Saiba como é a vida de quem usa marcapasso; projeto ajuda a tirar dúvidas

Dá para usar celular, viajar de avião, secar o cabelo? Parece brincadeira, mas atividades rotineiras viram dúvidas atrozes para quem implanta o aparelho. Conheça o projeto PacemakeRusers

por Celina Aquino 16/11/2014 07:56

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Cristina Horta/EM/D.A Press
A dona de casa, Regina Carvalho Sadala, de 57 anos, usa marcapasso desde 2008 (foto: Cristina Horta/EM/D.A Press)

E agora, como será? A dúvida é bastante comum entre pacientes que precisam de um dispositivo eletrônico implantável para o coração bater no ritmo certo. As perguntas envolvem os mais diferentes assuntos, como o uso de celular e micro-ondas, viagem de avião e atividade física. Pensando nisso, a neuropsicóloga mineira Luciana Alves criou o projeto PacemakeRusers, em que os portadores de marcapasso podem trocar experiências, consultar especialistas e esclarecer dúvidas.

"O maior problema não é nem o acesso ao marcapasso, é a falta de informação", observa o cardiologista e eletrofisiologista (especialista em arritmia cardíaca) Bruno Valdigem, médico do Hospital Israelita Albert Einstein e do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, em São Paulo. “Tem gente que toma banho de caneca com medo do chuveiro elétrico, não tem relação sexual porque acha que o aparelho dá choque no parceiro e não fala no celular. Isso faz com que a qualidade de vida piore muito.” Valdigem garante que o portador está liberado para viajar, namorar, dirigir, ou seja, levar vida normal. “O marcapasso tem que ser encarado como adereço, assim como óculos ou aparelho de surdez, e não como um problema. Uma hora, você até se esquece dele”, acrescenta.

Foi a falta de informação que levou Luciana a oferecer apoio a quem vive com marcapasso. Diagnosticada com uma arritmia que fazia o coração disparar, a neuropsicóloga teve que colocar o dispositivo há dois anos. De volta para casa, com um monte de dúvidas, percebeu que não havia na internet conteúdo de qualidade. Em outubro do ano passado, ela fundou o site PacemakeRusers e logo depois o Clube do Marcapasso, no Facebook, para intermediar o contato de médicos e pacientes, que perguntam, por exemplo, se podem pular de bungee-jump, manusear uma serra elétrica, usar secador de cabelo ou andar de montanha-russa. “Temos interesses bastante inusitados e acredito que a experiência de ser portadoras faz com que as pessoas se sintam mais à vontade para compartilhar dúvidas.”

Presidente da Associação dos Portadores de Dispositivos Médicos Implantáveis, fundada em setembro, Luciana também luta para que ninguém mais passe pelo constrangimento de travar a porta giratória do banco ou ter que mostrar a cicatriz para provar que tem marcapasso. “Minha missão é construir um mundo e pessoas mais preparadas para portadores de marcapasso e outros dispositivos implantáveis”, justifica.

A vida da dona de casa Regina Helena de Carvalho Sadala, de 57 anos, melhorou e muito com o marcapasso. Sempre atenta ao coração, que batia lentamente, ela agora se sente mais segura. “Quem tem medo é porque está mal-informado. Hoje nem lembro que tenho marcapasso. Viajo muito e tem vezes que esqueço que não posso passar pelo detector de metais, vou no automático”, conta. Depois dela, mais dois irmãos tiveram que implantar o dispositivo. Animada, Regina faz questão de dizer que leva vida normal. Ela frequenta aulas de pilates, se exercita em casa no aparelho elíptico e vai voltar a estudar para fazer uma prova de concurso. “Fazendo atividade física, alimentando bem e cuidando bem das artérias, marcapasso não atrapalha em nada.”

Sem sair do ritmo
O cardiologista do Hospital Felício Rocho, em Belo Horizonte, Thiago da Rocha Rodrigues explica que o marcapasso é recomendado para quem tem uma frequência cardíaca muito baixa. O dispositivo estimula o coração a bater no ritmo adequado. “Mas não é qualquer batimento lento, é quando pessoa tem um problema cardíaco que faz com que o coração fique muito devagar. Em atletas, por exemplo, é uma situação absolutamente fisiológica”, destaca o membro da Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas (Sobrac). Geralmente, as arritmias se manifestam com palpitação acompanhada de tontura, falta de ar, cansaço, palidez, sudorese e até desmaio. O único tratamento para frequência cardíaca baixa é o implante de marcapasso.

Para Rodrigues, apesar de o dispositivo ser eficaz, o melhor seria investir em prevenção, que inclui a adoção de hábitos de vida saudáveis e realização de checape do coração anualmente a partir dos 40 anos. “Muitas vezes o problema de batimento lento é genético e vai ter uma evolução inexorável, mas fazendo o diagnóstico precoce você identifica fatores clínicos que podem ser corrigidos antes de surgir um quadro mais grave, como insuficiência cardíaca e morte súbita”, pontua. Geralmente, o médico consegue detectar, em exames cardiológicos, sinais que levantam a suspeita de que o paciente pode desenvolver uma arritmia no futuro.

