medicina. Cientistas alemães acabam de mostrar uma outra função dessa planta. Os pesquisadores utilizaram o THC (tetra-hidrocanabinol), principal componente ativo da Cannabis, para tratar ratos idosos. Como resultado, notaram uma melhora na memória dos animais. Os autores do trabalho, publicado na revista britânica Nature Medicine, destacam que mais pesquisas são necessárias. Entretanto, eles acreditam que os achados trazem esperanças para tratamentos médicos futuros, que possam ajudar na recuperação de perdas cognitivas, geradas por doenças que ocorrem durante o envelhecimento, como   o Alzheimer e a demência.

Os compostos psicoativos presentes na maconha, como o THC, exercem ações sobre o sistema nervoso humano, interagindo com receptores cerebrais de canabinoides (endocanabinoides). Por causa desse mecanismo, eles são usados para tratar condições neurológicas humanas, como a epilepsia ou a dor. Os autores do estudo explicam que esse efeito “analgésico” da droga impulsionou muitas pesquisas, mas pouco ainda se sabe sobre o impacto dessas substâncias em cérebros mais velhos. “Há evidências substanciais que sugerem existir alterações no sistema endocanabinoide durante o envelhecimento. Contudo, pouco se sabe sobre essas mudanças. Por causa disso, buscamos avaliar melhor o tema nesse trabalho”, explicaram no artigo os autores do estudo, liderado por Andreas Zimmer, pesquisador da Universidade de Bonn, na Alemanha.

No experimento, os cientistas trataram ratos jovens (com dois meses de idade), maduros (12 meses) e velhos (18 meses) com doses baixas de THC. No fim, eles observaram que o tratamento prejudicou o desempenho comportamental em tarefas de aprendizagem e memória nos camundongos mais novos, mas melhorou a aprendizagem e memória em ratos maduros e velhos. Para entender o porquê dessa diferença, os cientistas analisaram o comportamento cerebral dos animais e observaram, nos ratos maduros e mais velhos, alterações em uma região cerebral ligada à memória. “O THC reverteu o declínio no desempenho cognitivo de camundongos com idade entre 12 e 18 meses. Esse efeito comportamental foi acompanhado pela expressão de proteínas marcadoras sinápticas e o aumento da densidade do hipocampo”, detalharam os autores do estudo.

Os pesquisadores monitoraram os ratos durante 50 dias e viram que a melhora na memória dos animais se manteve por um período considerável. “O tratamento com THC restaurou o desempenho de aprendizagem e memória de adultos maduros e velhos por duas semanas. A administração da droga fez com que os animais se saíssem bem em testes, como lembrar a localização de objetos e reconhecer outros membros de sua espécie, que eram seus parceiros durante os testes”, explicaram os autores no artigo.

Fábio Aurélio Leite, neuropsiquiatra do Hospital Santa Lúcia Norte, em Brasília, e membro titular da Sociedade Brasileira de Psiquiatria, acredita que o estudo alemão é bem feito e mostra resultados interessantes. O especialista também destaca por que os efeitos da droga foram diferentes em ratos com idades distintas. “É a grande questão desse estudo. Essa diferenciação deve ter ocorrido provavelmente porque o cérebro jovem ainda está em formação. O sistema nervoso dos idosos já sofre com um declínio, e isso faz com que as chances de melhoras sejam maiores quando se usa uma substância dessas. É como se você fosse dar viagra para um indivíduo com 20 anos. Para ele não faz sentido, mas, para o idoso, sim, porque ele já sofre com problemas nessa área”, ressaltou o especialista.

Os autores do estudo ainda não sabem afirmar como o THC agiu no hipocampo dos ratos e estimulou a memória dos animais mais velhos, porém eles têm uma pista. No experimento, eles observaram que a substância psicoativa agiu na acetilação (ativação) da histona, uma proteína cerebral. Para esclarecer melhor essa suspeita, em uma etapa separada do experimento principal, os cientistas utilizaram um ácido para impedir que o THC administrado nos ratos mais velhos agisse nessa proteína. Quando a interferência foi feita, o THC não repetiu o efeito benéfico nos roedores mais velhos.

MAIS ANÁLISES

Apesar dessa pista inicial, os cientistas destacam que os achados ainda precisam ser aprofundados, sem perder as esperanças de que a substância possa ser usada em terapias futuramente. “O THC já é utilizado para fins medicinais. Ele tem um excelente registro de segurança e não produz efeitos colaterais adversos quando administrado em doses baixas em indivíduos mais velhos. Dessa forma, o tratamento crônico com baixas doses de THC pode ser uma estratégia potencial para abrandar ou inverter o declínio cognitivo em idosos”, detalharam os autores no estudo.

Para Leite, a pesquisa americana ainda é bastante inicial. Ele concorda que é preciso uma investigação maior para que a ação do THC possa ser confirmada como benéfica ao cérebro de idosos. “Temos que avaliar por quanto tempo esse efeito durará. Os cientistas mostraram eficácia em alguns dias, mas é necessário observar se ela pode durar por meses e anos, ou seja, por um período maior. Outro ponto importante é que foram avaliados ratos que não tinham problemas degenerativos. Seria interessante observar como um cérebro que sofre como Alzheimer ou outra forma de demência se comportaria ao receber doses dessa substância”, enfatizou o especialista.