Estudo identifica ingrediente da 'obesidade saudável'

Pesquisa indica que o controle de uma enzima pode evitar que pessoas com excesso de peso apresentem problemas metabólicos como o diabetes tipo 2. O resultado abre portas para novos tratamentos voltados a esses pacientes

por Flávia Franco 07/07/2014 11:30

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A obesidade é uma doença que aflige pessoas em todo o planeta. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), desde 1980, o problema praticamente duplicou e, em 2008, já englobava uma larga parcela da população de adultos e crianças. Entre as principais consequências do excesso de peso, estão distúrbios metabólicos que aumentam o risco do desenvolvimento do diabetes tipo 2. Agora, um novo estudo, realizado por cientistas da Universidade Médica de Viena, na Áustria, em parceria com o Instituto Max Planck de Imunobiologia e Epigenética, na Alemanha, e outras instituições, encontrou pistas que podem esclarecer por que as pessoas com excesso de peso costumam se tornar diabéticas — e por que algumas não.

Publicado no jornal científico Cell, o estudo mostra a participação da enzima heme oxygenase-1 (HO-1) no desenvolvimento da síndrome metabólica. De acordo com Harald Esterbauer, líder da pesquisa, os fatores que levam aos problemas derivados da obesidade ainda não estão claros, mas outras pesquisas na área sugerem que uma adaptação inadequada a respostas imunes, chamada inflamação metabólica, desempenha um papel importante. Porém, pesquisas sobre o tema apresentam resultados conflitantes.

Anderson Araujo / CB / DA Press
Clique para ampliar e entender a pesquisa (foto: Anderson Araujo / CB / DA Press)
Segundo Esterbauer, acreditava-se que a HO-1 possuía propriedades anti-inflamatórias, mas, de acordo com o estudo, a ação da enzima é contrária. “Os resultados da pesquisa indicam que a HO-1 é necessária para o desenvolvimento de doenças metabólicas e revelam, também, que a enzima pode agir como um marcador para a determinação de obesidade ‘saudável’ ou não”, explica o pesquisador. Essa divergência surge do fato de que nem todo indivíduo obeso apresenta diabetes tipo 2, uma das doenças metabólicas mais associadas à obesidade. “Nem todas as pessoas obesas estão desenvolvendo diabetes tipo 2, apesar de ser um fator de risco. Há indivíduos que estão protegidos desses ‘efeitos colaterais’”, garante Esterbauer.

A perspectiva de uma forma da doença que seja saudável divide especialistas na área. Para Rosita Fontes, endocrinologista do Laboratório Exame, é possível, sim, um indivíduo ser obeso e manter os exames normais. “Alguns indivíduos não têm as alterações metabólicas que ocorrem na maioria dos casos. Essas pessoas parecem ter mecanismos genéticos que as protegem das consequências da obesidade e das doenças cardiovasculares associadas a elas”, explica. A médica afirma que, por causa dessa particularidade apresentada por alguns obesos, já existem vários testes genéticos visando a definir quais são os mais propensos a determinadas alterações.

Já para Ricardo Botticini Peres, endocrinologista do Hospital Albert Einstein, a afirmação de que existe uma forma de obesidade considerada saudável é um erro. “Não existe nenhum quadro da doença que seja saudável. Não é porque um indivíduo não apresenta consequências agora que isso signifique que ele vai conseguir manter esse quadro a longo prazo”, ressalva o médico. Peres reforça que a obesidade é uma doença crônica epidêmica que está se espalhando rapidamente. “Acontece de algumas pessoas não apresentarem exames alterados, mas não é possível garantir que não vá causar danos no futuro, e certamente haverá perda na qualidade de vida”, reforça.

Experimento
Com o intuito de esclarecer o que difere um obeso saudável de um não saudável, Esterbauer colheu amostras do fígado e do tecido adiposo de pacientes submetidos à cirurgia bariátrica. “Todos estavam livres de medicamentos e não apresentavam diabetes ou síndromes metabólicas”, explica. “Quando medimos os níveis de HO-1, observamos que esses indivíduos apresentavam taxas elevadas e se mostraram resistentes à insulina”, diz o pesquisador.

