Os filhos da revolução: uma juventude que quer transformar o mundo

Envolvimento com causas sociais e ações práticas fazem parte da realidade de jovens que querem ter voz no meio da multidão


 Alexandre Guzanshe/EM
Jovens engajados que soltam a voz no meio da multidão. Els querem muito mais que comida e arte. Querem respeito e participação social (foto: Alexandre Guzanshe/EM)

“Procurem deixar este mundo um pouco melhor que o encontraram”, lembra Kelly Morato do trecho da última mensagem de Baden-Powell aos escoteiros. “Essa frase me empurra muito para a frente, porque eu acredito que temos que sair do lugar cômodo, propor ações, ir lá e fazer”, diz a estudante de história, de 21 anos.

Militante, escoteira, professora e voluntária, Kelly começou a se envolver com questões políticas e sociais aos 15 anos, quando se candidatou à presidência do grêmio estudantil e foi a aluna mais nova a assumir a posição. Em 2011, seu engajamento ultrapassou os muros da escola em Betim e foi para as ruas de BH. No auge dos seus 16 anos, envolveu-se na greve dos professores da rede estadual, acompanhando todas as reuniões na Assembleia Legislativa de Minas Gerais.

Por meio das redes sociais, onde expunha suas experiências e opiniões, a estudante foi se transformando em uma referência para a comunidade local. Foi quando alguns partidos políticos a procuraram para que ela se filiasse. Ela tinha apenas 17 anos. “Eu nunca quis isso, não queria me prender a uma pauta que não olhasse para as especificidades da minha escola, do meu dia a dia, das coisas em que eu acreditava.”

A greve de 2011 a fez perceber que gostaria de seguir na área de humanidades e educação. Ingressou na UFMG e, vivenciando as dificuldades de ser aluna de escola pública, morando em uma cidade da região metropolitana, com dificuldades de transporte, começou a frequentar algumas reuniões na Câmara Municipal de Belo Horizonte.

PARTINDO PARA A AÇÃO

 
Arquivo Pessoal/EM
A estudante Kelly Morato, de 21 anos, começou a se envolver com questões políticas e sociais aos 15 anos (foto: Arquivo Pessoal/EM)
Além das reuniões, Kelly foi encontrando outras maneiras de se envolver em diversas causas. Encontrou uma forma de cobrar melhorias ao ingressar no Centro Acadêmico de História, participando ativamente das atividades da entidade; desenvolveu projetos sociais, como quando recolheu, em parceria com a Associação de Deficientes Físicos de Betim, lacres de latinhas para trocar por cadeiras de rodas; reuniu alguns amigos e, juntos, distribuíram marmitas para moradores de rua de Betim e Belo Horizonte no réveillon de 2014 e de 2017; ingressou como voluntária no cursinho popular da UFMG, onde dará monitoria pré-técnico e pré-Enem para jovens de baixa renda; é doadora de sangue e mesária voluntária. Atingindo a idade de 21 anos, começou seu voluntariado no movimento escoteiro, trabalho que considera uma militância pela educação.

“O movimento escoteiro é um método de educação não formal que busca o protagonismo do jovem e o seu desenvolvimento por ele próprio. Muito do que eu desenvolvi do meu senso crítico foi a partir de uma visão que o escotismo me trouxe. Sempre militei pela educação política das pessoas, e essa é a minha maior causa porque vejo na educação a base de todas as coisas”, defende.

A estudante encontrou algumas pedras pelo caminho. Em algumas ocasiões, era vista com descrédito pelos mais velhos. “Mas eu sempre acreditei nas causas que enfrentava. Às vezes batia um desânimo, eu era tachada como polêmica, pura e simplesmente. Mas essas críticas vinham de pessoas que não eram nem um pouco engajadas e participativas”, conta. Ela vê suas dificuldades se repetirem nos dilemas dos militantes ainda mais novos do que ela: muita gente querendo participar, mas sem saber como. Então, acabam estagnados por vários motivos, entre eles a falta de estímulo dos pais e professores.

