Brasileiros sabem pouco sobre doenças transmitidas pelo Aedes

Estudo feito com 1 mil pessoas de todas as regiões do país, mostrou, por exemplo, que somente 24,3% da população sabem que tomar vitamina B não afasta o mosquito, uma crença amplamente difundida, mas que não tem qualquer embasamento científico

por Paloma Oliveto 29/11/2016 15:00
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Muitos brasileiros acreditam que a microcefalia é uma doença transmitida pelo mosquito, quando, na verdade, trata-se de um dos sintomas da Síndrome Congênita do Zika (foto: AFP PHOTO)
A temporada da chuva e a proximidade do verão voltam a colocar o país em alerta contra o Aedes aegypti. Se, antes, o mosquito já era temido por transmitir dengue, as recentes epidemias de zika e chicungunha enfatizaram a necessidade de se lutar contra o inseto, que tem potencial de inocular muitos outros vírus, ainda pouco explorados pela ciência. Apesar de os brasileiros acreditarem entender bem sobre as doenças transmitidas pelo Aedes, uma pesquisa inédita da Sociedade Brasileira de Dengue e Arboviroses (Sba-a) mostrou que esse conhecimento é superficial, repleto de equívocos que podem atrapalhar a prevenção e o combate a essas enfermidades.

O estudo, feito com 1 mil pessoas de todas as regiões do país, mostrou, por exemplo, que somente 24,3% da população sabem que tomar vitamina B não afasta o mosquito, uma crença amplamente difundida, mas que não tem qualquer embasamento científico. Muitos, inclusive, acreditam que a microcefalia é uma doença transmitida pelo mosquito, quando, na verdade, trata-se de um dos sintomas da Síndrome Congênita do Zika. Quarenta e dois por cento dos entrevistados, aliás, admitiram que estão mal-informados sobre zika, doença que, de janeiro a outubro deste ano, infectou 109.596 brasileiros, segundo o boletim epidemiológico mais recente divulgado pelo Ministério da Saúde.

Em relação à prevenção, a maioria mostrou um bom conhecimento a respeito de alguns métodos. Noventa e sete por cento dos participantes, por exemplo, sabem que água parada, como a acumulada em pneus, ajuda na proliferação do mosquito. O presidente da Sba-a, o infectologista Artur Timerman, porém, lembra que cuidar da piscina ou dos vasinhos de planta são apenas um componente do arsenal preventivo.

“Minha preocupação é que o foco real do problema não está sendo abordado”, diz. “O que (as propagandas oficiais e a mídia) enfatizam são os cuidados domiciliares, como evitar água parada. Nos últimos 10, 15 anos, houve um bombardeio de informações, para que as pessoas cuidassem de seu microambiente familiar, achando que isso combateria o mosquito de maneira adequada. Mas as arboviroses, em geral, expressam o problema terrível que é a falta de saneamento básico”, critica (leia entrevista). Rede de esgoto e coleta de lixo inapropriados também são um prato cheio para o mosquito. O presidente da Sba-a diz que uma pesquisa realizada na Bahia, por exemplo, mostrou que, em locais onde os resíduos são coletados uma vez por semana, a incidência de dengue é 10 vezes maior do que nas regiões onde o lixo é recolhido de três a quatro vezes.

Luis Nova / Esp. CB / D.A Press
No condomínio onde mora a psicóloga Niely Gonçalves, 29 anos, o lixo é recolhido três vezes por semana, mas não há rede de esgoto (foto: Luis Nova / Esp. CB / D.A Press)

No condomínio onde mora a psicóloga Niely Gonçalves, 29 anos, o lixo é recolhido três vezes por semana, mas não há rede de esgoto. Em julho do ano passado, ela teve dengue e ficou sete dias com sintomas bastante graves. Começou com febre de quase 40ºC, acompanhada por manchas vermelhas por todo o corpo. O pior de tudo, porém, foi a dor. “Até para tomar banho era horrível. A pressão da água no corpo doía muito. Durante os três primeiros dias, pensei que ia morrer. É insuportável”, relata. Niely conta que, como a mãe tem muitas plantas, a família sempre teve bastante cuidado com os vasinhos, para não estimular nenhum foco do mosquito. Além disso, utiliza spray de citronela em casa, um produto natural de combate aos insetos. Mas ela confessa que nunca usou repelente no corpo: “Tenho horror ao cheiro, nunca comprei”.

Repelente
A psicóloga não está sozinha. A pesquisa da Sba-a indicou que uma medida preventiva de grande desconhecimento da população é justamente o uso de repelentes. A Organização Mundial de Saúde recomenda essas substâncias para proteção contra a picada do Aedes — inclusive para grávidas e crianças. No Brasil, os produtos à base de IR3535 podem ser aplicados em bebês a partir de 6 meses. Já os que contêm DEET e icaridina são indicados depois que a criança completa 2 anos, exceto por um novo repelente com icaridina que foi aprovado agora pela Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), também indicado para as que têm 6 meses. Das três substâncias de maior uso no mundo, icaridina e DEET são as que apresentam melhor eficácia, segundo estudos científicos, especialmente a primeira, que permanece no corpo por mais tempo.

