Estudo revela que adultos não devem mudar pronúncia de palavras com bebês

O hábito de simplificar alguns termos prejudica desenvolvimento linguístico

por Paloma Oliveto 16/02/2015 09:30

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

RECOMENDAR PARA:

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

CORREÇÃO:

Preencha todos os campos.
CB/D.A Press
Mães costumam falar com seus filhos de forma incompreensível (foto: CB/D.A Press)
A reação é instantânea. Ao interagir com uma criança pequena, todo mundo afina a voz e passa a falar em um idioma incompreensível, formado por palavras estranhas e sons tão esquisitos quanto. Nem a mais sisuda das pessoas escapa do tatibitate e, diante daqueles toquinhos de gente, dispara coisas do tipo “té”, em vez de “quer”, “toio”, no lugar de “colo”, e por aí vai. Por mais que seja uma manifestação de carinho, contudo, pesquisas recentes indicam que isso pode ser prejudicial para o desenvolvimento da linguagem.

Um estudo publicado na revista Psychological Science, da Associação de Ciência Psicológica dos EUA, mostrou que, na maior parte das vezes, as mães falam com seus filhos de forma incompreensível. Os pesquisadores, do Laboratório de Desenvolvimento da Linguagem do Instituto de Ciência Cerebral Riken, em Tóquio, passaram cinco anos analisando 4,5 mil fragmentos de conversas com crianças, cada um deles com 30 segundos de duração. Os trechos foram gravados em 22 lares e reproduzem a interação verbal de mães com seus filhos de 18 a 24 meses e com um pesquisador.

Com a ajuda de um software, os cientistas estudaram diversos aspectos do discurso, incluindo o começo e o fim de cada consoante, vogal e frase. Então, eles aplicaram uma técnica, que eles mesmos desenvolveram, para medir a similaridade acústica entre duas sílabas, como “pa” e “ba” e “po” e “bo”. Foram examinados os 118 pares dos fonemas semelhantes mais frequentes usados tanto na conversa com adultos quanto na com as crianças. O resultado mostrou que, enquanto o diálogo com os pesquisadores era nítido e fácil de compreender, as conversas com os bebês, de tão floreadas, não permitia fazer a distinção de sons.

“Quando os adultos mudam a voz e transformam palavras para falar com crianças pequenas, eles fazem isso porque acreditam que, dessa forma, as palavras ficam mais simples”, afirma Alejandrina Cristia, linguista do Centro Nacional de Pesquisa Científica de Paris que participou do estudo. “Mas o que nossa análise mostrou foi o contrário. Esse jeito de falar não torna mais fácil a compreensão; pelo contrário, fica tudo mais complicado”, diz.

A pesquisadora lembra que bebês e crianças muito novas são como esponjas e absorvem rapidamente os sons. Por isso, na melhor das intenções, ao tentar facilitar o entendimento de uma palavra ou frase, os pais estão, na verdade, ensinando errado. Além disso, a linguagem tatibitate não existe no mundo real. “Fora do ambiente doméstico, as pessoas falam normalmente, isso pode causar uma confusão grande na cabeça da criança”, aponta a especialista.

Antes da fala
O psicólogo Daniel Swingley, pesquisador do aprendizado dos vocábulos na Universidade da Pensilvânia, conta que, embora bebês tipicamente comecem a falar por volta dos 12 meses, seus cérebros processam certos aspectos da linguagem muito antes disso. “Quando começam a falar, na verdade, eles já conhecem centenas de palavras”, revela. De acordo com ele, recentemente mostrou-se que, durante a infância, os bebês não aprendem apenas os sons em separado, mas a forma auditiva das palavras, ou seja, eles não prestam atenção apenas em uma sílaba, mas na palavra inteira.

“O processo permite que as crianças aumentem o vocabulário e as ajuda, no fim, a desenvolver a gramática. Mesmo sem saber o significado das palavras, crianças com apenas 8 meses já começam a aprender os sons que a formam e são capazes de reconhecê-las”, garante Swingley, que já fez inúmeros estudos de linguagem com bebês. “Daí a importância de falarmos corretamente com elas, mesmo que pareçam novinhas demais para nos compreender.”

O especialista esclarece que há diversos métodos de pesquisa que permitem investigar como crianças que nem começaram a falar ainda compreendem as palavras. Um deles tira vantagem do fato de que mesmo bebês muito novinhos gostam de olhar para objetos ou imagens quando as pessoas apontam para eles e não um nome. Nesse tipo de experimento, os pesquisadores rastreiam o movimento dos olhos dos pequenos, quando eles veem dois objetos — um cachorro e uma maçã, por exemplo. O investigador diz o nome de uma das imagens e observa se a criança vai olhar para o objeto certo.

