Pesquisadores brasileiros desenvolvem software que interpreta expressões faciais de bebês

Programa indica, por exemplo, quando a criança está sentindo dor e poderá ser especialmente útil para equipes de UTIs neonatais e anestesiologistas

por Roberta Machado 02/02/2015 15:00

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(foto: SXC.hu)
Os olhinhos apertados, a boca escancarada e o choro estridente. Os bebês sabem expressar como ninguém sua insatisfação com o mundo, mas, ainda assim, a falta de habilidade verbal deixa algumas reclamações passarem desapercebidas. Esse é o caso dos pequenos que são submetidos desde cedo a procedimentos médicos dolorosos e que nem sempre conseguem deixar clara a necessidade de algum cuidado extra para aliviar o sofrimento. Pensando nesses tão jovens pacientes, pesquisadores da Escola Paulista de Medicina (EPM), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), desenvolveram um software que detecta expressões de dor em recém-nascidos e pode ajudar médicos e cuidadores a realizarem intervenções mais rápidas e precisas.

Atualmente, as expressões dos bebês são decifradas com a ajuda do Neonatal Facial Coding System (NFCS), um guia que determina que pontos do rosto dos recém-nascidos indicam a presença de dor. O manual ajuda no treinamento dos cuidadores e é bastante detalhado, mas a subjetividade no julgamento, aliada ao trabalho pesado nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI), pode deixar algum pedido de ajuda passar despercebido. Além disso, o desconforto dos pequenos em relação a atividades de rotina, como uma troca de fraldas, também resulta em algumas caretas de irritação que se confundem com as expressões genuínas de dor.

Os pesquisadores da EPM traduziram as diretrizes que descrevem o sofrimento dos recém-nascidos e “treinaram” um programa de reconhecimento facial para detectar essas mudanças faciais em tempo real. “Existem outros trabalhos que avaliam a dor, mas eles são mais subjetivos que o programa. Se conseguirmos fazer isso, poderemos usar o programa em todos os momentos da UTI, seja durante a simples troca de fraldas, suja numa biópsia”, afirma a fisioterapeuta Tatiany Marcondes Heiderech, que concebeu o projeto há mais de uma década e, finalmente, conseguiu colocá-lo em prática durante o doutorado em pediatria e ciências aplicadas à pediatria. A pesquisadora, que também é especializada em engenharia biomédica, fez por conta própria o trabalho de programação para adaptar o software de reconhecimento biométrico.

Mapa biométrico
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Unifesp em 2009, quando o trabalho com os bebês começou. O programa foi testado primeiramente com cinco crianças que precisavam ser submetidas a procedimentos dolorosos no hospital. Os resultados dessa etapa ajudaram Heiderech e colegas a refinar o software, definindo que tipos de expressões o programa deveria monitorar. Todas as crianças que participaram da pesquisa, ressaltam os autores, necessitavam das intervenções médicas, que foram realizadas independentemente do estudo.

O grupo filmou ainda 30 bebês com menos de uma semana de vida no Hospital São Paulo entre junho e agosto de 2013. Primeiramente, o rosto do bebê é fotografado em estado de relaxamento, como uma referência para o software. O programa cria um tipo de mapa biométrico que marca mais de 60 pontos que se movem quando a criança muda de expressão. Quando a distância entre essas coordenadas se alteram — como acontece, por exemplo, quando as sobrancelhas são franzidas, ou a boca é aberta —, o programa interpreta como um sinal de sofrimento. O software alerta os cuidadores se registrar três ou mais movimentos de dor seguidos.

O sistema usa três câmeras, para se certificar de que o rosto do bebê seja sempre monitorado. As lentes fotografam o paciente a cada segundo e descartam as imagens que não mostram o rosto do recém-nascido com clareza. Cada imagem é sempre comparada à primeira foto, que revela a feição relaxada da criança, e então o programa indica se há mudanças que possam indicar sofrimento.

Olhar preciso
Os relatórios gerados pelo programa foram comparados ao julgamento de seis profissionais especializados, que examinaram as fotos dos bebês antes, durante e depois do procedimento doloroso e determinaram se eles sentiam ou não dor naquele momento. O software interpretou corretamente os sinais de dor de todas as crianças flagradas num momento de sofrimento. Já os cuidadores e médicos que participaram do estudo só viram as expressões de dor em 77% das fotografias tiradas durante os procedimentos invasivos.

Para os pesquisadores, um programa como esse pode ser uma importante ferramenta em UTIs neonatais. As câmeras poderiam monitorar recém-nascidos doentes que precisam de analgésicos ou auxiliar a equipe que administra anestesia. “Todas as medicações que usamos para aliviar a dor são pesadas e têm efeitos colaterais importantes. A ideia da monitorização é tanto para não deixar o bebê sentir dor quanto para tirar a medicação na hora certa”, ressalta Ruth Guinsburg, professora da EPM e orientadora do trabalho.

A equipe enfrenta agora alguns desafios para levar o software para as unidades neonatais. O programa ainda não foi testado, por exemplo, em bebês com algum tipo de equipamento médico ou curativo no rosto, como é o caso das crianças que passam por uma endoscopia ou que respiram com a ajuda de aparelhos. Esses são alguns dos recém-nascidos que mais poderiam se beneficiar do sistema de detecção de dor, mas o software ainda precisa ser adaptado para essa situação. Outra questão é a sensibilidade do aparelho, que não diferencia a reclamação de um bebê que está passando pela troca de fralda, por exemplo, do rosto da criança que é submetida a um procedimento doloroso. Por enquanto, separar os dois cenários ainda é uma tarefa que cabe ao olhar subjetivo dos cuidadores de carne e osso.