Brasileiro é reconhecido internacionalmente por estudos sobre a amamentação

Até hoje, entre os vencedores do prêmio Gairdner, 84 receberam, depois, o Nobel de Medicina ou de Fisiologia. Epidemiologista Cesar Victora é o primeiro brasileiro agraciado na premiação

por Paloma Oliveto 04/04/2017 11:19
Daniela Xu/Divulgação
Cesar Victora foi o primeiro brasileiro a ganhar o renomado prêmio Gairdner pelo trabalho que associa a amamentação exclusiva à redução da mortalidade infantil (foto: Daniela Xu/Divulgação)

Quando Cesar Victora se formou em medicina, no fim da década de 1970, a epidemiologia era um campo de estudo que começava a se desenvolver no Brasil. Ainda eram poucos os cientistas que se debruçavam sobre dados populacionais, informações socioeconômicas e registros de doenças e mortalidade para encontrar associações entre elas. Mas o jovem pediatra estava preocupado com uma situação que vivenciava nos postos de saúde de comunidades pobres de Porto Alegre e Pelotas (RS), por onde clinicou. Por mais que tratasse crianças desnutridas e com diarreia, entre outros problemas, elas sempre estavam de volta.

Victora queria fazer mais do que simplesmente tratá-las. Ele pretendia prevenir o surgimento de doenças potencialmente evitáveis, mas que estavam arraigadas naquelas comunidades carentes de saneamento básico. Para isso, o médico teria de se dividir entre as consultas e as estatísticas. “Naquela época, era estranho quando um clínico resolvia ir para esse lado, uma área com muita matemática. Todo mundo achava que eu fosse dermatologista, porque pensavam que o epi de epidemiologista vinha de epiderme”, recorda.

Do Rio Grande do Sul, Victora partiu para a Inglaterra, onde se doutorou pela prestigiada Faculdade de Higiene e Medicina Tropical de Londres, pesquisando desnutrição infantil. O primeiro trabalho foi a comprovação de que, no Sul do Brasil, onde predominavam os latifúndios, a mortalidade infantil era muito superior à registrada na Região Norte, onde pequenos agricultores tinham as próprias áreas de cultivo.

No último dia 28, ao completar 65 anos, o epidemiologista se tornou o primeiro brasileiro a receber um dos mais importantes prêmios do mundo na área de saúde, o Gairdner, do Canadá, que, desde 1957, já reconheceu o trabalho de mais de 360 pesquisadores de 30 países. A premiação é considerada um “pré-Nobel”: entre os laureados até hoje, 84 receberam depois o Nobel de Medicina ou de Fisiologia. Modesto, Victora, que é o cientista brasileiro mais procurado no Google, disse ter sido surpreendido com o reconhecimento. “Fiquei muito satisfeito e surpreso. É um prêmio muito importante na área de saúde global, inclui pessoas que descobriram o ebola e a Aids”, conta.

No anúncio da Fundação Gairdner, que premiou outros seis cientistas neste ano, o reconhecimento de Victora foi justificado, em primeiro lugar, pelas pesquisas que ele desenvolveu a respeito do aleitamento materno. “Possivelmente, a maior contribuição do Dr. Victora à saúde pública foi seu trabalho nos anos de 1980, com o primeiro estudo mostrando a importância da amamentação exclusiva para prevenir a mortalidade infantil”, destacaram os organizadores do prêmio.

Recomendação mundial De volta ao Brasil em 1983, o médico se associou ao colega Fernando C. Barros, da Universidade de Pelotas, nos estudos de coorte que, até hoje, acompanham 6 mil pessoas nascidas no município. No início, a ideia era medir mortalidade infantil e número de prematuros, mas, com o tempo, o trabalho se mostrou muito mais revelador.

Em meados da década, Victora resolveu aplicar alguns métodos mais modernos de epidemiologia que, nos países desenvolvidos, estavam sendo usados para investigar doenças crônicas. “Tive a ideia de aplicá-los para a mortalidade infantil”, diz. Naquela época, era comum dar chá, suco e água para recém-nascidos. O pediatra resolveu investigar se isso teria influência no número de óbitos e fez um estudo em 10 cidades do Rio Grande do Sul. O resultado foi impressionante. As crianças que eram alimentadas exclusivamente com leite materno até os 6 meses de vida tinham risco 14 vezes menor de morrer por diarreia e 3,6 vezes menor por doenças respiratórias.

Graças a essa descoberta, depois confirmada por outros pesquisadores que repetiram o estudo em vários países, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) reviram as recomendações sobre aleitamento exclusivo até os seis meses de vida.

Segundo o médico, existem algumas hipóteses que explicam a associação entre a oferta de água, suco e chá aos bebês e o aumento nos casos de morte. “Em primeiro lugar, a mortalidade maior era nas famílias mais pobres, que não tinham acesso a saneamento. A má higienização da água poderia introduzir bactérias e contaminar os bebês. Além disso, o estômago do recém-nascido é muito pequeno, do tamanho de uma colher de sopa. Ao ingerir mais líquido, ele mama menos e deixa de receber todas as substâncias do leite materno que evitam infecções”, diz.