Cientistas descobrem que, diferentemente do esperado, maconha prejudica sono e aumenta cansaço

Autor não descarta o fato de que pessoas predispostas naturalmente à insônia procurem, na maconha, uma automedicação, o que explicaria a associação entre o hábito de fumar e a falta de sono

por Paloma Oliveto 13/06/2014 07:51

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Entre usuários, a maconha leva a fama de substância relaxante. Mas a cânabis está muito longe de merecer essa reputação. De acordo com pesquisa apresentada no congresso anual das Sociedades Profissionais do Estudo do Sono dos EUA, a erva, na realidade, causa insônia. Além disso, os cientistas descobriram que, quanto mais cedo se acende um cigarro, maiores os danos. Comparado aos que nunca experimentaram a droga, aqueles que começaram a fumar antes dos 15 anos apresentam duas vezes mais dificuldade severa para dormir quando chegam à idade adulta. Além disso, reportam duas vezes mais cansaço mesmo depois de uma noite de repouso e também sofrem em dobro com a impressão, ao longo do dia, de não estar completamente despertos.

A pesquisa, publicada na edição on-line da revista Sleep, analisou dados de 3.255 adultos, com idade entre 20 e 59 anos, que responderam a um questionário sobre consumo de maconha. Desses, 1.811 afirmaram que usavam ou já tinham usado a substância com frequência – média de três vezes por mês. Qualquer histórico de utilização da droga foi associado a um aumento de uma vez e meia no risco de sofrer insônia, mas sintomas como dificuldade para dormir ou manter o sono e o cansaço ao longo do dia foram duas vezes maiores quando o uso da droga teve início na adolescência.

EM / DA Press
A falta de sono não é o único efeito colateral a longo prazo da cânabis. De acordo com estudo publicado na revista Human Reproduction, homens jovens que usam a droga podem colocar a fertilidade em risco (foto: EM / DA Press)
“A maconha é extremamente comum nos Estados Unidos. Cerca de metade da população adulta já a usou em algum ponto da vida. Agora, é até mesmo legal em alguns lugares. Geralmente, as pessoas a descrevem como uma substância relaxante. Então, pensei que seria interessante ver se o uso frequente da droga estaria associado à qualidade do sono”, conta Jilesh Chheda, pesquisador da Universidade da Pensilvânia e principal autor do estudo. No início do ano, os estados americanos do Colorado e Washington legalizaram o consumo recreativo da maconha. O governo do Uruguai também liberou o uso da droga recentemente.

Causa indefinida
Chheda diz que, em princípio, achou que encontraria um resultado diferente na pesquisa. “No começo, pensei que a maconha estaria associada a uma melhoria na qualidade do sono porque é como ela é retratada por diferentes meios. Geralmente, pensamos que, de alguma forma, ela deixa as pessoas mais relaxadas e, por isso, sonolentas. Mas não foi o que constatei”, destaca. Segundo o médico do Departamento de Psiquiatria da Universidade da Pensilvânia, o que mais surpreendeu foi a associação com a idade em que o hábito foi iniciado. Os efeitos negativos da maconha sobre o sono perduram mesmo entre adultos, que, embora usuários frequentes na adolescência, já não fumavam há muito tempo.

“Ainda não sabemos dizer a causa disso”, reconhece Chheda. “O estudo procurou uma relação entre o consumo da maconha e a qualidade do sono, mas ele não é capaz de fornecer respostas sobre a casualidade, isso deverá ser investigado em pesquisas futuras”, diz. Ele diz que a droga pode provocar os distúrbios do sono, mas não descarta o fato de que pessoas predispostas naturalmente a contar carneirinhos procurem, na maconha, uma automedicação para seu problema, o que explicaria a associação entre o hábito de fumar e a falta de sono.

O pesquisador Mathias Berger, psiquiatra do Centro Médico da Universidade de Freiburg, na Alemanha, observa que é preciso fazer mais estudos sobre a associação entre insônia e maconha para tentar descobrir como as mais de 60 substâncias que compõem a droga podem atuar sobre o sono. “Não há pesquisas recentes suficientes sobre os efeitos da cânabis sobre o sono. Apenas o relato de sintomas por parte dos usuários não basta porque é um método subjetivo”, diz. Berger, que estuda a qualidade do sono em dependentes que tentam largar a droga, diz, contudo, que o resultado de polissonografias – exames feitos enquanto o paciente dorme – indicam alterações no cérebro dos consumidores de cânabis, principalmente durante a fase REM, quando ocorrem os sonhos.

