Mentira é necessária, mas saiba qual é o limite e quando se torna doença

por Lilian Monteiro 13/11/2016 11:00
Bjorn de Leeuw/Freeimages
O que a mentira provoca na sociedade e em nós mesmos? (foto: Bjorn de Leeuw/Freeimages )
“Lembra-se de mim? Claro, como vai?!” “Estou com dor de barriga, não posso ir à aula.” “Cheguei atrasado por causa do trânsito.” “Você leu meu livro? Li, muito bacana!” “Estava passando por acaso e resolvi saber se estava em casa.” Que atire a primeira pedra quem nunca contou uma mentira. Afinal, o que tem de mais em uma mentirinha? De Adão e Eva ao homem de Neanderthal, da história da cegonha passando por Chapeuzinho Vermelho e Pinóquio até as mentiras do dia a dia, o ser humano é um exímio mentiroso. As razões podem ser desde um ato de amor, proteção e cuidado, como maldade e desvio de caráter e até mesmo um caso de doença compulsiva ou um transtorno psicótico, o grau mais extremo. E você, já parou para pensar em quantas vezes mente por dia?

A mentira faz parte do homem para que a sociedade não entre em colapso. Imagina dizer ao namorado, à mulher, à sogra ou ao amigo o que realmente pensa deles? Não sobraria pedra sobre pedra. A mentira é, portanto, questão de sobrevivência. E as pessoas mentem para se dar bem nos relacionamentos, na profissão, nos negócios e ainda mais na política. E há momentos em que elas mentem para elas próprias, criam suas fantasias. E como diz o crítico, escritor e jornalista português Miguel Esteves Cardoso, “quase todas as mentiras são provocadas. As principais culpadas são as perguntas que se fazem”.

Lorota, caô, manipulação, engodo, trapaça, dissimulação, balela, invencionice, embuste, logro, enganação, ludibriar, tapear, perjúrio, cambalacho. Os sinônimos são tantos que podem até apontar significados distintos, mas, no fundo, o resultado dessa atitude é um só: a mentira, para o bem ou para o mal.

Como um falso colorido, a mentira pode carregar leveza, ser lúdica, mas também pode passar do limite para maquiar uma situação. Há pessoas que mentem bem e levam vantagem sobre quem diz a verdade. A mentira é sedutora. E o ser humano, ao longo do desenvolvimento da espécie, a pratica com desenvoltura porque é natural para ele, assim como andar. Ele é astuto na manipulação.

MARCIANOS
O escritor gaúcho Luís Fernando Veríssimo, com seu humor afiado, nos brindou com crônicas incríveis nos livros As mentiras que os homens contam e As mentiras que as mulheres contam, que fazem chorar de tanto rir. E, claro, se reconhecer em alguma cena. E tudo, lembra o autor, pelo bom convívio social, pela harmonia dentro de casa, para uma noite mais simpática com os amigos, enfim, tudo pela paz mundial.

Entre tantos registros da mentira, nada mais espetacular do que a única apresentação e transmissão da peça de radioteatro A guerra dos mundos, encenada no Mercury Theater on the Air, baseada no livro de ficção científica do escritor inglês Herbert George Wells (H. G. Wells). Em 30 de outubro de 1938, véspera do halloween, a notícia em edição extraordinária de uma invasão alienígena à Terra provocou pânico nos Estados Unidos e ajudou a CBS a bater a emissora concorrente, NBC. O programa relatou a chegada de centenas de marcianos a bordo de naves extraterrestres à cidade de Grover's Mill, no estado de Nova Jersey.

Os méritos da genial adaptação, produção e direção da peça eram do então jovem e quase desconhecido ator e diretor de cinema norte-americano Orson Welles. A invasão dos marcianos durou apenas uma hora, mas marcou definitivamente a história do rádio. O jornal Daily News resumiu na manchete do dia seguinte a reação ao programa: “Guerra falsa no rádio espalha terror pelos Estados Unidos”. Hoje, o Saúde Plena propõe uma reflexão sobre os benefícios e os males da mentira. Fomos conversar com especialistas a respeito do que nos deixa com nariz grande e que, quase sempre, tem perna curta!

