É preciso se desligar; entenda por que é importante tempo para lazer e descanso

Mesmo quem ama trabalhar e sente dificuldade de se afastar do escritório, precisa de tempo para si. Excesso de compromissos pode causar danos à saúde e, em alguns casos, levar à depressão

por Correio Braziliense 09/12/2014 11:00

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Quem se dedica muito ao trabalho precisa tomar cuidado (foto: SXC.hu)
Os colegas de Sandra Mendes, 51 anos, costumam dizer que ela trabalha 24 horas por dia. “Eu não queria, mas é automático”, ela justifica. E conta que tanto comprometimento não é de hoje. “Desde os tempos da faculdade é assim. Eu me entrego totalmente.” A rotina profissional da servidora pública começa nas primeiras horas da manhã e dura até a última hora do dia. “Eu acordo e vou para a internet ver os e-mails. Mesmo depois que saio do trabalho, ligo para lá. E, antes de dormir, abro os e-mails mais uma vez para ver se tem alguma coisa nova que eu posso adiantar para o dia seguinte”, descreve.

Os sábados e domingos, apesar de serem dedicados às “coisas de casa”, também são ocupados com trabalho. “Eu sempre falo que não vou fazer, mas não adianta.” Folga, como se vê, não existe no vocabulário da servidora. Mesmo de férias, ela atende telefonemas profissionais e checa e-mails. As filhas são as primeiras a protestar. “Elas odeiam. É só atender o celular que elas reclamam: ‘Já vai começar a falar de trabalho’.”

A aposentadoria estava prevista para o início de 2012, mas ela não conseguiu se desprender do trabalho. Segundo Sandra, quando chegou a hora, decidiu se dedicar ao serviço por mais um ano, prazo que vem sendo estendido desde então. A meta agora é parar em 2015, conforme promessa feita para a família. A convicção, contudo, não é muito forte. “Vamos ver se eu consigo.” E, então, ela revela o que a impede de tomar a decisão: “Eu tenho que sair. Acho que já está na hora. Mas eu fico com medo de aposentar e não ter o que fazer”.

Apesar do ritmo intenso, a servidora diz não sentir prejuízos à saúde. “Nunca tive problemas por causa disso. Eu trabalho porque gosto, acho que me distrai”, explica. Sandra acredita que as atividades fora do escritório ajudam a garantir o bem-estar. “Eu faço caminhada e tento descansar. Vou com as amigas para o parque, ficamos conversando”, conta.

Ufa! Há, então, momentos em que Sandra se desliga do trabalho. E eles são cruciais. Segundo especialistas, mesmo o mais entusiasmado dos profissionais precisa de tempo para se dedicar a outras coisas. De acordo com Marco Antônio de Azevedo, professor de psicologia do trabalho e gestão de recursos humanos da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas), atividades de lazer são fundamentais para quem tem dificuldade de se afastar do serviço. “É importante procurar atividades que dão prazer. Ler, ir ao cinema, conversar com os amigos e a família; uma atividade espiritual também ajuda”, enumera o especialista. “E praticar um esporte. Mas não adianta fazer um exercício físico porque é obrigado”, completa.
Oswaldo Reis/CB/D.A Press
"Eu acordo e vou para a internet ver os e-mails. Mesmo depois que saio do trabalho, ligo para lá. E, antes de dormir, abro os e-mails mais uma vez para ver se tem alguma coisa nova que eu posso adiantar para o dia seguinte" - Sandra Mendes, 51 anos, servidora pública (foto: Oswaldo Reis/CB/D.A Press)

Mente sã

Quem se dedica muito ao trabalho precisa tomar cuidado. Para esses, é útil avaliar o que leva a tanta dedicação. Se o motivo for uma cobrança excessiva de si mesmo, o sinal de alerta está aceso. Algumas pessoas impõem-se metas tão altas que acabam exagerando na dose. E, aí, o risco de a saúde mental ser afetada aumenta. O risco é acabar sendo forçado a parar por esgotamento. “Os prejuízos podem ser esgotamento, desânimo, descomprometimento e falta de entusiasmo com o trabalho e com a vida em geral. Algumas pessoas acabam tendo depressão”, alerta Azevedo.

O psicólogo do trabalho observa que a sobrecarga de trabalho pode ter origem na maneira como as empresas estabelecem metas, exigindo demais de seus funcionários. “Eu acho que está na hora de repensarmos as formas de gestão e ouvirmos mais os empregados para tornarmos o trabalho mais prazeroso. Está na hora de as empresas adotarem um estilo de gestão que considere mais a opinião dos funcionários”, defende.

