Exercícios curtos de esforço intenso podem proporcionar benefícios comparáveis aos treinos longos

Sessão de meia hora com carga máxima provoca desde a definição muscular à redução das taxas de glicose e de colesterol. Os benefícios são ainda maiores entre atletas não profissionais

por Isabela de Oliveira 21/12/2015 15:00
AFP PHOTO / BERTRAND GUAY
O treinamento intervalado de alta intensidade ganhou atenção após personalidades do mundo fitness revelarem o método como um dos segredos para o corpo definido (foto: AFP PHOTO / BERTRAND GUAY )
Se a falta de tempo é a melhor desculpa para não se exercitar, está na hora de inventar outra: uma sessão de meia hora de esforço intenso com intervalos de recuperação pode, em alguns casos, proporcionar mais benefícios do que exercícios longos de intensidade constante. Além de melhorar a condição geral da saúde, sobretudo de pessoas com diabetes tipo 2, a técnica de rajadas curtas seguidas de descanso aumenta a resistência e a força muscular, especialmente em praticantes amadores.

O treinamento intervalado de alta intensidade (Hiit, na sigla em inglês) ganhou atenção após personalidades do mundo fitness revelarem o método como um dos segredos para o corpo definido. Trabalhos científicos, contudo, têm apontando melhorias além das estéticas, como controle de açúcar no sangue, redução do risco para diabetes, diminuição da resistência à insulina, aumento prolongado da taxa metabólica e maior produção do fator neurotrófico derivado do cérebro (Bdnf), uma proteína relacionada à sobrevivência e à formação de neurônios.

Recentemente, pesquisadores do Instituto Karolinska, na Suécia, detalharam, na revista Pnas, parte dos mecanismos moleculares do exercício (veja infográfico). Os resultados mostram que o enorme estresse muscular provocado pelo Hiit altera receptores dos canais de cálcio, potencializando a expressão de genes como o PPAR-Gama e PGC1-alfa, responsáveis pela geração de novas mitocôndrias. Essas moléculas atuam como usinas de energia para a célula, e o aumento delas torna o músculo mais resistente.

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Especialista em medicina do exercício e do esporte, Getúlio Bernardo Morato Filho aponta que a geração de mitocôndrias é um dos motivos pelo qual o Hiit é empregado para reabilitar pacientes infartados. “Ele melhora a capacidade aeróbica também pelo aumento da expressão de enzimas que oxidam gorduras e carboidratos”, acrescenta o também professor do curso de medicina da Escola Superior de Ciências da Saúde (Escs), em Brasília.

A quebra dos canais de cálcio gera radicais livres, substâncias reativas que oxidam, ou “envelhecem”, as proteínas celulares. Por anularem essa degradação, os antioxidantes — como as vitaminas E e C, presentes em alimentos e suplementos dietéticos — diminuem as respostas de resistência, especialmente em atletas de elite, já resistentes e acostumados ao estresse muscular frequente. Neles, a quebra dos canais de cálcio é infinitamente menor.

Segundo Julian Machado, coordenador de Ortopedia do Grupo Santa de hospitais, em Brasília, os antioxidantes minam o rendimento de atletas de elite por impedirem a inflamação e a oxidação obrigatórias para a hipertrofia. “A dor sentida após exercícios intensos é uma forma de o músculo dizer que está inflamado. Mas, só assim, ele vai hipertrofiar. Nesse contexto, antioxidantes e anti-inflamatórios atrapalham o crescimento e a resistência muscular”, explica o também diretor da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia, regional do Distrito Federal.

Cautela

Luiz Ernani Figueiredo, 31 anos, notou no próprio corpo os achados descritos na Pnas. Quem olha para o contador não imagina que ele, hoje maratonista, já pesou 102kg. Livre de 40kg, ele adquiriu resistência para competir com o Hiit. “Inicialmente, senti desgaste e estafa, mas, com o tempo, notei que ganhava resistência tanto no próprio Hiit quanto nas corridas”, relembra. Também teve um emagrecimento maior porque mais mitocôndrias desencadeiam melhor a oxidação de carboidratos e gorduras.

