Estudo comprova que irritação e estresse são inimigos da memória

Tais traços promovem um envelhecimento cerebral de mais de 10 anos, apontam os autores

por Isabela de Oliveira 24/03/2016 08:36
Jovens com atitudes hostis frequentes ou que não lidam bem com situações adversas podem ter risco aumentado de sofrer com problemas de memória e raciocínio décadas mais tarde, sugere um estudo publicado na revista Neurology, editada pela Academia Americana de Neurologia. Segundo cientistas dos Estados Unidos, pessoas mais hostis ou incapazes de enfrentar o estresse de momentos desagradáveis apresentaram um desempenho significativamente pior em testes que medem as duas habilidades cognitivas. Tais traços promovem um envelhecimento cerebral de mais de 10 anos, apontam os autores.

“Nós podemos até achar que nossos traços de personalidade não têm qualquer relação com quão bem raciocinamos ou lembramos as coisas, mas descobrimos que ter uma atitude hostil e habilidades pobres de enfrentamento causa um efeito sobre a capacidade de raciocínio que equivale a mais de uma década de envelhecimento”, conta Lenore Launer, coautora do estudo e pesquisadora dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH, na sigla em inglês), nos EUA.

Na pesquisa, 3.126 pessoas foram questionadas sobre sua personalidade e principais habilidades, além da capacidade de memória e de lidar com o estresse. Para avaliar a hostilidade, os cientistas perguntaram aos participantes, que tinham, em média, 25 anos, sobre a frequência de comportamentos agressivos, falta de confiança nos outros e sentimentos negativos associados às relações sociais. Também investigaram a dificuldade que tinham em lidar com situações em que muitos obstáculos dificultam o sucesso.

Os voluntários foram, então, divididos em grupos de acordo com seus níveis de hostilidade e dificuldade de lidar com situações estressantes. Duas décadas e meia depois, quando a média de idade era de 50 anos, as pessoas que ainda podiam ser contatadas foram submetidas a testes de raciocínio e memória, nos quais aqueles que apresentavam na juventude níveis altos de hostilidade e de dificuldade de lidar com desafios apresentaram pior desempenho.

Por exemplo, no exame em que os indivíduos eram orientados a recordar uma lista de 15 palavras, os mais hostis lembravam, em média, 0,16 palavra a menos do que os mais tranquilos. O desempenho dos pouco resistentes ao estresse foi ainda pior quando comparados aos resilientes, com média de 0,3 palavra a menos.

Os resultados se mantiveram quando os investigadores ajustaram fatores como depressão, eventos negativos da vida e discriminação. Mesmo quando fatores de risco cardiovascular que costumam afetar a cognição, como diabetes e pressão arterial elevada, foram considerados, os resultados permaneceram os mesmos para o traço de habilidade de enfrentamento. A relação entre a hostilidade e habilidades de raciocínio, contudo, foi reduzida.

Associação
Por ser um estudo observacional, Launer ressalva que não se pode garantir que há uma relação de causa e efeito entre os traços de personalidade e as habilidades cognitivas. Os resultados, contudo, revelam uma forte associação. “Se essa ligação for encontrada em outros estudos, será importante investigarmos se mudanças que promovam interações sociais positivas e habilidades de enfrentamento reduzem o risco de problemas de memória e raciocínio na meia-idade”, afirma a autora.

Estudos anteriores ao de Launer encontraram resultados semelhantes, informa Susan Everson-Rose, professora-associada do Departamento de Medicina da Universidade de Minnesota, nos EUA. Estudiosa do campo, ela explica que a exposição ao estresse agudo e crônico pode afetar a aprendizagem e a memória. “Mas a maioria das evidências vêm de estudos com animais ou observações clínicas. Quase não há estudos de base populacional investigando a relação do estresse com alterações de cognição ao longo do tempo”, diz a especialista.

Em um de seus trabalhos, publicado em janeiro de 2014 na revista Psychosomatic Medicine, Everson-Rose acompanhou 6.207 pessoas por mais de seis anos. Ela constatou que as mais estressadas apresentaram declínio acelerado da função cognitiva a partir de 65 anos. “Por isso, nossos estudos, além desse mais recente, também mostraram que compreender como os efeitos do estresse afetam a cognição e como a prevenção do estresse excessivo protege do declínio cognitivo em meia-idade e idade avançada por ter importância substancial para a saúde pública”, considera.

Novas experiências
Margie Lachman, da Universidade Brandeis, também nos EUA, é outra pesquisadora que se dedica a compreender melhor a relação entre traços de personalidade e performance cognitiva. Cientistas buscam esclarecer melhor essas conexões desde o século passado, especialmente a partir da década de 1960. “A associação do neuroticismo com problemas de cognição já é bem relatada. E a abertura a novas experiências está positivamente relacionada à cognição, assim como a extroversão está associada a maior velocidade de pensamento e boa memória de longo prazo, mas pior raciocínio e habilidade verbal”, afirma.

Outros trabalhos apontaram, por exemplo, que a agradabilidade está associada a problemas de raciocínio, má orientação espacial e desempenho ruim da cognição geral. As evidências, contudo, ainda são inconsistentes. Em março de 2014, na revista Personality and Individual Differences, Lachman publicou um artigo que buscou dar mais robustez a associações entre personalidade, idade e função cognitiva.

Após analisar resultados de testes rápidos aplicados em 154 adultos de 22 a 84 anos, ela notou que aspectos emocionais negativos da personalidade, como neuroticismo e depressão, foram relacionados a uma menor capacidade de raciocínio. Já aspectos mais sociáveis, como assertividade, foram associados a tempo de reação mais rápido, apesar de raciocínio inferior. “A associação entre neuroticismo e desempenho foi encontrada principalmente entre os adultos mais jovens. Entre adultos mais velhos, o melhor desempenho foi associado com aspectos emocionais positivos da personalidade, como extroversão”, conta.

A especialista concorda com Launer e Everson-Rose ao dizer que o maior conhecimento sobre quais características são associadas com a cognição permitirá que cientistas e médicos encontrem maneiras de adaptar intervenções e recomendações para otimizar a saúde cognitiva. “Teorias indicam que o declínio na cognição é comum após uma certa idade, mas existem grandes diferenças individuais na velocidade e na frequência dessa queda. Meu estudo demonstra a contribuição das diferenças individuais de personalidade para a cognição ao longo da vida adulta, preparando o palco para que trabalhos futuros busquem formas de promover e manter o funcionamento adaptativo e a saúde cognitiva ideal durante a vida adulta.”