O infectologista pediátrico Marco Aurélio Sáfadi, da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e colaborador da Sociedade Brasileira de Pediatria, lembra que mulheres grávidas devem ter cuidado redobrado com a prevenção, especialmente em relação ao zika. “Já é amplamente sabido que uma das formas de transmissão do vírus é intraútero. Ele entra na corrente sanguínea, passa pela placenta e chega ao cérebro em desenvolvimento do feto, onde provoca as malformações características da Síndrome Congênita do Zika”, afirma. De acordo com o Ministério da Saúde, hoje, há 9,5 mil mulheres que foram infectadas pelo vírus durante a gravidez e estão em acompanhamento. “Então, temos 9,5 mil crianças que potencialmente vão nascer com essas complicações”, diz Sáfadi.

Para o ginecologista e obstetra César Eduardo Fernandes, presidente da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia (Febrasgo), os médicos precisam orientar mulheres a usar repelentes, uma das poucas medidas preventivas de caráter individual. “Muitas vezes, os casais chegam dizendo que querem engravidar e perguntam qual a estratégia para combater o zika. Nós, médicos, ficamos tentados a perguntar se eles não podem reconsiderar o momento, deixar os planos para depois. Mas há mulheres que já estão com a reserva ovariana em extinção, então não podemos fazer isso”, diz. De acordo com ele, as que planejam a gravidez ou que já estão gestantes temem usar o produto, por achar que vão prejudicar o feto. “A Febrasgo fez até uma cartilha sobre isso. Não há risco nenhum. Elas não só podem, como devem usar o repelente”, ensina.


ARTUR TIMERMAN, PRESIDENTE DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE DENGUE E ARBOVIROSES (SBD-A)

Há um ano, o governo anunciou a epidemia de zika. Desde então, o que sabemos da doença e o que ainda é preciso investigar?
Essa é uma doença nova. No Brasil, começou a circular em abril do ano passado, mas as autoridades reconheceram que em 2014 ela já existia. Mas tem uma série de fatos que ainda precisam ser conhecidos. Hoje, temos a circulação de três arbovírus. Então, qual é a influência dessa co-circulação? Há vários estudos que mostram que uma pessoa que foi infectada previamente por dengue e, agora, adquire zika, tem mais chance de transmitir zika para o feto. Isso tem impacto, inclusive, para indicação da vacina de dengue. Será que é válido indicar a vacina para uma mulher em idade fértil, sabendo que, se ela induzir o anticorpo contra a dengue no organismo, poderá transmitir zika para o feto, caso seja infectada pelo vírus? Eu não indico. Então, são conhecimentos que ainda estão se adquirindo, embora com muita lentidão. O que sobra, hoje em dia, infelizmente, é uma orientação genérica à população.

O que se pode fazer, então?
A Sbd-a sempre está ressaltando que o que precisamos fazer é vincular a dengue ao saneamento básico. A população não faz esse vínculo, embora ele seja absolutamente direto. Abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto, coleta e tratamento de lixo são essenciais para controlar essa infecção. E não é cuidando da aguinha da plantinha que vamos conseguir resolver, isso é uma redução de danos, está longe de contornar o problema. Além disso, o que podemos fazer agora é usar repelente. É o que a gente pode fazer de mais efetivo. O que a pesquisa mostra é que a população ainda tem um conhecimento superficial dos mecanismos de prevenção, e um conhecimento precário sobre a eficácia dos repelentes.

Pessoas que moram em locais sem saneamento básico são de baixa renda. Financeiramente, a compra de repelentes não pode ser algo difícil para elas, ainda mais com a necessidade de reaplicar diversas vezes ao dia?
É verdade. Todas essas arboviroses são reflexo dessa urbanização caótica, de acúmulo de pessoas nas cidades, sem oferecer condição de infraestrutura. Certamente, isso revela e expressa essas diferenças sociais que nós temos. Mas essas doenças são democráticas. A população mais abastada também está vulnerável. Em São Paulo, por exemplo, entre as regiões que mais têm casos de dengue, sempre está a região de Itaim, que é o metro quadrado mais caro da cidade. O mosquito é democrático. Ele vai estar na favela, na periferia e nas zonas mais ricas das cidades. Agora, o repelente deveria ser distribuído para a população. Eu até faço uma analogia. O governo não dá camisinha para prevenção da Aids? Então tem de dar repelente para a prevenção de arbovirose.

A repórter viajou a convite da Sociedade Brasileira de Dengue e Arboviroses