Múltiplas faces
Um sociólogo e um escritor analisam as várias caras da mentira, como ela se apresenta na esfera social e privada e quais os custos e os ganhos dessa prática. O resultado é revelador

Bjorn de Leeuw/Freeimages
Nas regras da sociedade é preciso que todos tenham clareza até onde cada um tem permissão de sair por aí contando mentiras (foto: Bjorn de Leeuw/Freeimages )


Mentir ou não mentir, eis a questão! Nas regras da sociedade é preciso que todos tenham clareza até onde cada um tem permissão de sair por aí contando mentiras. Há uma linha que não deve ser ultrapassada entre as inocentes e as mordazes. O doutor em sociologia e professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) Juracy Costa Amaral afirma que antes de mais nada é necessário entender a mentira “como um comportamento inerente à natureza humana. “É consenso universal admiti-lo como uma prática usada para falsear a verdade com o objetivo de obter resultados favoráveis a quem mente, portanto, enganar o outro é uma estratégia de sobrevivência, comum entre os seres vivos”, diz.

O sociólogo conta que há registros que constatam essa estratégia até entre os vegetais, como flores, e entre os animais, que enganam outros seres para sobreviver. “Há espécies de flores que exalam cheiro para desencadear a polinização, o camaleão que camufla suas caraterísticas para sobreviver. São artifícios da natureza explicados pela teoria de Darwin. Agora, o ser humano é mais auspicioso e racional ao usar a mentira para levar vantagem, condição do próprio desenvolvimento da espécie humana.”

REALIDADE FALSEADA Juracy explica que recorremos à mentira, comportamento que falseia a realidade, como estratégia de manter os relacionamentos, não gerar conflitos e apaziguar relações amorosas, demonstrar bondade, piedade, afeto, melhorar a autoestima, proporcionar conforto a quem precisar, demonstrar autoridade etc. “Assim, a mentira pode ser compreendida sob duas perspectivas: uma que admite a mentira como um comportamento bom, que busca a harmonia, a paz e que conforta pessoas; e outra que acirra os conflitos, pois é uma prática imoral, inaceitável por ser empregada para enganar pessoas e propiciar vantagens ao praticante da mentira.”

Mas o professor alerta sobre o lado preocupante da mentira, quando está entranhada em áreas sensíveis da sociedade.

“É complicado se ela envolve a esfera jurídica, porque a mentira vai refletir em práticas ilícitas, portanto é injusta. Nesse caso, a verdade tem de prevalecer, mas o que comete crime ao mentir tentará mostrar outra verdade no processo, o que é nefasto para a vida social. Por outro lado, quando se mente por não conhecer a realidade, como ocorre quando se ignora o conhecimento científico, e não é uma mentira proposital, não se pode considerar uma mentira intencional para obter vantagens. Neste caso, não será moralmente condenável. Já a prática dos políticos demagogos, que mentem para dominar e assegurar o poder, são práticas condenáveis. É uma mentira imoral, que demonstra falta de caráter.”

Arquivo Pessoal
Juracy Costa Amaral, sociólogo e professor na PUC Minas (foto: Arquivo Pessoal)

ACEITÁVEL É tão claro que a mentira é um fenômeno inerente ao ser humano e “tão importante, que temos até o Dia da Mentira, em 1º de abril, criado na França na época da mudança do calendário juliano para o gregoriano”, explica Juracy Amaral. Ao pensar no Brasil, é inevitável não refletir se os brasileiros são mais ou menos mentirosos que outros povos. Para ele, existe sim uma influência cultural. “A mentira do bem é aceitável no mundo todo, aquela que está relacionada com desejo, a fantasia da criança, a que protege. O outro tipo de mentira, não. Essa é inaceitável e imoral.”

Na visão do sociólogo, “por isso, podemos dizer que na sociedade onde impera a impunidade, a prática da mentira para se escapar das penas da lei é difusa e banal. Nas sociedades civilizadas, mais livres, há mais direitos, portanto, mais justiça. Não se aceita a mentira como argumento que justifique a inocência. A justiça no Brasil aceita o perjúrio, o falso juramento, com a alegação de que ninguém pode criar prova contra si mesmo. Ou seja, pode mentir. O que não existe, nesses mesmos termos, nos EUA. O que faz grande diferença.”

O sociólogo alerta que a pior mentira, que deve ser combatida e punida, é aquela “que sobrepõe os interesses coletivos e oprimem os mais fracos, favorecendo ainda mais o aumento das desigualdades em geral. E, especialmente no Brasil, a mentira é aceita, depois vem o perdão e o reparo do mal causado pelo mentiroso”.

Juracy Amaral encerra dizendo que na sociedade moderna a mentira não tem lugar, mas ela é inerente à sobrevivência. “É também estratégica para quem quer andar direito. Não há como generalizar, já que há quem mente num caso de amor para separar ou para unir, vai depender do contexto, do momento e do indivíduo que recorre à mentira”.