Marcelo Alves Queiroz, personal trainer do Studio Free Move e responsável pelo treino de Luiz, considera a pesquisa sueca uma comprovação científica do que ele nota em seus alunos. O exercício, porém, demanda cuidado.“Alta intensidade nem sempre é o máximo de uma pessoa. É um submáximo. Precisa-se diferenciar o indivíduo. Eu não posso passar o Hiit para quem nunca treinou, pois pode ser um choque muito grande para o corpo dessa pessoa”, alerta.

Para os iniciantes, sugere Queiroz, pode ser melhor começar com um treino aeróbico que fique na zona intermediária de esforço. “Em termos de qualidade de vida, esse tipo permite que o aluno sedentário se adapte a um novo estilo que inclua exercícios. Apenas isso, inicialmente, já faz diferença”, justifica.

Getúlio Morato Filho reforça que não há um único tipo de Hiit, considerado um exercício anaeróbico. Uma pessoa de 50 anos com capacidade aeróbica baixa pode realizá-lo andando, por exemplo, a quatro quilômetros por hora. Esse estímulo passa a ser anaeróbico para ela. “A alta intensidade depende da capacidade. Existem benefícios em sessões de 10 minutos, com tiros mais curtos, mas pode ser feito até por uma hora”, diz o médico, alertando que, quanto mais longo o treinamento, maior deve ser o tempo de recuperação e a preocupação com a dieta.

Diabetes sob controle

Tiros curtos de exercícios de alta intensidade melhoram o quadro clínico de pessoas com diabetes tipo 2. Basta meia hora de atividade contínua e de baixa intensidade, mostra uma pesquisa apresentada, semana passada, nas sessões científicas da Associação Americana do Coração. Pesquisadores da Universidade de Ontário Ocidental, no Canadá, descobriram que 10 minutos de treinamento intervalado de alta intensidade (Hiit) três vezes por dia, cinco dias por semana, reduzem em 0,82% o açúcar no sangue após três meses. As pessoas que participaram de treinos contínuos e menos intensos observaram 0,25% de melhora.


Além disso, estudos anteriores mostraram que a sensibilidade à insulina melhora de 23% a 58%, e a pressão arterial diminui de 2% a 8%. Os benefícios também podem ser no cérebro, afirmam pesquisadores da Universidade de Ciências Médicas de Gonabad, no Irã. Na edição de agosto da revista Physiology & Behavior, eles mostram que o Hiit, pelo menos em ratos, promove um aumento do fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF), células responsáveis pela geração e pela manutenção dos neurônios.

Os autores sugerem que as alterações dessas células podem estar associadas ao aumento do estresse oxidativo e de fatores pró-inflamatórios que sucedem a prática do treino exaustivo.



Três vezes por semana

“Respeitar a individualidade de cada organismo é o segredo do sucesso. Copiar treinos de blogs ou revistas não é nada interessante. Eles devem ser feitos especificamente para cada pessoa, com médico e educador físico, respeitando a individualidade biológica. Nenhum exercício segue uma receita. Dá para dizer que alguns parâmetros mínimos podem ser seguidos, como tempo, séries e repetições. Uma ‘receita’ de Hiit que sugiro é fazer no máximo três vezes na semana para não estressar muito o organismo. A organização do treino garantirá efetividade, segurança e motivação necessárias, pois atividades repetitivas estão fadadas ao desânimo e à parada. Recomendo iniciar com paciência e seriedade, pois o Hiit não é simples e requer muitos cuidados para garantir a integridade física do esportista. Além disso, nunca treine sem antes ter se alimentado, pois a probabilidade de passar mal é grande e o rendimento será afetado diretamente.”

Thiago Burgos Fernandes,preparador físico e diretor da empresa Limiar2