Esclerose tuberosa: sem cura, síndrome atinge mais de 10 mil pessoas no Brasil

A doença tem apenas tratamentos que melhoram a qualidade de vida. Associação luta por mais recursos

por Silas Scalione 20/10/2014 12:00

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Cristina Horta/EM/D.A Press
Flávia se salvou quase por milagre, depois de um coma profundo. Sua mãe, Márcia da Silva (na foto, abraçando a filha), fundou associação que hoje ajuda vários pacientes (foto: Cristina Horta/EM/D.A Press)
Márcia da Silva abriu mão da vida pessoal e profissional para cuidar da filha, Flávia, diagnosticada com esclerose tuberosa aos dois anos e meio. Flávia se desenvolvia como uma criança normal, mas aos 11 anos começou a ter convulsões, até 20 em um dia. Ficou 40 dias em coma no hospital. Em nome da saúde e da vida da filha, Márcia prometeu ajudar outros portadores durante toda a vida, caso a garota se salvasse. “Pensei: ‘Deus, não é o momento. Dê-me uma oportunidade. Eu me comprometo a cumprir essa missão de ajudar a quem precisar desse apoio’. Quando minha filha saiu do hospital, ela não andava, não falava, mas eu olhei para o céu e agradeci. E foi aí que o sonho começou.”

Era 1º de agosto de 2000 quando Márcia e o marido Wesley criaram a Associação Brasileira de Esclerose Tuberosa (Abet), única entidade no Brasil dirigida ao tratamento e apoio a portadores da esclerose tuberosa (e de outras síndromes). Desde então, foram atentidas mais de mil crianças, adolescentes e familiares, de maneira totalmente gratuita.

Estima-se que, no Brasil, cerca de 10 mil pessoas tenham a síndrome e que haja cerca de 1 milhão de portadores no mundo. A Abet atende atualmente em torno de 50 crianças e adolescentes, oferecendo tratamento multidisciplinar com atendimento médico, psicológico, pedagógico, fisioterapêutico, fonoaudiológico e neuropediátrico, além de acompanhamentos em terapia ocupacional, psicopedagogia, musicoterapia e assistência social. Os assistidos recebem também os benefícios dos métodos Doman e Bobath, técnicas que usam atividades de estimulação sensorial e motora, o que faz com que as partes do cérebro não afetadas por tumores assumam as funções das partes acometidas.
Cristina Horta/EM/D.A Press
Lucas se diverte na musicoterapia, ao lado da mãe, Larissa, e de Verônica. Uma caixa do remédio que toma custa R$ 3 mil e dá para 15 dias (foto: Cristina Horta/EM/D.A Press)

“Rara, pouco conhecida e de difícil diagnóstico, a esclerose tuberosa é degenerativa. Causa tumores benignos em diversos órgãos”, explica a oncologista pediátrica Fernanda Tibúrcio, que dedica boa parte de sua vida a estudar e atender pacientes com a doença. De tendência evolutiva, pode afetar ambos os sexos de todas as raças e grupos étnicos. Em muitos casos, os portadores são tardiamente diagnosticados e a falta de informação dificulta o tratamento dos sintomas. Sem esse tratamento, a doença pode evoluir rapidamente e comprometer as funções do sistema atingido, levando a disfunções em graus variáveis e podendo chegar à morte. “Esclerose tuberosa não tem cura: os tratamentos visam controlar os sintomas e manter as funções do órgão afetado. A remoção cirúrgica de tumores é indicada em muitos casos.”

Se a cura inexiste, há muito o que se fazer para melhorar a qualidade de vida do portador. O tratamento é sintomático, ou seja, busca-se sanar os sintomas que se manifestam e, se necessário, aplicar anticonvulsivantes. Além dos medicamentos tradicionais, várias formas de terapias já mostraram resultados positivos, como o shiatsu e o reiki. Outras formas terapêuticas, como a homeopatia, a fisioterapia, a terapia ocupacional e a musicoterapia, também têm apresentado um ganho enorme aos pacientes portadores da doença.

Dificuldades financeiras
A missão de proporcionar tratamento, qualidade de vida e inclusão social aos portadores de esclerose tuberosa e outras doenças raras e disfunções neurológicas se impõe, mas as dificuldades financeiras estão no caminho da Abet. “Este ano, devido à Copa do Mundo e às eleições, muitos patrocínios de empresas foram suspensos, fazendo com que a associação viva na iminência de fechar as portas”, diz a presidente, Márcia da Silva, salientando que até o tradicional congresso que a entidade promove em outubro foi, em sua próxima edição, transferido para março de 2015, por dificuldade de patrocínio.

“Apesar de todos esses problemas, tento não me abater. Vivo para a Abet e sempre penso que amanhã vai melhorar. E um dos estímulos é a própria Flávia, que hoje já anda, bebe, come e vai ao banheiro sozinha. Sou privilegiada em saber que posso ajudar”, afirma. Uma das lutas da associação, segundo ela, é conseguir gratuitamente a medicação, que, em alguns casos, chega a R$ 6 mil, uma dose. Quem não pode pagar tem de recorrer à Justiça para conseguir os remédios.

