Medicina busca desenvolver teste que aponte o risco de suicídio

No mundo todo, estima-se que 1 milhão de pessoas morram ao ano em decorrência do suicídio

por Paloma Oliveto 07/05/2014 11:30

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A indiana criada nos Estados Unidos Sri Viswanathan começou a dar sinais de instabilidade emocional aos 10 anos. Os períodos de depressão eram alternados com euforia, em um quadro clássico de transtorno bipolar. “Ela sofreu os terríveis altos e baixos de humor por 24 anos, sozinha e com pouco apoio. A falta de um diagnóstico e de um tratamento a tempo fez com que ela não tivesse alívio em seus pensamentos, até seu último ato de desespero”, conta o médico de família Byravan Viswanathan, pai da jovem, uma reconhecida e elogiada professora de cálculo da rede pública de Arlington, no estado da Virgínia.

Em dezembro de 2012, Sri desistiu do sofrimento. Além do luto pela perda da única filha, Byravan se remoía com pensamentos e sentimentos comuns aos parentes de pessoas que tiram a própria vida: como não foi capaz de perceber que Sri pedia socorro? “Sendo eu mesmo um médico e perdendo a chance de diagnosticá-la, além de não estar lá para apoiá-la, é uma culpa imensurável. Seus muitos gritos por socorro passaram em branco; não conseguimos avaliar a importância e a seriedade do diagnóstico”, lamenta o médico. Desde então, ele se dedica a ajudar jovens em risco. “É o que posso fazer em memória da minha filha e, talvez, cada alma salva seja uma ressurreição de uma alma que partiu cedo demais”, avalia.

Embora a sensação de culpa que devastou o médico seja natural nesses casos, os psiquiatras afirmam que os familiares não devem se responsabilizar por não terem previsto um suicídio iminente. Há um consenso de que existem fatores de risco (veja quadro), mas apenas isso é insuficiente para afirmar se o paciente vai ou não atentar contra a vida. Por isso, no futuro, biomarcadores poderão ser úteis nessa tarefa, de acordo com um artigo publicado na revista The Lancet Psychiatry.

EM / DA Press
Pesquisadores identificaram diferenças na expressão genética dos que relatavam, com mais intensidade, os pensamentos suicidas (foto: EM / DA Press)
No mundo todo, estima-se que 1 milhão de pessoas morram ao ano em decorrência do suicídio. “Precisamos de ferramentas confiáveis, que faltam hoje em dia, para detectar os pacientes suicidas em potencial e tratá-los adequadamente, de forma a evitar essas mortes”, defende Kees van Heeringen, psiquiatra da Universidade de Gent, na Bélgica, um dos autores do artigo. De acordo com ele, a maior parte das pessoas com algum distúrbio psiquiátrico jamais manifesta um comportamento suicida. “Apenas ter uma doença mental não quer dizer que a pessoa está condenada ao suicídio. Por outro lado, muitos suicidas não tinham diagnóstico de pacientes psiquátricos. Nós temos que desenvolver testes clínicos que ofereçam biomarcadores genéticos e cerebrais para detectar essas pessoas”, acredita. Segundo Van Heeringen, o ideal seriam exames de sangue e de imagem, que oferecessem pistas confiáveis a respeito do risco de atentado contra a própria vida.

O psiquiatra John Mann, pesquisador da Divisão de Neuropatologia e Imagem Molecular da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, conta que estudos post mortem do tecido cerebral e exames genômicos e de imagem realizados em pacientes vivos mostram que é possível detectar alterações sugestivas de um comportamento suicida. “Muitas pesquisas já indicaram que importantes deficiências no sistema do neurotransmissor serotonina, detectáveis por exames de sangue e imagem específicos, aumentam o risco desse comportamento”, diz. A serotonina é uma substância química produzida no cérebro, e desequilíbrios em sua produção e captação estão por trás de uma série de distúrbios psiquiátricos, como a depressão.