Ele lembra que, nas décadas de 1970 e 1980, houve uma farta documentação dos efeitos da principal substância ativa da maconha, o THC, sobre a qualidade do sono, tanto durante o uso quanto na fase de abstinência da droga. A maior parte dessas pesquisas indicou que, embora algumas pessoas tivessem mais facilidade para pegar no sono após fumar, elas acordavam no meio da noite ou se sentiam exaustas no dia seguinte. “Esses estudos, porém, estão desatualizados e precisam ser refeitos. À medida que cresce o uso da maconha e alguns lugares legalizam o consumo, é preciso informar corretamente os usuários. Por enquanto, sabemos que a insônia surge na descontinuidade do uso de cannabis, mas ainda temos poucos dados confiáveis sobre a relação entre qualidade do sono e consumo da droga”, admite.

O coautor do estudo liderado por Jilesh Chheda concorda com o psiquiatra alemão. Um dos maiores pesquisadores do sono dos EUA, Michael Grandner, do Centro de Neurobiologia Circadiana da Universidade da Pensilvânia, acredita que os consumidores precisam entender os efeitos da maconha. “Como cada vez mais as pessoas têm acesso à cânabis, é importante entender as implicações de seu uso para a saúde pública. Seu impacto real sobre o sono é pouco compreendido”, defende.

Em análise no Brasil
O consumo da maconha poderá ser legalizado no país: em 2 de junho foi realizada a primeira série de debates sobre o tema, na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado. No Brasil, cerca de 1,5 milhão de adolescentes e adultos são usuários frequentes da maconha, segundo o Levantamento Nacional de Álcool e Drogas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Oito milhões já tiveram contato com a droga, sendo que 62% a experimentaram antes dos 18 anos.

Vício interfere na fertilidade
A falta de sono não é o único efeito colateral a longo prazo da cânabis. De acordo com estudo publicado na revista Human Reproduction, homens jovens que usam a droga podem colocar a fertilidade em risco. No maior estudo que investigou como o estilo de vida influencia o tamanho e o formato do espermatozoide, uma equipe de pesquisadores das universidades de Sheffield e Manchester, na Inglaterra, constatou que a morfologia do esperma é prejudicada pela maconha.

O estudo analisou dados de 2.249 homens que procuraram 14 clínicas de fertilização in vitro do Reino Unido. Os pesquisadores pediram que eles respondessem a questionários detalhados sobre o histórico médico e o estilo de vida. Os resultados mostraram que indivíduos com menos de 30 anos que fumaram maconha até três meses antes da coleta da amostra tinham duas vezes mais risco de produzir esperma com menos de 4% de espermatozoides normais.

“Nosso conhecimento sobre fatores que influenciam o tamanho e o formato dos espermatozoides é muito limitado, mas nossos dados sugerem que usuários da cânabis deveriam parar de usar a droga se planejam formar uma família”, disse Allan Pacey, professor de andrologia da Universidade de Sheffield e principal autor do estudo. Pesquisas anteriores sugerem que apenas esperma contendo uma boa morfologia das células reprodutivas masculinas é capaz de passar pelo útero, abrindo caminho até o óvulo que será fertilizado. Estudos em laboratório também indicam que espermatozoides com morfologia prejudicada se deslocam menos porque o formato anormal os torna menos eficientes.

Outros possíveis fatores de risco investigados na pesquisa inglesa não afetaram a fertilidade. “Ainda há poucas evidências de ajustes que precisam ser feitos no estilo de vida masculino para melhorar as chances de concepção”, disse Pacey. Embora agora os cientistas não tenham encontrado associação entre a morfologia do espermatozoide e os hábitos comuns, como consumo de álcool e uso de tabaco, ele esclarece que é possível que esses comportamentos influenciem outros aspectos que não foram analisados, como a qualidade do DNA contido na cabeça do espermatozoide.

Segundo Nicola Cherry, professor da Universidade de Manchester, além da cânabis, foram identificados outros fatores ambientais que estão associados a deformidades no tamanho e no formato de espermatozoides. Estudos anteriores apontam solventes de tinta e chumbo como substâncias capazes de comprometer a morfologia das células masculinas.