Entenda o experimento que ajudou bombeiro paraplégico a voltar a andar

Transplante de estruturas regenerativas permitiu o crescimento e a reconexão de fibras nervosas na medula espinhal de um bombeiro polonês. O resultado inédito poderá revolucionar o tratamento da paraplegia

por Bruna Sensêve 22/10/2014 10:56

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Divulgação
Darek ficou paraplégico em 2010. Agora, consegue caminhar e dirigir (foto: Divulgação)
Causadas por quedas e outros tipos de acidente, as lesões medulares podem gerar sequelas severas, como a perda permanente dos movimentos das pernas. Darek Fidyka, 40 anos, passou a viver com essa limitação após ter sido esfaqueado em 2010. A agressão rompeu a medula espinha do bombeiro polonês, que ficou imobilizado do peito para baixo. Submetido há dois anos a uma intervenção promissora, ele começa a recuperar a capacidade de andar. A técnica, que envolve células ligadas ao olfato, foi detalhada na edição desta semana da revista Cell Transplantation e tem potencial para revolucionar o tratamento da paraplegia.

Para corrigir as lesões causadas na medula de Fidyka, médicos poloneses, com o auxílio de cientistas londrinos, uniram duas células humanas envolvidas em processos de regeneração. Primeiro, retiraram um dos bulbos olfativos do paciente — estruturas responsáveis pelo olfato e que têm células que ajudam na renovação de fibras nervosas. Houve o estímulo da produção dessas células em laboratório e, depois, mais de 500 mil foram implantadas do lado direito da medula do bombeiro, acima e abaixo da lesão.

Quatro tiras de tecido nervoso do tornozelo de Fidyka foram retiradas e colocadas do lado esquerdo da medula espinhal do paciente. O objetivo era fazer com que as células do bulbo olfativo fornecessem uma direção de conexões aos tecidos nervosos enxertados, facilitando, assim, a regeneração da medula. “A operação fornece uma ponte que permite as fibras nervosas crescerem no vazio”, explica o professor Geoffrey Raisman, do Instituto de Neurologia do University College de Londres (UCL) e um dos autores do estudo.

Os primeiros resultados positivos surgiram em três meses, quando a coxa esquerda de Fidyka começou a desenvolver músculos. Ao completar seis meses de cirurgia, o paciente conseguiu dar passos com o auxílio de barras paralelas e muletas. Agora, já consegue andar dentro e fora do centro de reabilitação com o auxílio de um andador e realizar atividades diárias, como dirigir. “Você sente que sua vida começou de novo, como se tivesse nascido de novo. É uma sensação incrível, difícil de descrever (..) Eu sabia que seria difícil e prolongado, mas nunca quis aceitar a ideia de passar o resto de meus dias em uma cadeira de rodas”, declarou Fidyka à rede de televisão BBC.

Anderson Araújo/CB/D.A Press
Clique na imagem para ampliá-la e saiba mais (foto: Anderson Araújo/CB/D.A Press)
Novos testes
A técnica de regeneração é resultado de 12 anos de pesquisa. Já havia sido realizada em laboratório, mas esta é a primeira vez que é testada em humanos e com resultados tão promissores. “Nós acreditamos que o procedimento é uma descoberta capital que, se for desenvolvida, representará uma mudança histórica para as pessoas que sofreram ferimentos na coluna vertebral”, avalia Raisman.

Ele e os demais cientistas, porém, destacam que, mesmo com o progresso mostrado no caso de Fidyka, mais exames são necessários para comprovar a eficácia da cirurgia. “As células do bulbo e os tecidos nervosos parecem trabalhar em conjunto, mas o mecanismo entre essa interação ainda não está claro. Nossos resultados precisam ser confirmados em um grupo maior de pacientes com uma lesão semelhante. Enquanto isso, estamos investigando técnicas cirúrgicas para um acesso menos invasivo ao bulbo olfativo”, destaca Raisman. “Para mim, isto é ainda mais impressionante do que um homem caminhando na lua”, acrescentou o especialista.

Tiago Freitas, neurocirurgião funcional do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, avalia que a pesquisa divulgada na Cell Transplantation traz resultados muito positivos na área de reconstrução. “Sabemos o quanto é difícil reparar lesões na medula espinhal e no cérebro, já que ambos têm uma barreira, chamada de bainha de mielina, que é mais complexa que em outros nervos e dificulta a recuperação de lesões. Os cientistas conseguiram sucesso nessa função unindo células de regeneração olfativa, que é algo novo, e tecidos de enxerto, que já são muito utilizados em cirurgias de reparação”, analisa.

Freitas destaca que, apesar de a técnica ter sido utilizada somente em um paciente, ela serve de esperança para tratamentos futuros. “É claro que mais exames que confirmem que as melhoras tenham sido causadas pela técnica são necessários. Temos também que destacar que a lesão desse paciente não era tão grande e foi provocada por um corte, um ferimento causado por uma bala daria mais trabalho”, compara, acrescentado, em seguida, que estudos com terapia gênica também têm apresentado resultados promissores na área de regeneração medular e cerebral.