Arquivo Pessoal
O economista e escritor Roland Fischmann reuniu material durante 20 anos para lançar História universal da mentira, onde faz uma reflexão sobre a busca da essência humana na qual a mentira é a protagonista (foto: Arquivo Pessoal)

Essência humana
A mentira tem várias faces. O economista pela Universidade de São Paulo, com mestrado em gestão pela Université Paris IX, escritor e editor Roland Fischmann, ao longo de 20 anos reuniu material para lançar seu terceiro livro, História universal da mentira, onde faz uma reflexão sobre a busca da essência humana inspirada em contos vistos e vividos, nos quais a mentira é a grande protagonista.

O uso da mentira na descoberta de sua verdadeira essência pessoal pode ser observado logo no primeiro conto, “Pegasus”. Nele, o protagonista Werner é um escritor que precisa produzir sua arte para salvar sua pele, literalmente. “Werner, que sem dúvida tem muito de mim, aprende – com muita dor – a ser novamente verdadeiro com ele mesmo”, explica o escritor.

Questionado sobre a lembrança da sua primeira mentira, Fischmann revela que “não é exatamente uma lembrança, mas a chupeta representa provavelmente a primeira mentira com a qual temos contato. Aceitamos e desfrutamos dela até a hora em que a fome aperta. O desfecho? O choro do bebê!”.

inteligência O escritor conta que sua curiosidade foi despertada porque a “mentira é algo profundamente humano e um ato de inteligência. Desde a mais tenra idade e durante toda a vida lidamos com a mentira em suas diversas formas. Para mim, como escritor, abordo principalmente a mentira que contamos para nós mesmos, ou seja, viver falsamente. Abordo em meus contos as dificuldades que temos em perseguir a felicidade e nosso verdadeiro ser”, diz.

Um exemplo é o conto “Nasce um artista”, onde ele se perguntou se o artista “cover” pode ser realmente feliz, mesmo supondo que seja bem-sucedido. Na obra, ele apresenta a mentira como um veículo para a descoberta da verdadeira essência pessoal. “Em determinado momento, esse artista bem-sucedido entra em crise, já que ele não queria ser a imitação de outra pessoa. Por questões financeiras, ele aceitou a vida de cover, mas a partir dessa crise ele vai conseguir finalmente ser verdadeiro consigo mesmo e realizar-se profissionalmente.”

PRIVACIDADE Fischmann lembra ainda que “às vezes é melhor não querer saber tudo, já que na melhor das hipóteses conseguiremos um monte de mentiras. Por isso dizemos que devemos respeitar a privacidade dos outros”. Ao discutir a mentira, uma das descobertas é que o ser humano, mesmo com sua racionalidade, não é capaz de lidar com a verdade nua e crua. É como “comprar” para sempre a história do pescador. “Podemos dizer que há mentiras do “bem”. Lembro sempre da situação em que sabemos do diagnóstico final de alguém próximo que terá pouco tempo de vida pela frente. Devemos contar essa verdade? Mentir não é necessariamente algo que fazemos para prejudicar alguém”.

Roland Fischmann homenageia o escritor argentino Jorge Luis Borges em seu livro. Seria porque a mentira sempre está num universo fantástico?

“Borges é um de meus autores preferidos. Entre seus livros, um de meus preferidos é exatamente História universal da infâmia, que inspirou o título de minha coletânea de contos. Acredito que a mentira está profundamente ancorada no mundo real, em nossos cotidianos, em nossas frustrações, em nossa busca pela felicidade. Por outro lado está também profundamente presente em inúmeras situações que vivemos rotineiramente.” Em uma leitura saborosa, em que a diversão e o aprendizado andam juntos, vocês vão se perder pelas páginas de contos como “O museu”, “Favela” e, não poderia faltar “Brasília”, com o personagem deputado Edson”, revela.

Serviço:
História universal da mentira
Roland Fischmann
Editora: Amarilys
164 páginas
Preço sugerido: R$ 29

Renato Weil/EM/D.A Press
A psiquiatra Kie Kojo alerta sobre os principais sintomas do mitômano, pessoa que mente compulsivamente (foto: Renato Weil/EM/D.A Press )
Quando é doença
A compulsão por mentir foi descrita pela primeira vez na literatura médica em 1891, por Antón Delbrueck, mas foi em 1905 que o psiquiatra francês Ernest Dupré conceituou a mitomania, quando a mentira se torna compulsiva e passa a ser uma constante e afeta todas as esferas da vida da pessoa: familiar, conjugal, profissional, social etc. E na maioria das vezes não depende de uma pressão externa: a principal é a interna ou a emocional.