Por isso, vê na internet uma grande ferramenta de informação e engajamento, mas também de alienação. “Sinto que falta um pouco mais de amadurecimento e compreensão, porque problematizar por problematizar não adianta. Quando esse acesso à informação for de fato aliado às ações e práticas, aí teremos um verdadeiro florescer. Tenho a impressão de que esse conhecimento todo ainda fica enclausurado dentro das redes sociais. Mas isso também é positivo. É um processo de formação, informação e construção”, pontua.


E é exatamente aí que está um dos papéis mais importantes a ser desempenhado pelos jovens: “Isso faz de nós agentes potencializadores de mudanças. Cabe a nós, com tantas ferramentas e possibilidades, potencializar o que conquistamos e o que conquistaram por nós”.

• Como fica a família

 Alexandre Guzanshe/EM
As redes sociais foi o meio de mobilizar os jovens a irem para as ruas em 2013 (foto: Alexandre Guzanshe/EM)
 

O plano da estudante Eduarda, de 18 anos, agora é se envolver cada vez mais com o movimento estudantil. Mas a jovem, que pensa em se filiar à UJS – União da Juventude Socialista, ainda busca a melhor maneira de lidar com a preocupação de seus pais, que foram resistentes ao seu envolvimento nos atos de ocupação.

“No início eles não concordavam muito, mas deixavam. Fui me dedicando lá dentro e eles começaram a pensar que eu estava levando aquilo muito a sério, deixando de ser responsável com algumas coisas da minha vida pessoal. Eu discordo. Hoje, tento convencê-los de que posso fazer parte, continuar os estudos e manter o foco na minha vida”, diz a jovem, que acredita que a rotina pode sufocar a luta. “Não adianta a gente viver nesse piloto automático de estudar e trabalhar, a mesma coisa todo dia, e continuar sem lutar por aquilo que você considera injusto. Então, quero conciliar essa duas coisas: a luta com a minha vida pessoal, e provar que eu consigo.”

Tal drama é cada vez mais comum nos lares brasileiros. Além dos desentendimentos familiares, os jovens tendem a viver tudo com uma maior intensidade. Segundo Márcio Rimet Nobre, psicanalista e doutorando em psicologia pela UFMG, a necessidade de pertencimento a novos grupos que extrapolem a família é característica da juventude. Porém, os interesses manifestados pelos jovens não devem ser considerados apenas uma fase. “Eles também podem resultar em posicionamentos duradouros, que tragam resultados sociais importantes. Depende dos diversos vieses que atravessem o percurso de cada um. Certamente que grande parte do ativismo político a que assistimos atualmente passará. Mas temos que resguardar espaço para a esperança na atual juventude verdadeiramente engajada. Esperar que surjam cabeças pensantes e corpos dispostos a agir”, diz.
 
Paulo Filgueiras/EM
Jovens engajados e conscientes do papel na sociedade (foto: Paulo Filgueiras/EM)
 
O psicanalista explica que a juventude é o período em que a pessoa precisa fazer certa desconstrução nos lugares parentais. Assim, para o jovem, é necessário construir seu próprio percurso e isso não se faz sem certo questionamento dos pais, embora muitos deles sigam um caminho já conhecido.

“Do ponto de vista da participação política, muitos jovens, a exemplo do que ocorre com as escolhas profissionais, seguirão o caminho de seus pais, tornando-se mais ou menos engajados ou mais ou menos alienados e entregues à vida do mero consumo. Os pais, na maioria das vezes, cresceram inseridos nessas lógicas e suas preocupações com os filhos, em muitos momentos, os impedem de enxergar outras perspectivas, outros modos de vida”, destaca.

O segredo para lidar com o engajamento dos filhos e manter uma relação harmoniosa quando há conflito ideológico dentro de casa é o bom e velho respeito. O especialista aconselha o bom uso do diálogo para compreendê-los, de modo a evitar o abismo que vem se instalando nas relações atuais em virtude das diferenças políticas. Para Márcio, o diálogo favorece o clima de respeito que deve ocorrer nesse campo nos mesmos moldes em que para as demais escolhas dos filhos, por exemplo, de profissão, de parcerias para a vida afetiva, entre outras.