Educação e direito de escolha são essenciais quando o assunto é contracepção

Na contramão de iniciativa parlamentar que restringe opções e dificulta caminho das mulheres, especialistas apontam necessidade de envolvimento dos homens na responsabilidade da gravidez

por Carolina Cotta 25/10/2015 08:40

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Em todo o mundo, 41% das 208 milhões de gravidezes anuais não são intencionais. Dessas, metade termina em aborto. Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), de 2014, revelam que 16 mil crianças morrem, todos os dias, como consequência desse descuido com o planejamento familiar.

Oitocentas mulheres também perdem a vida, diariamente, de complicações relacionadas à gravidez e ao parto. A maior parte dessas mortes ocorrem em países em desenvolvimento, caso do Brasil, onde a não legalidade do aborto potencializa as consequências de uma gravidez não planejada. Os números assustam, porque mudam a lógica da gestação: o que é sinônimo de vida ganha desfechos fatais.

 

Veja nível de eficácia de cada método contraceptivo disponível atualmente


Na última quarta-feira, a questão ganhou novas proporções, quando a Comissão de Constituição e Justiva da Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei de autoria do presidente da casa, Eduardo Cunha (PMDB), que criminaliza a propaganda e o fornecimento de métodos abortivos, além de estabelecer que a mulher vítima de estupro procure a delegacia antes de cuidados médicos. O texto ainda dá margem para uma possível proibição da pílula do dia seguinte. A proposta vai na contramão das políticas dos países mais desenvolvidos, que têm baixas taxas de aborto em função da formação da população.

Arte/EM
Oitocentas mulheres morrem diariamente por complicações relacionadas à gravidez; maioria dos óbitos ocorrem em países onde aborto é ilegal, como é o caso do Brasil -- educação sexual é o caminho para diminuir casos de adolescentes, protagonistas das gestações não-planejadas (foto: Arte/EM)
A educação em contracepção é o que pode transformar esse cenário, a exemplo do que ocorreu na Estônia, país nórdico que se destoava dos vizinhos, tidos como referência em educação sexual. Na Finlândia, as crianças aprendem na escola que as relações sexuais não visam apenas à reprodução, tendo um componente comportamental e recreativo tão ou mais forte que o objetivo de procriação.

 

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Para a ginecologista Kai Haldre, membro do Comitê Executivo da Sociedade Europeia de Contracepção e Saúde Reprodutiva e coautora de um estudo da Unesco sobre custo/eficácia dos programas de educação sexual baseados na escola, é nesse espaço que pode começar uma transformação. Isso porque a gravidez não desejada é tão mais comum quanto mais jovens forem as mulheres, sendo a principal faixa atingida a de mulheres entre os 18 e os 24 anos.

Para a especialista, reduzir o número de adolescentes grávidas tem importantes impactos na saúde, educação e produtividade. “É possível reduzir a mortalidade de mães, promover a saúde das crianças, diminuir o número de abortos. A medida também empodera as mulheres, dando a elas o direito de decidir sobre o tamanho de suas famílias, investir mais em seus filhos, trabalhar fora. A educação em contracepção impulsiona o crescimento econômico ao expandir a força de trabalho e reduzir a pobreza. Há benefícios, inclusive, para a comunidade, pois permite investir mais nas escolas e em cuidados de saúde e melhorar a infraestrutura”, explica.

TENDÊNCIA A educação em contracepção não se separa da educação sexual, que, segundo a psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade da Universidade de São Paulo (USP), começa a partir dos 3 anos de idade, quando a criança, nem sempre com perguntas, muitas vezes em afirmações do que percebe ao seu redor, começa a colocar o tema em questão. É o envolvimento das famílias e das escolas com esse plano de vida, que pode, um dia, mudar um comportamento historicamente arraigado: o desequilíbrio na responsabilidade para evitar uma gravidez, no qual os homens se beneficiam. Esta matéria discute tendências em contracepção, não só entre os métodos disponíveis, mas, principalmente, sobre como se informar sobre eles para, assim, escolher o mais adequado para cada mulher. E para cada homem.