Todos os marcapassos encontrados no país são importados. O Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia chegou a fabricar o dispositivo numa época em que não havia tantas opções, mas a tecnologia evolui tão rápido que os modelos brasileiros ficaram para trás. A cada ano, destaca o cardiologista Bruno Valdigem, os marcapassos ficam menores e contam com uma bateria mais duradoura. Os de bebês têm o tamanho de uma moeda de R$ 1. Entre os mais modernos disponíveis no mercado, estão aqueles compatíveis com a ressonância magnética, exame que pode interferir no funcionamento do aparelho. Em breve, também deverá chegar ao Brasil um modelo, aprovado este ano nos Estados Unidos, que é implantado através de cateterismo, permitindo que o paciente passe por um procedimento ainda menos invasivo.

“No futuro, vamos poder tratar as arritmias com terapia genética. Há estudos caminhando para criar um novo sistema elétrico no coração com células-tronco, substituindo a parte doente. No dia em que ninguém mais precisar de marcapasso, vou ter prazer de mudar minha área de atuação”, diz Valdigem.


Do diagnóstico à cirurgia

• Naturalmente, o coração recebe estímulos elétricos para funcionar no ritmo adequado.
• Há casos, no entanto, em que bebês nascem com um bloqueio congênito no
sistema elétrico do coração, outros desenvolvem o problema depois de uma cirurgia cardíaca ou infarto, mas na maioria das vezes as arritmias cardíacas são motivadas
pela idade avançada. Com o tempo, ocorre um desgaste que impede a corrente
elétrica de circular adequadamente.
• O número normal de batimentos é de 60 a 100 por minuto. Quando o coração
passa a funcionar mais lentamente, não consegue trabalhar direito e o fluxo sanguíneo vai diminuindo, o que provoca sintomas como tontura e desmaio. A frequência cardíaca baixa é chamada de bradicardia.
• Pacientes com bradicardia correm risco de morte se não receberem o marcapasso.
O dispositivo vai substituir as células chamadas marcapasso deficientes,
que têm a função de criar o ritmo do coração.
• O marcapasso é formado por um gerador computadorizado, uma bateria e eletrodos.
A caixa de metal onde estão os primeiros componentes é colocada debaixo da pele na região da clavícula, geralmente no lado esquerdo. Fios entram pela veia e chegam ao coração para estabelecer a conexão. O aparelho tem condição de estimular o coração, regular os batimentos cardíacos, fazer diagnósticos de arritmia e prevenir morte súbita.
• Os eletrodos monitoram a frequência cardíaca o tempo todo e transmitem a informação para o gerador, que vai estimular o coração por meio de pequenos choques, imperceptíveis pelo paciente, quando os batimentos não seguem o ritmo adequado. Quando está tudo bem, ele não trabalha.
• O médico consegue acompanhar o funcionamento do marcapasso em uma central.
• A cirurgia para implantar o marcapasso é relativamente simples, com apenas
sedação ou anestesia local, e rápida (dura, em média, duas horas). A recuperação costuma evoluir com rapidez e o paciente pode receber alta no dia seguinte,
a não ser que apresente outros problemas a serem resolvidos.
• Não existe possibilidade de rejeição. Eventualmente, como em todo procedimento médico invasivo, pode haver complicações, que são raras. Em 1% dos casos,
é preciso retirar o dispositivo devido a uma infecção.
• A cada seis meses, o especialista avalia as condições do marcapasso para prever
a data de troca em mais uma cirurgia. Em média, o aparelho dura 10 anos,
mas a vida útil vai depender do número de estímulos gerados.


Afinal, o que pode e o que não pode?

1. Não deixe de falar no telefone de celular, mas lembre-se de que o recomendado é usá-lo no ouvido do lado contrário do marcapasso. Estudos em laboratório indicam que o aparelho pode provocar interferência em um raio de 15 centímetros. Mas não há motivo para se preocupar em caso de distração.

2. Quem vai viajar de avião deve apresentar a carteira de identificação do portador de marcapasso para não ser obrigado a passar pelo raio-X do aeroporto. A possibilidade de interferência é mínima, o problema é a máquina acusar a presença de metal. A revista, nesse caso, tem que ser manual.

3. O mesmo vale para a entrada em agências bancárias. Comunique ao segurança a presença do marcapasso para que ele desligue o detector de metais ou libere a passagem por uma porta lateral. A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) se comprometeu a elaborar um documento com orientações para lidar com os portadores.

4. Exercício físico geralmente está liberado de 30 dias a dois meses depois da cirurgia. Ficam proibidas atividades que podem provocar trauma na região do marcapasso. Uma cotovelada durante uma partida de futebol, por exemplo, pode machucar o portador e ainda estragar o dispositivo.

5. As interferências eletromagnéticas são pouco significativas. Em casa, o único cuidado é com a utilização do forno micro-ondas. Enquanto ele estiver ligado, o portador de marcapasso deve se manter a pelo menos dois metros de distância. Já internet, telefone sem fio, notebook, nada disso atrapalha.

6. A única restrição para o portador de marcapasso é em relação à ressonância magnética. Para não atrapalhar o funcionamento do dispositivo, eles não podem fazer o exame. Por sorte, com o avanço da tecnologia, os novos aparelhos são produzidos todos à base de titânio, para que não haja influência.