É o caso de Larissa Alves Martins, cujo filho, Lucas, de 14 anos, foi diagnosticado aos três meses, depois de várias crises convulsivas. “No começo, tinha crises de ausência, desligava-se de tudo. Aí começaram a surgir manchinhas no corpo. Exames de eletroencefalograma e ressonância magnética confirmaram a esclerose tuberosa. Foram identificados também nódulos nos rins, no cérebro e, mais recentemente, manchas do fundo do olho. Ele tem de ficar sob estrito controle médico multidisciplinar”, revela a mãe.

O tumor no cérebro, que começou a crescer no ano passado, é benigno, mas, devido à localização, pode causar comprometimentos, como a hidrocefalia. Para impedir isso, o garoto tem de tomar um medicamento. “É aí que começa uma outra batalha: dificuldade de obter o remédio. Uma caixa, que dura 15 dias, custa R$ 3 mil. Ele começou a tomar a medicação – conseguimos as primeiras doses por doação –, recentemente. Agora, estamos recorrendo à Justiça para ter a liberação do produto de forma regular. E olha que ainda estamos na fase de observar as reações à medicação, pois, caso os efeitos são sejam o desejado, só restará a opção da cirurgia. As aulas dele começaram em 12 de agosto, mas só agora ele retornou às atividades devido à observação que deveríamos fazer”, explica.

“As crises sempre vão existir. O que temos de fazer é lutar para melhorar a vida dessas crianças. A Abet foi fundamental para eu conseguir enfrentar e entender o problema. Não fosse pelos congressos que a associação promove e outras atividades dela, com certeza, estaríamos muito mais atrasados no convívio e entendimento da síndrome. Mas o absurdo maior é as famílias ainda terem de recorrer à Justiça para obter os remédios. É um crime, principalmente com aqueles que têm menos instrução e informação sobre o problema e como resolvê-lo”, critica Larissa.

 Lucas não tem convulsões, mas como suas funções cognitivas estão um pouco comprometidas, estuda em escola especial. “Atualmente, por causa do nódulo no cérebro, não pode jogar bola com os amigos do prédio. Após o início da medicação, ele ficou um pouco mais agitado, talvez por não poder praticar atividades, como o futebol”, diz. Entre as que ele faz, está a musicoterapia, dada por Verônica Magalhães Rosário, dentro de um programa de mestrado que investiga a relação da técnica com a reabilitação cognitiva. (SS)

Como ajudar
O carinho e a inserção social podem garantir novos sonhos para as crianças portadoras do mal. “A atuação da Abet só é possível graças às contribuições de pessoas e empresas que se identificam com a causa e acreditam no nosso trabalho e na possibilidade de fazermos do mundo um lugar melhor”, diz a presidente da entidade, Márcia. Entre os colaboradores mais ativos, está o Lions Clube Liberdade, parceiro na organização de eventos como o Dia das Crianças e na montagem da brinquedoteca. No Dia do Voluntariado, a Tenco Shopping Centers também ajudou com a divulgação da entidade e sua importância. A associação, por meio do site www.abet.org.br e das redes sociais pela web, mantém um canal de comunicação aberto com pacientes, familiares e interessados em apoiar a causa, o que pode ser feito também pelo telefone (31) 3221-1244. Pelo site, é possível fazer doações em dinheiro. Se você quiser ajudar com material, a lista prioritária da Abet é leite em pó, café, Mucilon, Ninho 3+, papel toalha, açúcar, papel higiênico, brinquedo em bom estado, fraldas infantis (G e EX) e geriátrica (P e M) e dinheiro.

Desordem genética
Também conhecida como Síndrome de Bourneville-Pringle ou Epiloia, a esclerose tuberosa é uma desordem genética e, portanto, não contagiosa, provocada por anomalias nos genes TSC1 ou TSC2 dos cromossomos 9 e 16, respectivamente. As manifestações clínicas variam de acordo com o grau de acometimento dos órgãos afetados. Podem surgir lesões na pele, ossos, dentes, olhos, rins, pulmões, coração e sistema nervoso central. As lesões dermatológicas são geralmente na região facial (nódulos de cor vermelha ou cereja); as lesões retinianas atacam as camadas superficiais da retina; as cerebrais podem surgir como tumores e calcificações na região dos ventrículos do cérebro. Deficiência mental, epilepsia e hidrocefalia secundária completam o quadro. Os tumores cerebrais podem aparecer até os 20 anos de idade do paciente. A deficiência mental está presente em 70% dos casos, mas as convulsões, de difícil controle, surgem em cerca de 80% e quase sempre começam antes dos cinco anos. Os exames específicos para constatação e acompanhamento são os genéticos de cariótipo, a tomografia craniana computadorizada, a ressonância magnética nuclear e a craniografia.