A partir dessa constatação, Esterbauer e sua equipe levaram a pesquisa adiante e realizaram experimentos com camundongos para determinar de que forma uma possível interferência na enzima alteraria o quadro metabólico das cobaias. Para isso, criaram modelos geneticamente alterados de ratos com obesidade. “Verificamos as respostas dos camundongos a injeções de glicose e insulina por via oral. O objetivo era levar as cobaias aos extremos para colher tecidos e realizar medições. Estudamos a perda de HO-1 em células de gordura, nos músculos e também nos hepatócitos e macrófagos, que são importantes na doença metabólica”, relata o pesquisador.

Os camundongos não apresentaram nenhuma alteração nas células de gordura e nos músculos após a inibição da HO-1, mas sinais de que a insulina foi preservada, e o fígado ficou protegido de danos, puderam ser vistos depois do procedimento. Para Esterbauer, esses resultados indicam que, apesar de obesas, as cobaias estavam saudáveis. “Descobrimos que a HO-1 é um forte marcador biológico de obesidade metabolicamente saudável em humanos, e isso pode ajudar no prognóstico da doença”, afirma o pesquisador. “Com essa descoberta, médicos podem usar intervenções especificamente direcionadas para prevenir o avanço da doença assim que surgirem os primeiros sinais de diabetes tipo 2”, reforça.

Cautela
O responsável pelo estudo afirma que o próximo passo da pesquisa é compreender melhor de que forma o HO-1 realiza o trabalho de controle do diabetes para, posteriormente, investir em novos medicamentos e tratamentos. Para os especialistas, é preciso cautela antes de debater o desenvolvimento de novas estratégias para combater a doença. “A conclusão dos autores é plausível à medida que, mesmo em humanos, o aumento da HO-1 é associado a algumas alterações metabólicas. É uma pesquisa promissora, mas estudos complementares precisam ser realizados, pois serão eles que definirão sua aplicação clínica”, reforça Rosita Fontes.

O trabalho com a enzima, para Ricardo Botticini Peres, apresenta uma boa perspectiva de tratamento, mas no futuro. “Esses estudos são realizados a nível celular, molecular, e os testes são feitos com animais. O interessante é que abre portas para novas pesquisas encontrarem substâncias que estimulem a produção da enzima, depois isso pode ser traduzido em tratamentos”, afirma o endocrinologista. Além do trabalho realizado por Esterbauer, Peres afirma que, por causa da crescente e preocupante manifestação da doença, existem diversos outros estudos que buscam novas formas de prevenção e combate à obesidade. “Pesquisas relacionadas à gordura marrom também são muito promissoras porque esse tipo de gordura estimula a queima calórica”, comenta.

Soraia Piva / EM / DA Press
(foto: Soraia Piva / EM / DA Press)
Em todas as idades

A estimativa realizada em 2008 pela OMS aponta para mais de 1,4 bilhão de adultos com mais de 20 anos e acima do peso. Entre esses, mais de 200 milhões de homens e 300 milhões de mulheres estavam obesos. De acordo com a OMS, indivíduos com Índice de Massa Corporal (IMC) acima de 25 estão com sobrepeso, e pessoas com a taxa acima de 30 são obesas. Em 2012, segundo dados reunidos pela organização, mais de 40 milhões de crianças com menos de 5 anos estavam com sobrepeso ou obesas. No Brasil, o Ministério da Saúde estima que cerca de 51% da população brasileira está acima do peso.

Interferência orgânica
Distúrbios metabólicos são doenças capazes de interferir nas reações orgânicas responsáveis pela manutenção da vida, pelo crescimento tecidual e pela produção de energia. O resultado de uma doença metabólica é o acúmulo ou a deficiência de determinadas substâncias, como proteínas, gorduras ou carboidratos no corpo, que, por sua vez, levam a alterações da função das células de vários órgãos e tecidos.