Responsabilidade compartilhada

Profissionais de saúde são os mais indicados para falar sobre métodos contraceptivos, mas envolvimento dos pais forma gerações mais esclarecidas, com menos dificuldades sexuais

Ramon Lisboa/EM/D.A Press
''Parei de tomar por um mês e, no seguinte, já estava grávida. Não foi planejado, mas não é como se eu não soubesse o que estava fazendo. Posso dizer que assumi o risco'' (Thalita Mata Machado -- com a filha Alice --, sobre quando deu um tempo no uso da pílula por causa dos efeitos colaterais (foto: Ramon Lisboa/EM/D.A Press)
Há muitos mitos e conceitos errados em torno da educação sexual e eles explicariam o elevado índice mundial de gravidez não planejada. Em plena sociedade da informação, muitos filhos são gerados “fora de hora” por falta de conhecimento. Pequenos erros, tantas vezes definidores de uma vida, poderiam ser evitados, se mulheres e homens compreendessem, realmente, as opções disponíveis para planejar uma concepção.

A fonte mais confiável para esse tipo de informação são os profissionais de saúde, mas, segundo estudos, apenas uma em cada três mulheres busca informações sobre contracepção com especialistas, apesar de 64% delas afirmar que se sentiriam felizes em poder discutir essas opções com eles.

A ginecologista Kai Haldre, membro do Comitê Executivo da Sociedade Europeia de Contracepção e Saúde Reprodutiva, ressalta que as mulheres consultam a mídia, as redes sociais e amigos como principais fontes de informação sobre a contracepção, muitas vezes sem avaliar a qualidade dessa informação.

“Mulheres jovens ainda são influenciadas por mitos e equívocos em torno do sexo e da contracepção e também estão reforçando os mitos ao compartilhá-los com amigos e em mídias sociais. Quando se trata de contracepção, a forma mais confiável de informações ainda é o médico”, alerta.

Essa opção teria sido definidora para Ana Regina Tavares Salles da Cruz, de 24 anos, que ficou grávida aos 15. “Tinha um relacionamento sério, namorava em casa e minha mãe não me deixava usar anticoncepcional, com medo dos efeitos. Um dia, a camisinha falhou”, conta Ana, que lembra ter ido pela primeira vez ao ginecologista assim que menstruou, e depois já grávida.

“Os pais devem iniciar a educação sexual, mas eles precisam de mais informação para isso. Minha mãe, por exemplo, achava que adotar algum método contraceptivo hormonal seria agressivo para meu organismo aos 15 anos. Talvez tudo fosse diferente se tivéssemos consultado um especialista sobre isso e não tomado decisões sozinhas.”

Segundo a coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade da Universidade de São Paulo (USP), Carmita Abdo, estudos revelam que é mais eficiente dar noções de educação sexual à medida que as perguntas aparecem. Segundo a psiquiatra, conversas esporádicas são mais indicadas que longas “aulas” sobre o assunto, até porque os pais não dominam as informações que envolvem o universo sexual.

Daí a importância de levar as meninas ao ginecologista assim que menstruarem e de abordar o tema também com os meninos. “Assim que a menina menstrua, é importante começar com noções de contracepção e sexo seguro. Existe muito mito, conceito errôneo e preconceitos que vão formando as dificuldade sexuais”, alerta.

CONFIANÇA E não adianta levar a filha ao ginecologista e não dar a ela privacidade e o direito de fazer perguntas. Thalita Matta Machado, de 33, começou a usar pílula anticoncepcional na adolescência, quando iniciou sua vida sexual. A mãe, com quem sempre teve uma relação de muita confiança e respeito, lhe ofereceu a oportunidade de consultar a especialista e a ajudou quando veio a primeira prescrição de um método contraceptivo. "Não tive nenhum problema quanto ao acesso ao medicamento: era fácil de encontrar e não custava muito caro. Tomei pílulas durante meus relacionamentos e substituía o método por camisinha quando estava solteira. Sempre pílulas diárias, com aquele intervalo entre uma cartela e outra”, lembra.

Depois de anos tomando o mesmo medicamento, e em um relacionamento estável, Thalita percebeu que os efeitos colaterais estavam aumentando e resolveu dar um tempo. “Parei de tomar por um mês e, no seguinte, já estava grávida. Não foi planejado, mas não é como se eu não soubesse o que estava fazendo. Posso dizer que assumi o risco”, conta.

Para Thalita, uma relação de confiança e esclarecimentos entre pais e filhos, sejam meninos ou meninas, é fundamental para as futuras gerações planejarem suas vidas. “A adolescência é um período difícil e é quando mergulhamos de vez nesse universo. Hoje, o governo vacina meninas a partir de 9 anos contra o HPV. Sem entrar no mérito da eficácia, como não falar sobre sexo, prevenção e doenças sexualmente transmissíveis dentro de casa? O governo e as escolas falam sobre isso, as amigas, a internet. Os pais não podem ficar de fora da discussão, da orientação”, defende.