Por que é mais difícil descansar em ambientes desconhecidos como quartos de hotel?

Segundo estudo feito nos EUA, em ocasiões assim, um mecanismo evolutivo de defesa mantém o hemisfério esquerdo do cérebro em alerta durante a noite

por Paloma Oliveto 28/04/2016 15:00
SXC.hu / Banco de Imagens
A hipervigilância do cérebro é um mecanismo evolutivo que faz as pessoas se manterem alertas diante do desconhecido (foto: SXC.hu / Banco de Imagens )
Acontece nos melhores hotéis. Por mais luxuoso que seja um quarto, com lençóis de milhares de fios egípcios e travesseiro de pena de ganso, a primeira noite é sempre difícil para o viajante. Ter dificuldade de cair no sono em um ambiente estranho é algo tão comum que, no Japão, existe até um ditado: “Se você troca seu travesseiro, você não consegue dormir”. Todo mundo sabe que é assim, mas ninguém entende o porquê. A resposta pode estar na hipervigilância do cérebro, que, em um mecanismo evolutivo, se mantém alerta diante do desconhecido.

Para compreender o chamado “efeito da primeira noite”, pesquisadores japoneses fizeram um estudo baseado em técnicas de neuroimagem que avaliou o comportamento do cérebro de 35 pessoas saudáveis, sem problemas de sono, enquanto dormiam em um local com o qual não estavam familiarizadas. Há exatos 50 anos, um experimento semelhante foi conduzido por cientistas da Universidade da Flórida, envolvendo 43 pessoas. Mas, na época, o exame mais sofisticado disponível era o eletroencefalograma, que revelou um sono com períodos estendidos de vigília e estágio de movimento rápido dos olhos encurtado.

Agora, porém, graças aos avanços dos métodos diagnósticos, os cientistas conseguiram visualizar o comportamento dos hemisférios cerebrais detalhadamente, obtendo pistas do motivo por trás desse efeito. Eles descobriram que os humanos têm um mecanismo semelhante ao já verificado em alguns pássaros e animais marinhos, como baleias e golfinhos, que, para não serem surpreendidos por predadores ou, no caso dos oceânicos, para ir à superfície respirar, mantêm-se meio acordados, meio dormindo na hora do sono.

No caso dos homens, Yuka Sasaki, pesquisadora associada da Universidade de Brown, nos Estados Unidos, explica que a assimetria não é tão evidente. Mas, de acordo com ela, “nosso cérebro pode ter um sistema em miniatura” semelhante ao desses animais, com um dos hemisférios, se não totalmente desperto, com um alto grau de vigilância, incompatível com o momento de repouso.

Alterações
O experimento foi realizado em duas etapas, com uma semana de intervalo. No primeiro dia de teste, os participantes dormiram no laboratório de Sasaki e foram submetidos a uma polissonografia, exame que registra ondas cerebrais, além de indicadores como frequência cardíaca e oxigenação. A técnica foi associada à magnetoencefalografia, que mapeia com precisão a atividade do cérebro, e à ressonância magnética estrutural, que revela detalhadamente características anatômicas do órgão.

Enquanto os voluntários dormiam, foram realizados testes para verificar o grau de vigília e repouso dos dois hemisférios cerebrais. Os pesquisadores, por exemplo, faziam soar um bipe em cada ouvido, para ver, na tela do computador, como o cérebro reagia ao barulho. Quando o alvo era a orelha esquerda, cujo hemisfério correspondente é o direito, havia pouca alteração.

Contudo, o som disparado no ouvido direito fazia com que o hemisfério esquerdo “acordasse” rapidamente, exibindo sinais de vigília semelhante ao que acontece com os animais que exibem alto grau de assimetria. “Em humanos, essa é a primeira vez que se observa esse fenômeno”, conta Sasaki, dizendo que ainda não se sabe o motivo pelo qual o lado esquerdo cerebral é o que se mantém em alerta. Isso, porém, foi verificado apenas na fase de sono profundo, conhecida como sono de ondas lentas. Nos outros três estágios, os cientistas não observaram diferenças entre os dois hemisférios quanto ao nível de alerta e repouso.

