Descoberta de variantes da depressão auxilia na prevenção da doença

Pesquisadores detectam duas variantes que podem ter relação direta com o tipo mais grave da doença, após sequenciamento do DNA de mulheres que enfrentam o transtorno

por Paloma Oliveto 23/07/2015 16:30

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Para algumas pessoas, viver dói demais. Elas sofrem de transtorno depressivo maior (TDM), o tipo mais severo e recorrente de depressão, um problema extremamente incapacitante, com prevalência mundial estimada de 8% a 12%. Diferentemente de alguns subtipos do distúrbio psiquiátrico, como o reativo, que surge após um episódio estressante, ou aquele associado a determinados períodos, como o pré-menstrual, esse é deflagrado sem motivo aparente e persiste ao longo de semanas, meses ou anos. O fato de, comumente, manifestar-se em várias gerações de uma mesma família leva os cientistas a crerem que o problema também tem raízes genéticas. Um estudo publicado na revista Nature confirma a ideia, ao apresentar dois genes que podem exercer um importante papel na doença.

Pesquisadores do Consórcio Converge — um projeto de cinco anos envolvendo a Universidade de Oxford, na Inglaterra; o Hospital Shan Hua, da China; e a Universidade Comunitária da Virgínia, nos EUA — detectaram duas variantes genéticas no cromossomo 10 presentes em pacientes de TDM, mas não em pessoas que estão livres do problema. Os cientistas compararam o sequenciamento genético de 5.303 mulheres diagnosticadas com diversos episódios depressivos ao de 5.337 voluntárias do grupo de controle e encontraram, nas primeiras, modificações próximas aos genes SIRT1 e LHPP. Embora destaquem o caráter multifatorial da doença, que é complexa e também tem componentes ambientais, os autores do artigo consideram “robustas” as evidências da participação das variantes no TDM.

“A depressão é uma doença com prevalência muito grande e com um enorme custo econômico e social; contudo, ainda assim, os tratamentos disponíveis são quase todos sintomáticos. Eles não tratam a causa, mas aliviam os sintomas”, observa Jonathan Flint, um dos autores do estudo e pesquisador de genética psiquiátrica Instituto Wellcome Trust, na Inglaterra. “Ao identificar variantes genéticas que aumentam o risco do transtorno, isso poderia levar a estratégias de prevenção, além de favorecer o desenvolvimento de novas e mais efetivas terapias”, afirma. De acordo com ele, por mais que acontecimentos externos possam estar ligados à enfermidade psiquiátrica, ela tem uma base biológica importante que, até hoje, é pouco esclarecida.

As dificuldades para compreender a depressão, explica Patrick F. Sulliman, professor de Genética e Psiquiatria da Universidade da Carolina do Norte, começam com a própria definição do transtorno. “A tristeza é normal e faz parte da condição humana”, lembra o médico, que não participou do estudo. Contudo, não tão raramente, ela se torna mais intensa e persistente, além de associada a outros sintomas, típicos do TDM: mudanças no padrão de sono, no apetite e até nas funções cognitivas, e o surgimento de pensamentos suicidas. Ainda assim, Sulliman destaca que não é fácil traçar a linha que separa a normalidade da patologia. Enquanto, para outras enfermidades, existem exames para determinar a distinção, isso não acontece no caso da depressão. “Não há testes laboratoriais que nos ajudem a saber quando a tristeza se torna TDM”, diz.

Hereditariedade
Já no início do século 20, alguns pesquisadores desconfiavam que essa diferença poderia ter uma explicação biológica. Os primeiros estudos mostrando que a depressão patológica atinge pessoas da mesma família indicaram que ter um parente de primeiro grau com o transtorno aumenta em quase três vezes o risco de desenvolver o mesmo mal. Em 2006, uma pesquisa de grande amostragem realizada com gêmeos idênticos encontrou um índice de 38% de hereditariedade. Além disso, segundo Flint, há evidências consistentes de que mulheres são mais propensas a herdar o problema: 40% contra 30%, comparadas aos homens, conforme um estudo de 2001. Os achados foram determinantes para que o Consórcio Converage escolhesse incluir apenas o público feminino na pesquisa que, durante cinco anos, investigou a genética da depressão em uma amostra de mais de cinco mil pessoas atendidas no Hospital Shan Hua, na China.