“As mentiras são contadas pelo desejo de aprovação, atenção, por carências. No fundo, as pessoas sabem que o que dizem não é totalmente verdadeiro, mas faz com que se sintam menos angustiadas. Elas “aprendem” esse comportamento em algum momento de suas vidas, repetindo-o ao longo do tempo, como forma de fugir de uma realidade que não toleram, tornando-se, dessa forma, uma muleta”, afirma a médica e psiquiatra Kie Kojo, membro titular da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e especialista em sexualidade humana pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).

Ela explica que os principais sinais que podemos estar diante de um mitômano são: as histórias por eles contadas não são totalmente improváveis e têm elementos de verdade. Quando confrontados, tendem a admitir as mentiras e muitas das vezes se sentem envergonhados.

“No geral, as mentiras apresentam o mitômano de forma sempre favorável (esperto, feliz, bem-sucedido), sem benefícios externos (vender produtos, roubar, escapar de crime). Só com o passar do tempo e da convivência é possível perceber as mentiras.” A médica enfatiza que a “mitomania é um fenômeno complexo, mas parece que a principal causa é o desejo de aceitação daqueles que os rodeiam. Conflitos familiares (pai ou mãe agressores), autoestima em baixa, carência e, dificuldade de aceitar a própria realidade tendem a estar na dinâmica do processo”.

A psiquiatra conta que o diagnóstico pode ser feito por acompanhamento psicológico ou psiquiátrico, mas dificilmente quem sofre de mitomania entende que tem um problema e, por isso, não busca ajuda por conta própria. A atitude parte primeiro dos familiares e, nesse momento e por meio do relato deles, o diagnóstico pode ser feito. Kie Kojo afirma que na maioria das vezes o maior prejudicado com as mentiras são os mitômanos, embora haja sofrimento por parte de familiares e pessoas próximas. “Eles tendem a perder amigos, emprego, relacionamentos conjugais etc. O mitômano sofre sim com suas mentiras, mas ao mesmo tempo se sente aliviado porque por meio delas consegue mascarar sua realidade. Um paradoxo. Ele vive a própria mentira como se fosse realidade”.

TRATAMENTO A médica diz que o tratamento principal é a psicoterapia. “Ela ajudará no entendimento das dificuldades, na melhora da autoestima, no fortalecimento do self (o verdadeiro eu) e na ressignificação dos traumas. Depressão e transtorno de ansiedade generalizada são doenças comuns nas pessoas com mitomania. Por isso, o tratamento psiquiátrico com o uso de antidepressivo é necessário. No entanto, convencer o mitômano a permanecer em tratamento não é tarefa fácil. Entender que mentir compulsivamente não é saudável, que apenas maquia situações de vida indigestas, é o primeiro passo. Pedir ajuda para a família e/ou amigos pode ser de grande valia. E finalmente buscar ajudar especializada. Enfrentar a situação é sempre a melhor escolha”.

Os filtros do bem
A mentira faz parte da vida, mas tem dois lados: o que não prejudica e o que machuca. Médicos alertam sobre os cuidados necessários com quem passa dos limites "aceitáveis"


Edésio Ferreira/EM/D.A Press - 15/3/16
O psiquiatra Geraldo Caldeira sugere que as pessoas pensem antes de abrir a boca: se é verdade, se é algo bom e se vai ser útil para o outro (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press - 15/3/16)
“Do ponto de vista prático, a mentira é universal, uma das características do ser humano. Há variações que vão desde a inocente e necessária até a psicopatia, praticada por um comportamento sem instância de censura, que não julga como erro e não sente culpa. Seria o caso mais extremo. Agora, a mentirinha suave, leve e branda todos fazemos porque é difícil lidar com as pessoas só com a verdade”, explica o médico e psicanalista Geraldo Caldeira. Ele destaca que se falássemos somente a verdade teríamos de “ter certeza de que o outro compreenderá. Como há mito na incompreensão, às vezes, é melhor omitir e não citar determinado fato ou questão, não tocar no assunto ou adiar para outro momento”.

Caldeira ensina que omitir não é mentir. “O médico jamais deve mentir para o paciente que ele vai morrer ou que tem uma doença grave. Mas tem de saber a melhor hora para dizer a verdade. Mentir é terrível, porque o paciente se sentirá traído e essa relação será destruída. Mas a omissão em benefício da pessoa, até estudar melhor a situação, é correta.”

Para o médico, “a verdade brota da relação entre duas pessoas, da relação humana com a mulher, filhos, pais e amigos. É uma sabedoria que passa pelos três filtros filosóficos, mas essa é uma outra seara”. A menção de Geraldo Caldeira é sobre os três filtros de Sócrates: o primeiro é a verdade, se está seguro de que o que vai falar é verdade; o segundo é a bondade, se você vai dizer uma coisa boa; e o terceiro filtro é o da utilidade, se a revelação vai servir de alguma coisa).