Uma semana depois, os mesmos participantes voltaram ao laboratório. Todos os testes foram repetidos. Agora, porém, não houve alteração no comportamento dos hemisférios cerebrais. O sono dos voluntários foi normal, sem sinais de que uma ou outra parte do órgão estivesse em hipervigilância. “Para nós, é uma indicação de que o efeito da primeira noite, em humanos, está associado aos riscos que poderíamos correr em um ambiente diferente do nosso. Quando já familiarizados com o lugar, nosso cérebro entende que está tudo bem e que podemos confiar”, diz a especialista. Segundo Sasaki, para uma boa noite de sono quando fora de casa, uma estratégia pode ser levar algum item familiar, como o travesseiro, para a cama.

Melhores exames
Kimberly N. Hutchison, pesquisador de distúrbios do sono do Centro Médico da Universidade de Vanderbilt, que não participou do estudo, afirma que o trabalho publicado na Plos One terá grande utilidade para as clínicas de polissonografia. Esse exame é bastante comum e recomendado para pessoas que sofrem de problemas como apneia, síndrome de pernas irriquietas e insônia, entre outros. O paciente dorme na clínica para que o médico possa examinar seu comportamento durante o sono, por meio de exames como o eletroencefalograma.

“Muitas clínicas agora estão investindo em ambientes semelhantes aos de quartos de hotel, por acreditar que o padrão de sono do paciente será mais fiel ao que ocorre em sua casa quando ele é colocado para dormir em um quarto de verdade, e não em um recinto hospitalar. Mas o estudo mostra que aumentar o conforto e o nível de familiaridade não muda nada a arquitetura do sono. Teremos de pensar em outras alternativas”, acredita.

Detectadas diferenças no cérebro de pessoas insones
Usando a sofisticada técnica de ressonância magnética estrutural, pesquisadores do Hospital de Guangzhou, na China, descobriram anomalias na substância branca do cérebro de pacientes com insônia. Esse distúrbio de sono, caracterizado pela dificuldade de dormir ou continuar adormecido durante mais de um mês, está associado a alterações no humor, fadiga durante o dia e problemas cognitivos. A insônia crônica também pode levar à depressão e a transtornos de ansiedade.

“A insônia é um distúrbio extremamente prevalente”, diz Shumei Li, do Departamento de Imagem Médica do hospital, que publicou o resultado do estudo na revista Radiology, da Associação Americana de Radiologia. “Contudo, suas causas e consequências continuam elusivas”, afirma.

Para compreender melhor o transtorno, a equipe de pesquisadores chineses avaliou os tratos de substância branca em pacientes que sofrem do problema, associando a relação entre a integridade do material e a duração da insônia. “Tratos de substância branca são pacotes de axônios — ou longas fibras das células nervosas — que conectam uma parte do cérebro ao outro”, explica Li. “Se eles estão danificados, a comunicação entre as regiões cerebrais é interrompida”, diz.

O estudo incluiu 23 pacientes com insônia primária e 30 voluntários do grupo de controle. Para avaliar o status mental e os padrões de sono, todos os participantes completaram questionários padrões na área, como o índice de qualidade de sono de Pittsburgh, índice de severidade de insônia, escala de ansiedade autorreportada e escala de depressão autorreportada. Cada voluntário também passou por uma ressonância magnética estrutural com uma técnica especializada chamada tensor de difusão de imagem. O DIT (sigla em inglês) permite analisar o padrão de movimento da água pelos tratos de matéria branca para identificar a perda da integridade dos tratos. “Usamos um método altamente sensitivo à microestrutura dos tratos de substância branca que fornece múltiplas medidas difusas”, conta Li.

Redução
Os resultados da análise mostraram que, comparado aos indivíduos saudáveis, os pacientes com insônia tinham redução significativa da integridade da substância branca em diversas regiões do hemisfério direito, além do tálamo, área que regula a consciência, o sono e o estado de alerta.

“Esses tratos danificados estão principalmente envolvidos na regulação do sono e da vigilância, além das funções cognitiva e sensorimotora”, afirma a pesquisadora. Além disso, anomalias no tálamo e no corpo caloso — a maior estrutura de matéria branca do cérebro — estava associado à duração da insônia dos pacientes e ao escore no teste de depressão. “O envolvimento do tálamo na patologia da insônia é particularmente crítico, já que, nessa região, ficam importantes constituintes do relógio biológico do corpo”, acrescenta.

O estudo também constatou que a causa por trás das anomalias na integridade da substância branca dos pacientes pode ser a perda de mielina, a capa protetora que encobre as fibras nervosas. Os pesquisadores observam que são necessários mais estudos em larga escala para esclarecer a relação do distúrbio de sono e a integridade alterada da substância branca.