Lauro Jurgeatis, 49 anos, também não consegue se desligar do trabalho com facilidade. Empresário da área de tecnologia há 19 anos, ele acredita que esquecer as obrigações é uma tarefa mais complicada para os donos do próprio negócio. “O empresário fica ligado quase 24 horas por dia.” Atento a essa tendência, o empreendedor busca no ciclismo um refúgio que o ajuda a tirar os assuntos do escritório da cabeça. “Eu acho que a gente só consegue relaxar um pouco quando se ocupa com outras atividades, como praticando exercícios físicos.”

Além de pedalar, Lauro se dedica a uma fazenda da qual é proprietário. “É uma válvula de escape. Uma atividade muito mais prazerosa porque eu gosto da natureza”, diz. A atividade acabou se tornando outra fonte de renda, mas não deixou de ser uma maneira de esquecer os assuntos da empresa. “É interessante se o profissional tiver a oportunidade de dedicar tempo a uma prática prazerosa, mesmo que seja um outro trabalho. Eu acredito que há um impacto se você trabalha excessivamente. Pode atrapalhar o sono, alimentação, por exemplo; e futuramente, a saúde também”, acrescenta.

Aprendizado
Psiquiatra do Hospital Universitário de Brasília (HUB), Raphael Boechat lembra a importância de um tempo livre para qualquer profissional. “É necessário se distanciar. Em países como a Alemanha, é obrigatório tirar férias porque os chefes sabem que não adianta ter um funcionário estressado, que não vai produzir.” E há vários prejuízos à saúde ligados à sobrecarga no serviço: imunidade baixa, males cardíacos e problemas relacionados à ansiedade são alguns deles.

Os casos de pacientes que chegam ao consultório do psiquiatra esgotados por causa do trabalho são muitos, mas, geralmente, as pessoas só procuram ajuda depois de algo grave acontecer, como um enfarte ou uma batida de carro após dormir ao volante. Boechat ressalta que o excesso de trabalho pode resultar em um nível de estresse elevado, levando ao desenvolvimento da síndrome de burnout. “A síndrome é mais comum em pessoas que trabalham muito com o público. Profissões como professores, médicos são algumas delas”, afirma o médico.

Para alguns profissionais, a capacidade de parar de pensar no trabalho durante as horas de folga é adquirida em um processo gradual, até que passa a fazer parte da rotina. O professor de educação física Elvis Lara, 24 anos, começou a buscar formas de equilibrar trabalho e vida pessoal quando ainda era estudante. “Eu fui ganhando experiência com o tempo. Desde que fazia estágio, fui observando e aprendendo com outros professores”, lembra.

A dica dele é fazer uma lista das tarefas do dia. “Antes de ir para a aula, faço um planejamento do que preciso fazer. Sempre tento resolver tudo no trabalho. No fim do dia, vejo se consegui produzir tudo.” A estratégia faz com que pouco trabalho seja levado para casa. Algumas vezes, porém, isso acaba sendo inevitável. “Às vezes, por exemplo, precisamos planejar um aulão na academia, mas não dá para fazer no trabalho, onde é muito movimentado. Aí, fazemos em casa mesmo.”

Elvis está convencido de que separar a vida profissional da pessoal é fundamental para o bem-estar. “Eu acho que só traz benefícios. Seu dia a dia melhora muito, o estresse em casa diminui. Se você acumula muitas coisas do trabalho, acaba ficando com aquela pilha de problemas.”

O professor conta que muitos de seus clientes chegam à academia e mesmo assim não tiram a cabeça do escritório. “Sempre pergunto para os alunos como foi o dia deles, se eles trabalharam muito. Alguns falam que foi um dia cheio e que estão na academia para diminuir o estresse”, conta. Para ajudar essas pessoas, ele estimula a prática da atividade física. “Manter a atividade física após o trabalho é um ótimo elemento para ter uma qualidade de vida melhor. Em alguns alunos, a melhora (do rendimento no trabalho) com a atividade física é 100%”, garante.

Nível máximo
Síndrome de burnout é o nível máximo de estresse profissional. Os principais sintomas são dores musculares e de cabeça, perda de iniciativa, alterações de humor e de memória, distúrbios do sono, dificuldade de concentração, falta de apetite e fadiga. O tratamento é feito com o uso de antidepressivos, de remédios para ansiedade e de terapia. Em alguns casos, o paciente precisa ser afastado do trabalho.

Como diminuir a pressão


- Pratique atividades físicas regurlamente
- Durma e alimente-se bem
- Reserve as horas livres para um hobby e para o lazer
- Evite se cobrar além do limite mental e físico
- Escute o que os colegas e familiares falam sobre sua relação com o trabalho
- Avalie o quanto seu comprometimento com o trabalho interfere no bem-estar e na saúde mental e física, buscando formas de reduzir a carga caso haja excesso