Calendários de vacinação regionalizados podem aumentar eficácia da imunização contra a gripe no Brasil

Prever a ocorrência dos picos da doença é uma tarefa mais complexa em nações tropicais, mostra estudo da OMS. Vacinação em abril é considerada adequada ao Brasil

Isabela de Oliveira 02/05/2016 12:30
CB / D.A Press
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Historicamente, programas de vacinação contra a gripe são concebidos com base em picos previsíveis da infecção registrados em regiões de clima temperado. A estratégia costuma funcionar bem, mas há momentos em que as projeções não atendem as necessidades dos países tropicais, que têm padrões de atividade do vírus influenza mais complexos e menos compreendidos até hoje.

Com intuito de otimizar o calendário vacinal dessas regiões mais próximas do Equador, a equipe liderada por Siddhivinayak Hirve, da Organização Mundial da Saúde (OMS), mapeou a sazonalidade da gripe e identificou os meses em que são registrados os picos de casos anuais nessas áreas. Os resultados, divulgados na revista Plos One, sugerem que alguns países, inclusive o Brasil, podem proteger melhor a população caso façam adaptações no calendário de imunização.

“Na última década, mais países de baixa e média renda nos trópicos e subtrópicos introduziram campanhas de vacinação para gripe sazonal em seus programas de imunização ou expandiram o serviço para gestantes, especialmente na América Latina. O problema é que a composição e produção bianual das vacinas é programada conforme a atividade de influenza observada em países de clima temperado, que apresentam um pico sazonal claro na atividade da influenza durante os meses de inverno”, diz Hirve.

Em regiões de climas tropicais ou subtropicais, explica o cientista, a sazonalidade da gripe é mais variável e pode ser observada durante o ano todo, embora muitas vezes os picos sejam registrados nas estações chuvosas. Para mapear essa ocorrência de casos e identificar os meses em que há mais adoecimentos, Hirve e colegas analisaram dados nacionais de 70 dos 138 países posicionados em regiões tropicais e subtropicais. Para tanto, utilizaram a FluNet, uma ferramenta de vigilância global de influenza.

Especificidades
Os resultados mostraram que a atividade mais intensa da influenza na maioria dos países das Américas Central e do Sul e no sul e sudeste da Ásia ocorre entre abril e junho, épocas em que a OMS recomenda que seja iniciada a vacinação. É, por exemplo, o caso do Brasil, que começa o calendário vacinal para influenza em abril. Países do Hemisfério Norte, por sua vez, executam seus programas de imunização contra a influenza em setembro. As cepas virais que compõem as vacinas são determinadas em duas reuniões anuais conduzidas pela própria organização.

Apesar de eficiente em algumas localidades, Hirve descobriu que o esquema não é valido para países da região em que o comportamento da influenza destoa dos demais. “Embora o momento do ciclo de seleção e produção bianual da vacina contra a gripe funcione bem para as regiões temperadas dos Hemisférios Norte e Sul, a sua aplicabilidade para a sazonalidade de regiões tropicais e subtropicais pode ser incerta”, diz. Na América Central e do Sul, por exemplo, Belize, Colômbia, Costa Rica, Equador e Paraguai fogem à regra com dois picos anuais de influenza. A partir disso, Hirve especula que vacinar a população apenas em abril não seja suficiente nessas nações.

A África apresenta um quadro ainda mais complexo, com aumento da atividade de outubro a dezembro na porção norte, de abril a junho ao sul e ao longo de todo o ano na África Subsaariana, próximas à linha do Equador. Com um surto secundário adicional entre outubro e dezembro, a Índia também é um caso a parte no quadro asiático. “Países como Brasil, China e Índia, que têm variabilidade subnacional no seu padrão de sazonalidade, além de países situados perto do Equador, com atividade gripal ao longo do ano, podem ter de considerar estratégias alternativas com base na sazonalidade local”, acredita o autor.

A recomendação não é tão nova. Em 2014, Nancy Cox, diretora da Divisão de Influenza dos Centros de Controle de Doenças (CDC), nos Estados Unidos, sugeriu que países com dimensões latitudinais longas, como o Brasil, adotassem duas políticas distintas para vacinas contra a gripe: um que segue o calendário recomendado para o Hemisfério Sul e outro que segue o calendário para o Norte.

Precoce
Os dados também permitiram que Hirve separasse em oito regiões geográficas os países que compartilham padrões de gripe semelhantes: duas nas Américas Central e do Sul, duas na Ásia e quatro zonas na África e no Oriente Médio. Nessa divisão, o Brasil fica no bloco de países cuja vacinação em abril é valida. A única questão problemática para o país seria mesmo sua grande extensão, o que poderia exigir adaptações para alguns estados.

Mesmo com tantas análises, contudo, será sempre difícil prever como se dará a propagação do vírus da gripe. É possível, por exemplo, que as oscilações climáticas no Hemisfério Sul expliquem a chegada precoce da influenza ao Brasil este ano. Médica epidemiologista e professora convidada do Programa de Pós-graduação do Departamento de Medicina Preventiva da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Fátima Marinho explica que nem sempre a gripe ou infecções respiratórias baixas obedecem a sazonalidade.

“O clima mais frio propicia a aglomeração de pessoas, o que facilita a propagação do vírus. De certa forma, foi o que aconteceu em São Paulo com os casos de H1N1 (um vírus da influenza tipo A) que temos observado. Foi um verão chuvoso, e as pessoas ficaram mais aglomeradas, o que facilitou a propagação do vírus que veio dos EUA, onde houve circulação intensa do H1N1 no inverno. Se o verão não tivesse sido tão chuvoso, é provável que não tivéssemos observado essa intensidade”, explica a especialista.