Pesquisa consegue estimular produção de anticorpos que acompanham mutações do HIV

Principal dificuldade para a vacina da aids é a alta capacidade de mutação do vírus

por Isabela de Oliveira 01/07/2015 10:43

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EM / D.A Press
Pesquisa em ratos conseguiu barrar a maioria das versões do patógeno antes mesmo da infecção (foto: EM / D.A Press)
A principal dificuldade para criar a vacina da Aids é a alta capacidade de mutação do HIV. Ao se transfigurar, ele despista o sistema imune e alastra a infecção. Uma década atrás, cientistas começaram a desenvolver uma estratégia diferente em busca da imunização: descobrir como incentivar o próprio organismo a produzir os anticorpos amplamente neutralizantes (bNAbs), células de defesa capazes de neutralizar quase todas as cepas do vírus. Resultados de três pesquisas nesse sentido foram publicados nas revistas Cell e Science e trazem informações promissoras.

Apenas um quarto dos pacientes produz os bNAbs. Os cientistas têm a intenção de usar essa classe rara de células de defesa como ponto-chave da imunização. O problema, explica Enrique Roberto Argañaraz, professor do Laboratório de Virologia Molecular da Universidade de Brasília (UnB), é que o corpo humano demora pelo menos 20 dias para produzi-los. Nesse período, porém, o vírus passa a integrar o genoma das células humanas, ficando blindado dos efeitos do coquetel de medicamentos e do sistema imune. “Embora sejam muito potentes, não são produzidos a tempo de impedir que o vírus se propague e atinja os reservatórios das células”, acrescenta o especialista.

A saída pensada pelos cientistas está em desencadear uma produção precoce de bNAbs contra o HIV, o que depende da identificação de um antígeno – substância que inicia uma resposta imune ao entrar no organismo – igualmente especial. Embora seja um desafio, pesquisadores como David Nemazee e William Schief, do The Scripps Research Institute, nos Estados Unidos, anunciaram, na revista Science, progressos significativos nessa linha.

Eles desenvolveram, em laboratório, o eOD-GT8 60mer, um antígeno que dá o pontapé inicial para a resposta imune superpotente com bNAbs. Para verificar se essa partícula realmente poderia provocar a produção dos anticorpos especiais contra o HIV, os pesquisadores usaram ratinhos humanizados, cobaias com genes humanos responsáveis pela geração de bNAbs. Os animais foram imunizados com o eOD-GT8 60mer.

“Nossos principais resultados indicam que a abordagem funciona, pois provocou uma resposta das células ‘certas’ de produção de anticorpos particularmente parecidos com aqueles que, ocasionalmente, fornecem a ampla neutralização em humanos”, contou Nemazee. Isso não significa, ressaltou, que o eOD-GT8 60mer poderia ser usado sozinho na produção de uma vacina definitiva. “Esse imunizador é semelhante ao HIV, mas difere em aspectos importantes, e a aplicação dele precisa ser seguida de um reforço, ou reforços, de outras partículas mais parecidas com o próprio vírus”, acrescenta.

Etapa inicial
Edécio Cunha Neto, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunologia, observa que os anticorpos desenvolvidos por Nemazee e Schief não conseguem, por enquanto, neutralizar completamente o HIV. “Mas, mesmo assim, é uma primeira pedra na construção do caminho, pois, pela primeira vez, conseguiram imunizar um camundongo e gerar respostas semelhantes às da natureza na produção dos bNAbs. Quando combinarem a primeira vacina com outras baseadas no envelope real do HIV (a superfície do vírus), serão capazes de estimular a neutralização”, acredita o especialista brasileiro.

Segundo Edécio Neto, a vacina impediria o vírus de entrar, por exemplo, em células da região mucosa ou genital. “Ao tentar, ele faria contato com os bNAbs, que o cobririam e o impediriam de dominar as células, bloqueando a infecção. Igual à vacina contra a gripe ou sarampo”, compara.

Nemazee avalia que os resultados da atual etapa dos estudos são satisfatórios. Ele acredita que, em breve, os colegas de equipe começarão a pensar em testes com humanos. “Nossa pesquisa, ainda que pareça básica, tem um grande retorno na prevenção de doenças cujos estudos dependiam, por exemplo, de modelos de camundongos desenvolvidos no nosso laboratório”, ressalta.

Antes dos experimentos com humanos, explica o pesquisador, é preciso ter certeza de que o reforço de partículas mais parecidas com o HIV realmente aumentaria a resposta da vacina desenvolvida por eles, inclusive contra cepas diversificadas do vírus. “Nós prevemos que isso vai funcionar, mas precisamos, antes de qualquer coisa, provar.”