Cortisona
Outro biomarcador, segundo Mann, é o nível de cortisona, considerado o hormônio do estresse. Isso é provocado por um desequilíbrio em sua produção no cérebro. “Defeitos nessas redes se manifestam com dificuldades para controlar o humor, o pessimismo e traços agressivos. Também geram incapacidade de resolver problemas, reação anormal a sinais sociais negativos, dor emocional excessiva e idealização do suicídio. Em conjunto com fatores ambientais, esses fatores são indicativos confiáveis de um comportamento suicida. Por isso, os biomarcadores relacionados ao cortisol e à serotonina poderão ser importantes ferramentas para a detecção de pacientes em risco. Essa detecção é essencial para que psiquiatras e psicólogos, juntos, escolham abordagens mais personalizadas e efetivas”, afirma John Mann.

O médico esclarece que não se trata apenas de medir os níveis de substâncias químicas produzidas no cérebro. “Exames clínicos de prevenção precisarão indicar alterações na estrutura de diversos grupos celulares. A análise do tecido cerebral de pessoas que cometeram suicídio mostra claramente que alguns tipos de células localizadas no cérebro passam por mudanças estruturais e fisiológicas”, diz. A ressonância magnética funcional é um exame que permite visualizar a atividade celular em certas regiões do cérebro. Aliada a técnicas de neuroimagem molecular, John Mann explica que ela é capaz de mostrar distúrbios nos sistemas de neurotransmissores características do comportamento suicida.

O que se sabe: Os 10 maiores riscos de autoextermínio
» Mais homens cometem, mais mulheres tentam
» Quanto mais velho, maior o risco
» Depressão e distúrbio bipolar aumentam em 15 vezes as chances
» Tentativa anterior é o maior risco de todos
» Metade dos que tentaram usaram álcool momentos antes
» Perda do pensamento racional
» Falta de apoio social
» Organizar um plano
» Não ter filhos nem cônjuge (ter filhos diminui o risco especialmente para mulheres)
» Doenças, principalmente aquelas que levam à dor crônica e a impedimentos funcionais

Pistas em exames de sangue

“É um grande problema para a psiquiatria, para a sociedade, para as famílias… E não temos, hoje, marcadores objetivos para o suicídio”, observa Alexander B. Niculescu III, psiquiatra da Faculdade de Medicina de Indiana que pesquisa testes clínicos para identificar pacientes em risco. Ele lembra que, no geral, as pessoas não revelam pensamentos de autoextermínio a seus médicos e terapeutas. “Dificilmente, elas dizem que sim quando você pergunta. Então, não há nada que possamos fazer a respeito. Precisamos, urgentemente, de novas formas de identificar, intervir e prevenir esses trágicos casos”, diz.

Em seu laboratório, ele identificou bimoarcadores de RNA no sangue de pacientes bipolares que poderão ajudar, no futuro, a diagnosticar aqueles em risco de suicídio. Durante três anos, Niculescu acompanhou um grupo de indivíduos com o transtorno de humor. Eram realizadas entrevistas individuais e, a cada três meses, os participantes forneciam amostras de sangue.

Os pesquisadores identificaram diferenças na expressão genética dos que relatavam, com mais intensidade, os pensamentos suicidas. Em seguida, Niculescu analisou o sangue de pessoas que haviam tirado a própria vida — as amostras foram retiradas para exames de legistas. As mesmas alterações no RNA estavam presentes. “Isso sugere que os marcadores poderão ser usados para identificar pacientes em risco. Mas temos de ter cautela: são necessários muitos outros estudos antes de utilizarmos um exame de sangue para prever esse comportamento”, observa.

Multifatorial
O psiquiatra Kees van Heeringen, pesquisador da Universidade de Gent e autor do artigo publicado na The Lancet Psychiatry, explica que, caso seja possível desenvolver exames confiáveis de detecção de pacientes em risco de suicídio, sozinhas essas ferramentas são inúteis. Ele lembra que o ato de atentar contra a própria vida é um problema complexo e multifatorial. Não se trata apenas de alterações fisiológicas, diz o médico, mas de um conjunto de possíveis predisposições genéticas e questões ambientais. De acordo com Heeringen, também não se pode dizer que as mudanças verificadas no cérebro dos suicidas são a causa do problema. “O sucicídio ainda nos desafia, é um mistério para a medicina”, confessa. (PO)