Relação entre depressão e demência fica mais forte na velhice

Por isso, quadros de isolamento e de falta de apetite também devem ser investigados como presságio do Alzheimer

por Flávia Franco 06/08/2014 13:00

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

RECOMENDAR PARA:

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

CORREÇÃO:

Preencha todos os campos.

A relação entre doenças geralmente intriga médicos e cientistas. Quando os comprometimentos são psicológicos, ainda mais e principalmente, pela dificuldade do diagnóstico desse tipo de enfermidade. Um novo estudo traz mais luz à ligação já conhecida entre o quadro depressivo e a demência. Publicada na revista Neurology, a pesquisa indica que a associação entre as enfermidades fica mais evidente com os sintomas surgidos na velhice e independe das alterações cerebrais desencadeadas pela demência.

 

Leia também: Jogos de computador ajudam a tratar depressão em idosos, revela estudo

 

 

Estudos anteriores mostram que pessoas com depressão têm predisposição maior para desenvolver Alzheimer e outras deficiências cognitivas progressivas, mas não se sabe exatamente como isso ocorre, afirma o líder da nova pesquisa, Robert S. Wilson, do Rush University Medical Center de Chicago. “Os resultados são emocionantes porque confirmam que a depressão é um fator de risco (para a demência)”, explica.

Segundo Wilson, muitos cientistas estudam a afirmação de que a depressão é uma consequência do declínio cognitivo, mas poucos trabalham com outras hipóteses, como a de que ambos os problemas são manifestações da mesma neuropatologia. Isso ocorre, de acordo com ele, porque esse tipo de trabalho exige que dados sejam reunidos e monitorados durante um longo período de tempo.

DA PRESS
Grupo com 1.764 pacientes, com idade média de 77 anos, não apresentava nenhum tipo de problema de raciocínio ou de memória no início do estudo. Anualmente, os voluntários eram submetidos a uma avaliação para determinar se apresentavam sintomas de depressão (foto: DA PRESS)
Seguindo o caminho alternativo, Wilson e a equipe liderada por ele realizaram um estudo de caso envolvendo um grupo com 1.764 pacientes. Com idade média de 77 anos, os participantes não apresentavam nenhum tipo de problema de raciocínio ou de memória no início do estudo. Anualmente, os voluntários eram submetidos a uma avaliação para determinar se apresentavam sintomas de depressão, como solidão e falta de apetite, e se tinham as habilidades de memória e de raciocínio testadas. Os experimentos foram realizados ao longo de oito anos. Nesse período, 680 pacientes morreram, sendo que o cérebro de 582 foi autopsiado.

“O estudo mostra que mais de 50% dos participantes acabaram tendo um quadro depressivo, mas nem todos desenvolveram demência”, afirma Eduardo Mutarelli, neurologista do Hospital Sírio-Libanês. Avaliando os resultados obtidos pela instituição norte-americana, o especialista ressalta que a condição psiquiátrica pode, sim, ser um indício de demência, mas que isso não é uma regra. Na mesma linha, os pesquisadores concluíram que, na terceira idade, os sintomas depressivos têm associação com a queda de habilidades cognitivas, sendo que essas são independentes das características neuropatológicas da demência.

Análise ampla

A amostra grande de pacientes é o grande diferencial do estudo, afirma Mutarelli. “É muito raro conseguir fazer o exame anatomopatológico em tantas pessoas”, observa. O neurologista explica que a manifestação dos sintomas da depressão ocorre porque, em alguns casos, a pessoa pode estar no início da demência. “A depressão poderia ser o começo da doença cognitiva, mas não a causa”, afirma.

O especialista conta que, quando estão deprimidos, os pacientes naturalmente apresentam uma perda intelectual, mas, depois de tratados, essas funções voltam a funcionar normalmente. Isso também ocorre com pessoas que apresentam as duas enfermidades. “Se você tratar a depressão em uma pessoa com Alzheimer, certamente ela vai ter uma melhora porque as funções cognitivas vão funcionar melhor. Mas não é uma cura”, reforça.

Mutarelli conta o caso de uma paciente idosa que se queixava de problemas relacionados à perda cognitiva, como falha de memória. “Para mim, estava claro que o caso dela era uma depressão. Depois do tratamento, ela praticamente retomou a vida. Mas, depois de uns dois ou três anos, retornou ao consultório e foi diagnosticada com mal de Alzheimer”, diz. O especialista afirma que os sintomas depressivos foram um primeiro sinal da demência, que não estava completamente desenvolvida. “Essa condição progride lentamente. Então, quando a depressão surge como sintoma, a demência não foi identificada ainda”, explica.

A definição de depressão como fator de risco é a melhor alternativa, segundo Paulo Bertolucci, neurologista e professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Ela se sobrepõe em alguns casos, como o mal de Alzheimer, por conta de alterações neuroquímicas do cérebro e de outros sintomas, mas não causa a doença cognitiva”, afirma. O especialista explica que muitos idosos que estão deprimidos podem ter queixas de dificuldades com a memória, mas que isso não pode ser considerado um indicativo de demência. “Existe uma chance maior de pessoas depressivas desenvolverem a doença, mas porque a primeira se mostra como um sintoma da segunda, não como causa”, reforça.

Biópsia
Procedimento realizado para o diagnóstico de doenças e tumores a partir da análise macro e microscópica de amostras de tecidos e órgãos retirados de um pacientes. Também conhecido como biópsia, tem como finalidade definir e analisar a evolução de uma doença. A técnica consiste em colocar a amostra em uma lâmina de vidro e acrescentar corantes que permitam a visualização das estruturas dos tecidos no microscópio.