Além de sequenciar o DNA das mulheres com histórico de TDM e daquelas sem o problema, os pesquisadores entrevistaram todas as participantes para verificar a ocorrência de adversidades ao longo da vida, incluindo histórico de abuso sexual na infância e outros eventos estressantes. Eles observaram que, entre as pacientes com depressão recorrente, eram comuns as duas variantes genéticas, sendo que uma delas fica próxima a um gene envolvido na produção de mitocôndrias, as estruturas celulares produtoras de energia. Para Jonatahn Flint, esse pode ser um biomarcador molecular da doença. “Isso pode ter importantes implicações para compreendermos melhor a biologia da doença”, diz. Contudo, o psiquiatra destaca que, provavelmente, há muitos outros genes envolvidos. “A depressão é um problema extremamente complexo, com diversas causas e origens, e essa complexidade, provavelmente, também é genética”, afirma.

“Esse estudo marca o início da dissecação genética do TDM; esse é um excelente ponto de partida”, avalia o psiquiatra e geneticista Patrick F. Sulliman. O cientista espera que a identificação dos dois genes forneça novos alvos terapêuticos para a depressão. “A descoberta de drogas para o transtorno nunca foi baseada em fundamentos biológicos sólidos. Mas o trabalho do consórcio deve melhorar o foco desse campo”, acredita.

Reflexos na vida adulta

Crianças com distúrbios psiquiátricos são mais propensas a ter problemas de saúde, financeiros, sociais e legais quando adultas, mesmo se os transtornos não persistirem após a infância, de acordo com um estudo publicado ontem no jornal JAMA Psychiatry. Diferentemente de muitas enfermidades crônicas físicas, a maior parte das mentais é diagnosticada ainda nos primeiros anos e pode acabar afetando a pessoa ao longo de toda a vida. No artigo, William E. Copeland, do Centro Médico da Universidade de Duke, mostra como esses distúrbios impactam negativamente diversos aspectos funcionais na transição para a vida adulta.

Copeland e os coautores conduziram um estudo com 1.420 pessoas provenientes de 11 condados rurais da Carolina do Norte que, dos 9 aos 16 anos, foram avaliadas seis vezes para a identificação de doenças psiquiátricas comuns e problemas mentais que não preenchiam todos os critérios de um diagnóstico fechado. Dos 19 aos 26, houve mais três análises. Vinte e seis por cento dos participantes do estudo apresentaram distúrbios comportamentais ou emocionais comuns em algum ponto da infância e da adolescência, 31% tinham disfunções psiquiátricas que não se encaixavam em um único diagnóstico e 42,7% jamais sofreram de transtornos mentais ou de comportamento.

Entre as pessoas que, na infância, nunca receberam um diagnóstico psiquiátrico, 19,9% relataram que, no início da vida adulta, passaram por algum problema social/legal/financeiro ou de saúde. Já entre as que apresentavam sintomas psiquiátricos quando crianças, esse percentual foi de 41,5%, subindo para 59,5% em relação àquelas que foram diagnosticadas, na infância, com distúrbios mentais. As crianças com transtornos tiveram seis vezes mais risco de sofrer pelo menos um tipo de adversidade ao crescerem, comparadas aos participantes sem histórico de disfunções psiquiátricas, e nove vezes mais chances de passar por duas ou mais adversidades.

Os pesquisadores destacaram, no artigo, que esse risco não se limitava àqueles que haviam recebido um diagnóstico fechado. Os que, na infância, apresentavam algum sintoma de distúrbio comportamental/mental tinham três vezes mais chances de passar por experiências negativas depois dos 19 anos. Apesar das fortes relações estatísticas, os autores observaram, contudo, que ainda não podem fazer conclusões de causa e efeito.