Por que o coração mata tanto?

A cada dois minutos, uma pessoa morre em decorrência de problemas do coração no Brasil. Novos tratamentos são promissores, mas não conseguem frear o crescimento dessas sombrias estatísticas. Só um fator seria capaz de reverter esse quadro: a prevenção

por Revista do CB 20/05/2014 08:01

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Zuleika de Souza/CB/D.A Press
Cirurgias menos invasivas e, ao mesmo tempo, que acessam estruturas mais delicadas e lesões mais complexas deram nova vida a Franscico de Araújo (foto: Zuleika de Souza/CB/D.A Press)
A diferença entre a vida e a morte está, muitas vezes, no acesso aos avanços da cardiologia. Há, inclusive, outros exames que podem salvar um paciente, como o de sangue para detectar a presença de um hormônio, o NT-proBNP, secretado pelos átrios e ventrículos do coração quando há um aumento de pressão e sinais de risco cardiovascular.

“A cardiologia evolui muito. Antes, 50% das pessoas que sofriam infarto, morriam antes de chegar ao hospital”, acredita Roberto Kalil, diretor do Centro de Cardiologia do Hospital Sírio-Libanês de São Paulo. Entre os ganhos, citam-se os cateteres cada vez mais finos, com 2mm de diâmetro que levam na sua ponta balões que esmagam essas placas de gorduras, permitindo que o sangue esteja novamente livre para circular. Os balões também estão mais diminutos, o que permite tratar lesões em vasos mais finos e artérias mais tortuosas. “A tecnologia de guias evita a cirurgia cardíaca, trata diferente tipos de lesões e aumenta a navegabilidade pelos vasos”, afirma Leonardo Cogo Beck, cardiologista intervencionista do Instituto de Cardiologia do Distrito Federal.

Com o intuito ainda de desobstruir a artéria do paciente durante as angioplastias, ainda são usados os stents, espécies de túneis aramados que mantêm a artéria dilatada. Eles são feitos atualmente com materiais mais modernos. Antes, de 20% a 30% deles formavam uma cicatriz ao redor do dispositivos. O risco era que essa cicatriz fechasse a artéria, provocando mais uma vez a dificuldade de o sangue passar.

A solução era administrar medicamentos antiagregantes plaquetários, que evitam a trombose. Atualmente, há stent elaborado com material bioabsorvível, que evita justamente a possibilidade de uma cicatrização.

Graças a cirurgias menos invasivas e que, ao mesmo tempo, acessam estruturas mais delicadas, seu Franscico de Araújo da Silva, 87 anos, pode hoje recontar a sua história. Em outubro do ano passado, ele foi vítima de um infarto. Já sofria com o entupimento das artérias, tanto que há oito anos fez uma cirurgia de ponte de safena e de mamárias. Os cuidados com o coração já fragilizado, porém, se restringiam a remédios e não ao controle da alimentação e ao aumento das atividades físicas como deveria ser.

Zuleika de Souza/CB/D.A Press
Janete Moreira, 72 anos, tem um pequeno computador implantado no peito, que dá um choque a cada descompasso do músculo (foto: Zuleika de Souza/CB/D.A Press)
Diabético, hipertenso e com colesterol alto, Francisco volta e meia comia um docinho e, como bom mineiro, não dispensava uma frango caipira caprichado com gordura. Um estilo de vida que o transformava em uma verdadeira bomba-relógio. O resultado do descaso veio com uma palpitação e uma dor no peito. “Ele só teve tempo de avisar nosso neto que estava morrendo”, conta a mulher de Francisco, Mirtes Andrade, 83 anos. Ele, na verdade, estava infartando.

A partir daí, foi um calvário de incertezas. Doze dias na UTI, 45 ao todo no hospital e um procedimento cirúrgico do qual “ele não sairia vivo por causa da idade’, diziam os médicos”, comenta Mirtes. Se a cirurgia, para desobstruir os vasos entupidos de seu Francisco, fosse de peito aberto, como era a única alternativa até alguns anos atrás, ele realmente não teria condições de sobreviver por causa de sua condição física. Mas ele pôde ser submetido a um procedimento que passa um cateter pela virilha e com um fino fio vai desobstruindo os vasos.

Hoje está bem. Só não em condições perfeitas de saúde porque durante a operação um coágulo se desprendeu e provocou um acidente vascular cerebral. Francisco ficou com uma franqueza nas pernas, uma dificuldade nos movimentos finos das mãos e enrola a língua um pouco para falar. Mas aos poucos se reabilita e já entendeu que precisa mudar de vida. Agora, se adapta à comida sem sal e procura dar, ao menos, os poucos passos dentro de casa que o AVC ainda lhe permite, para que o corpo não fique parado.

Depois do infarto, considerando o contexto das doenças cardiovasculares, o maior vilão da saúde do coração é o AVC. Isso acontece porque, quando o coração bate descompassado, ou seja, sofre da chamada fibrilação arterial, o sangue não flui da maneira que deveria e acaba formando coágulos. Essas placas de sangue podem se deslocar e cerca de 45% delas acabam passeando pelos vasos e indo parar no cérebro, provocando o derrame, que poderá ter sérias sequelas limitantes. Para ter uma ideia de como o coração doente coloca o paciente em risco, a arritmia aumenta em cinco vezes a chance de a pessoa ter um AVC.

