Alternativa para a gravidez pós-câncer pode estar em hormônio masculino

A técnica pode beneficiar tanto crianças quanto mulheres submetidas a tratamento contra tumores

por Bruno Freitas 21/03/2016 09:50
Arte: CB / D.A Press
O meio mais comum de preservação da fertilidade feminina atual usa óvulos maduros obtidos depois da estimulação ovariana artificial (foto: Arte: CB / D.A Press)
O cultivo in vitro (em ambiente controlado) de folículos ovarianos ainda em estágio inicial pode auxiliar pacientes com câncer a engravidarem depois de se curarem da doença. A técnica é proposta pela cientista brasileira Jhenifer Kliemchen Rodrigues, que trabalha na pesquisa há 18 meses nos laboratórios do Oregon National Primate Research Center e do Oregon Health and Science University, ambos em Beaverton, nos Estados Unidos.

Ela usou material ovariano fresco de 14 macacas adultas coletado na fase inicial do amadurecimento e analisou o desenvolvimento dos folículos, cultivados em incubadora a 37ºC e em diferentes experimentos, por cerca de cinco semanas. Ao fim, observou que, na presença de hormônios masculinos (androgênios), os folículos recuperaram a sobrevida, o crescimento, a formação do antro (característica de maturação) e a produção hormonal.

A técnica tem potencial para se tornar uma alternativa a crianças e mulheres que precisam se submeter a tratamento contra o câncer. O meio mais comum de preservação da fertilidade feminina atual usa oócitos (óvulos) maduros obtidos depois da estimulação ovariana artificial.

O procedimento, porém, não garante maternidade para meninas que não entraram na puberdade, pois elas não podem ser estimuladas artificialmente. Adultas que correm riscos de retorno do câncer também ficam impedidas de recorrer à criopreservação (congelamento) de tecido ovariano e posterior reimplante por risco de metástase, explica Rodrigues.

Os experimentos da cientista, que está à frente da Rede Brasileira de Oncofertilidade — composta por oito grupos assistenciais e/ou de pesquisa no Brasil —, ajudam a esclarecer um paradigma da ciência atual, comprovando que os androgênios apresentam ações benéficas no amadurecimento e no crescimento, além de importante papel no desenvolvimento inicial folicular. Com a maturação folicular realizada em laboratório, espera-se que a técnica beneficie esse perfil de paciente.

Sem transplante
Os folículos são estruturas presentes dentro dos ovários, desenvolvendo-se cada um por vários estágios de amadurecimento. Por muito tempo, os androgênios foram considerados prejudiciais à maturação folicular. Os resultados são parte da tese de Rodrigues, desenvolvida pelo Setor de Reprodução Humana da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (USP), e pela Oregon Health and Science University.

“Eles contribuem para um melhor entendimento da foliculogênese (desenvolvimento dos folículos) em primatas, que ainda é muito pouco compreendida, além de auxiliar na identificação das condições ótimas para o cultivo folicular in vitro, cuja melhora é fundamental para propiciar a obtenção de oócitos maduros saudáveis”, diz Rodrigues. Segundo ela, o desenvolvimento da técnica permitiria que pacientes com câncer preservassem o tecido ovariano antes de iniciar o tratamento da doença para, assim, ter a chance de engravidar sem necessidade de transplante do próprio tecido.

Para o incremento da técnica, a cientista sugere novas pesquisas com a adição de hormônios masculinos (testosterona e di-hidrotestosterona), uma vez que o trabalho dela mostrou papel importante dessas substâncias no desenvolvimento dos folículos em laboratório. “Os estudos permitiriam o maior entendimento do processo do desenvolvimento dos folículos, bem como testar diferentes combinações de componentes no meio de cultivo”, acrescenta.

Parceria
A ideia do projeto surgiu com a ida de Rodrigues aos Estados Unidos no início de 2010, como parte do doutorado. O grupo de pesquisas de Oregon já havia obtido resultados positivos em estudos preliminares com a técnica. Faltava, contudo, um melhor entendimento da foliculogênese. Daí, surgiu a proposta de se estudar o papel dos hormônios esteroides, em particular os androgênios — testosterona e di-hidrotestosterona —, no desenvolvimento folicular.

A brasileira, então, analisou 14 macacas adultas da espécie Macaca mulatta com ciclos menstruais regulares e coletados, em média, entre 60 a 100 folículos de cada animal. O material foi encapsulado e cultivado por aproximadamente 40 dias em incubadora a 37°C e 5% de CO2. A pesquisa, segundo Rodrigues, surtiu resultados que ajudam na compreensão da foliculogênese e na otimização da técnica de maturação de folículos em laboratório. Até chegar à aplicação clínica, no entanto, há um longo caminho, avalia.

“Precisa ser melhorada em muitos aspectos, como o meio de cultivo, a adição de esteroides, os fatores de crescimento. No estudo, o tecido ovariano foi usado fresco. Deve ser testada em tecido ovariano humano criopreservado”, justifica. A criopreservação e o reimplante de tecido ovariano são realizados globalmente, apesar de a técnica ainda ser considerada experimental. A literatura científica relata 60 nascidos vivos e cinco gestações em curso. No Brasil, apenas um transplante foi realizado, mas com o uso de tecido fresco, sem congelamento, e de irmãs gêmeas.