Dessa forma, é possível mudar ligeiramente o som de uma palavra — sachorro, em vez de cachorro — e ver se o bebê voltará sua atenção para o cachorro, como se a alteração da sílaba não fizesse diferença para a compreensão da palavra. “Os resultados nos indicam que, quando uma palavra é pronunciada erradamente, é menos provável que a criança olhe para o objeto correspondente”, alerta Swingley. Por isso, ele sugere que os pais passem a falar corretamente com seus filhos, ainda que se sintam tentados a apelar ao tatibitate. A pesquisadora francesa Alejandrina Cristia, autora da pesquisa publicada na Psychological Science, concorda e diz que a próxima fase do estudo será acompanhar crianças ao longo do tempo para verificar se o “gagá-gugu” teve impactos negativos sobre o desenvolvimento do vocabulário.

“Mesmo sem saber o significado das palavras, crianças com apenas 8 meses já começam a aprender os sons que as formam e são capazes de reconhecê-las” - Daniel Swingley, psicólogo da Universidade da Pensilvânia


Mudança no tom da voz é benéfica
Se o tatibitate pode prejudicar o desenvolvimento da linguagem dos bebês, o mesmo não vale para a forma especial com a qual alguns pais falam com seus filhos, enfatizando vogais e mudando levemente o tom das vozes. Esse estilo particular de se comunicar com as crianças é importante para que elas se familiarizem com as palavras. “O quanto mais os pais exageram nas vogais — por exemplo, “Como está vocêêêêêêêê?” — e aumentam o tom da voz, mais uma criança de 1 ano balbucia, em uma tentativa de formar palavras”, diz Patricia Kuhl, vice-diretora do Instituto para Aprendizado e Ciências Cerebrais de Washington.

Arquivo Pessoal
"Alguns pais nem percebem que estão beneficiando seus filhos com os diálogos. Algumas famílias são mais quietas e não falam tanto. Elas deveriam se esforçar para dialogar mais com os bebês" - Patricia Kuhl, vice-diretora do Instituto para Aprendizado e Ciências Cerebrais de Washington (foto: Arquivo Pessoal)
Ela é autora de um estudo, a ser publicado no jornal Developmental Science, no qual investigou a relação entre a conversa dos pais com os bebês e o desenvolvimento da linguagem no futuro. A eficácia dos diálogos é maior quando o pai ou a mãe se dirigem diretamente à criança — quando um adulto fala com vários bebês ao mesmo tempo, como em um berçário, os efeitos não são iguais.

No estudo, 26 bebês de 1 ano usaram camisas contendo gravadores que coletavam sons do ambiente auditivo por oito horas diárias, quatro dias da semana. Os pesquisadores usaram o software Lena, de análise ambiental da linguagem, para examinar o discurso. Com os fragmentos sonoros, os cientistas identificaram quem estava falando, quantas pessoas havia e se a conversa com o bebê era realizada com a voz normal, entre outras variáveis.

Quando as crianças estavam com 2 anos, os pais responderam um questionário sobre a quantidade de palavras que os filhos conheciam. Aqueles que foram mais provocados pelas conversas dos responsáveis tinham o vocabulário mais rico. “Em média, as famílias que falavam mais com os filhos usando essa linguagem diferenciada — exagerar nas vogais e elevar o tom da voz — reportaram que as crianças conheciam 433 palavras, comparadas às 169 reconhecidas pelos pequenos cujos pais conversavam menos. “Alguns pais nem percebem que estão beneficiando seus filhos com os diálogos. Algumas famílias são mais quietas e não falam tanto. Elas deveriam se esforçar para dialogar mais com os bebês”, diz a pesquisadora.

De acordo com o psicólogo Daniel Swingley, da Universidade da Pensilvânia, não há problema em exagerar nas vogais. “Isso é diferente de falar errado. Por volta dos 7,5 meses, uma criança não reconhece as palavras como sendo as mesmas se são faladas com diferentes entonações por um homem ou uma mulher. Mas logo depois, aos 10,5 meses, ela reconhece as palavras, apesar das mudanças na entonação. O interessante é que as crianças só vão interpretar que vocábulos ditos com vogais longas ou curtas são diferentes se isso fizer parte de seu idioma”, conta.

Também em macacos
Fazer vozinha de bebê não é uma exclusividade humana. Macacas rhesus usam vocalizações especiais para interagir com os filhotes para chamar a atenção deles, descobriu uma pesquisa da Universidade de Chicago. Os cientistas observaram a interação desses animais no Zoológico de Brookield e verificaram que, quando eles querem chamá-los ou encorajá-los a fazer algo, comunicam-se mudando o tom da vocalização. Assim como acontece com os humanos, as macacas não fazem isso apenas com os próprios filhotes, mas com qualquer um que aparecer por perto.