“Na verdade, todos deveríamos pensar nessas três questões antes de abrir a boca, principalmente, se o que for falar não for nem verdade, nem bom, nem útil. A mentira inocente, que não traz dano e consequência, é tolerável”, diz.

O psicanalista afirma que a reação à mentira tem vários componentes. “Ao mentir, a reação de uma pessoa pode ser mais intensa do que se ela tivesse dito a verdade. O grau de resposta pode ser ela se sentir desrespeitada, ferida e desconsiderada.” Caldeira lembra a lenda de que homem mente mais do que mulher e se justifica porque a mulher pergunta demais. “A mulher pergunta mais porque ela tem em si a insegurança, mais dúvidas, isso sim é verdade.”

CULPA E AUTOESTIMA Por outro lado, o psicanalista conta que há pessoas que mentem sabendo que estão mentindo, com uma necessidade exacerbada. “Faz parte do caráter, não é saudável e ela pode tomar essa atitude para se sentir valorizada e fugir de culpas.” Há um outro grupo, com perfil de indivíduos que “mentem e acreditam nas mentiras, rotulados na psiquiatria de distúrbios factícios. Essas pessoas creem no que dizem. É uma patologia, não têm culpa, e é em número menor”, comenta.

Existem ainda aquelas que mentem por causa da autoestima em baixa. “A mentira para não se sentir diminuída, para se sentir considerada. É o que faz sentido para a pessoa lidar com suas carências e frustrações e psicanaliticamente é justificada. Essa pode precisar de ajuda para melhorar sua autoestima, reconhecer seu valor. Situação muito presente na mentira adolescente. No entanto, essa é uma pessoa boa, ao contrário da perversa, agressiva ou sádica”.

MENTIRA DE CRIANÇA
A recomendação de Geraldo Caldeira é estar atento e a primeira atitude é perguntar por que ela mentiu. Saber explicar, diferentemente do que ela pensou, que não há necessidade de mentir, por exemplo, se pegou a borracha da colega. “A primeira reação da criança será 'não sei, não mexi', porque acredita que levará uma bronca e será acusada. Dramaticamente, a mentira é uma fuga. Daí a importância da compreensão do outro. Os distúrbios do filho são dos pais, essa é uma afirmação pedagógica. Claro, há exceções. Por isso, é fundamental atuar dentro de um contexto, ver o que está por trás, perceber se não está sendo rígido demais, sem tolerância aos erros e só cobrando. É necessário o jogo de cintura para saber corrigir.”

Para ler...
“Enganos, mentiras e falsidades estão no bojo da nossa herança cultural. Mesmo o mito fundador da tradição judaico-cristã, a história de Adão e Eva, tem como ponto central uma mentira. Estamos falando, escrevendo e cantando a respeito de enganos desde que Eva disse a Deus: ‘A serpente me enganou e eu comi’. Nosso apetite aparentemente insaciável por histórias de enganos vai de um extremo a outro da cultura, de Rei Lear a Chapeuzinho Vermelho, dominando a nossa imaginação. Essas histórias de enganos são cativantes porque se dirigem a algo fundamental na condição humana. A possibilidade sempre presente do engano é uma dimensão crucial de todos os relacionamentos humanos, até mesmo do mais central de todos: nosso relacionamento com nós mesmos. O filósofo e psicólogo evolutivo David Livingstone Smith elucida o papel essencial que o engano e o autoengano têm desempenhado na evolução humana – e animal – e demonstra que a estrutura de nossas mentes foi moldada desde tempos remotos pela necessidade de enganar. Smith nos mostra que, ao examinar as histórias que contamos, as falsidades que tramamos e os sinais inconscientes que emitimos, podemos aprender muito a respeito de nós e de como a nossa mente funciona. Você ficará intrigado com o que encontrará nesse fascinante livro, que mostra que a nossa extraordinária capacidade de enganar os outros – e até a nós mesmos – está na base da condição humana.”

SERVIÇO:
Por que mentimos: os fundamentos biológicos e psicológicos da mentira
Autor: David Livingstone Smith
Editora: Campus
196 páginas
Ano de edição: 2005
Preço: esgotado, mas é encontrado em sebos, como no site Estante Virtual, de R$ 69,90 a R$ 98

Sessão pipoca
Alguns filmes sobre mentirosos e a mentira

1) Pinóquio
2) Adeus, Lênin
3) O golpista do ano
4) O mentiroso
5) Prenda-me se for capaz
6) A grande aposta
7) Spotight: segredos revelados
8) A garota dinamarquesa
9) Entre segredos e mentiras
10) Amor por contrato