“Nesses casos, existem muitas recomendações já aceitas pelas sociedades de todo o mundo. É necessário fazer, por exemplo, uma avaliação preventiva, a partir dos 40, 45 anos, quando a incidência desses problemas aumentam, especialmente nos indivíduos de risco, como filhos de hipertensos, pessoas acima do peso, diabéticos, que devem ser controlados severamente”, alerta Ricardo Pavanello, supervisor da cardiologia do HCor e médico do Instituto Dante Pazzanese, de São Paulo.

Para quem já tem o problema identificado, uma das alternativas de tratamentos, a chamada prevenção secundária, são os modernos anticoagulantes, que evitam o problema. “Antes, era preciso monitorar o paciente que tomava esses antiplaquetários, que sofriam interação com outros medicamentos ou com alimentos. As novas drogas não têm tais limitações”, acrescenta doutor Ricardo.

Quando o coração inventa um ritmo próprio, a saúde fica comprometida. Bater devagar demais é tão problemático quanto bater de maneira apressada. Acelerar significa não ter tempo suficiente para o sangue circular e chegar ao cérebro. “E tudo que trabalha com exaustão pifa”, resume a cardiologista Edna Marques de Oliveira. Para corrigir esses batimentos anormais, que podem ser a taquicardia ou a fibrilação atrial, o paciente precisa conviver com uma espécie de pequeno computador implantado no peito, que tenta reverter o problema toda vez que o músculo descompassar.

Os cardiodesfibriladores implantáveis (CDIs) são cada vez mais leves, funcionam à bateria e dão um choque no paciente quando o coração acelera demais. É o lembrete de que, se a máquina não estivesse ali conectada, talvez não existisse mais a chance de vida. “Alguns pacientes, inclusive, ficam muito abalados emocionalmente quando recebem o choque porque acabam pensando nessa possibilidade”, comenta a doutora Núbia Welerson Vieira, diretora do Instituto de Cardiologia do Distrito Federal.

A fala sem pausas da dona de casa Janete Gomes Moreira, 72 anos, cheia de boas histórias para contar, não dá sinais de tristeza, porém. Ao contrário, ela celebra a chance de viver a cada dia, graças a uma “ligação direta” no coração. “Definiram que meu problema era a bateria do coração que estava indo embora. Tinha dois fios queimados entre quatro”, conta, ao se lembrar da explicação simbólica do médico.

Arquivo Pessoal
O coração de Rosa Helena Hincapie, 70 anos, é monitorado por computador: ela mora na Colômbia, e o médico, em Brasília (foto: Arquivo Pessoal)
Na prática, em 2007, os desmaios inesperados de Janete foram associados ao estresse e ao cansaço. O marido acabava de enfrentar um câncer, e a família estava exaurida. Mas, na verdade, a fraqueza do corpo era consequência de um coração que perdia literalmente sua energia. Janete foi diagnosticada com arritmia. Teve duas paradas cardíacas e, se tivesse mais uma, podia ter o azar de não ter o coração batendo outra vez. Na família dela, uma lista de parentes teve problema cardíaco. Morreram do mesmo mal. Por isso, ela sempre se cuidou, mas nunca teve nada diagnosticado.

Quando veio a arritmia definida, precisou colocar o CDI. E também foi obrigada a mudar de hábitos. Agora tem de se cuidar ainda mais e acompanhar de perto a carga da bateria do equipamento que garante as batidas de seu coração. Caminha, faz hidroginástica. Nada de sal na comida. Sente falta mesmo é do pastel e do cozidão caprichado que fazia. Mas, em nome da saúde, não arrisca a exageros gastronômicos. Evita grandes esforços físicos e não deixa de tomar os medicamentos. O resto da receita é manter sempre o bom humor e a boa prosa.

Depois de sofrer nada menos que 93 paradas cardíacas, Rosa Helena teve implantado o CDI para contornar o seu problema de arritmia cardíaca. Ela só sobreviveu ao infarto porque é filha de cardiologista, que rapidamente reconheceu os sintomas que a mãe diabética e hipertensa se queixava. Foi já dentro do hospital que o coração dela insistia em parar de bater consecutivas vezes. Não parou, porém.

 Para evitar mais sustos, no entanto, ela implantou o dispositivo que colocaria os batimentos cardíacos em sintonia e passou a ser acompanhada semestralmente pelo cardiologista. Com um leitor especial, ele verificava o quanto de carga o CDI tinha e se o coração tinha acelerado alguma vez nesse período.

Até que, no ano passado, o aparelho foi trocado pelo home monitoring. Vale a mesma função de corrigir o ritmo do coração que teima em se apressar sem aviso ou razão aparente. A diferença é que ele é monitorado, via internet, 24 horas por dia. Rosa mora na Colômbia, mas ela deixa um roteador na cabeceira da sua cama. Dessa forma, o médico recebe todas as informações do coração dela em Brasília. Qualquer pane, ele fica sabendo na hora e recomenda imediatamente os cuidados a serem tomados. “Quando implantaram o aparelho, não podia acreditar que podiam me monitorar do Brasil. É uma tranquilidade para mim, que moro sozinha em um apartamento e não conto com uma companhia para qualquer necessidade”, tranquiliza-se a senhora, que está nos Estados Unidos visitando a filha, mas levou o aparelho com ela para que o cardiologista não deixe de acompanhá-la a distância.