


Lá fora, segundo Lucas, parto via vaginal com bebê sentado é uma rotina. “Aqui no Brasil, o bebê não rodou, marca-se a cesariana e faz”, reforça. Outro fator que influencia a falta de experiência dos obstetras brasileiros com o parto pélvico é que a incidência é pequena: varia entre 3 a 5%. “Um médico, mesmo em uma maternidade grande e de muito movimento, tem chance mínima de assistir um parto pélvico”, afirma o especialista. Lucas, que é obstetra do Hospital Sofia Feldman, a maior maternidade do Brasil com 900 partos por mês, conta que, por lá, tem parto pélvico o tempo todo. “Nascem uns quinze por mês. Os médicos mais velhos de casa têm grande experiência e não têm temor”, relata.
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Sobre a indicação de cesariana depois que a mulher já passou por outras anteriormente, Lucas Barbosa explica que o risco de rotura uterina é de, no máximo, 2%. “É um risco pequeno que não impede gestante nenhuma de tentar o parto via vaginal. A única exigência é que seja intra-hospitalar por que, se uma mulher tiver uma rotura uterina em casa, é 100% de chance de óbito neonatal e a mãe corre risco de morrer em função da hemorragia”, alerta.
Por tudo isso, para ele, não existe motivo para taxar Adelir de louca, irresponsável, uma mulher que ‘podia ter matado o bebê’. “A juíza teve uma orientação médica incorreta. No Brasil vivemos a realidade de a mulher ter que brigar para ter parto normal. O parto é um acontecimento da mulher, não é um procedimento médico ou do hospital. Tem que respeitar o desejo dela. Evidências científicas mostram que a sensação de segurança é muito importante para a mulher em trabalho de parto. Qualquer mamífero, em situação de estresse, libera hormônios que são deletérios para a contração uterina. Por isso é importante o silêncio, pouca luz, mais introspecção. Violência obstétrica é isso: desrespeitar a mulher durante um momento crucial da vida dela que é o trabalho de parto”, avalia.
Para ele, a situação vivida por Adelir serve para escancarar que chegamos a um patamar inaceitável de cesarianas. “Tanto para a saúde da mãe, quanto para a saúde do bebê, a literatura científica corrobora que a cesariana é um procedimento mais arriscado”, frisa. Lucas Barbosa, lembra, entretanto, que não é o caso de condenar o procedimento e reforça: “a cesariana é a cirurgia que mais salvou vidas na humanidade, desde que com indicações muitos precisas”.
Manifestação em BH
Pollyana do Amaral Ferreira, é administradora de rede, doula, mãe de duas meninas, grávida de um terceiro e uma das organizadoras da manifestação em Belo Horizonte. Para ela, a discussão sobre a via de parto é secundária. “O objetivo é chamar a atenção sobre o desrespeito da autonomia da mulher na gestação e no parto. Ficou constatado que a violência obstétrica chegou à esfera judicial. Adelir foi impedida de exercer o direito de escolher como sua filha viria ao mundo, foi negado a ela o direito ao acompanhante. Retiraram dela o direito de escolher onde aconteceria o nascimento - quando os policiais chegaram para executar o mandado, ela manifestou a vontade de ir para outra maternidade. Antes, a coação era feita de forma velada, mas agora, ficou constatado como a mulher é vista na sociedade, tudo foi evidenciado. Nenhuma hora é mais a hora da mulher do que o momento de ter o filho. Essa decisão ameaça o direito de todas as outras mulheres”, afirma.
O caso recebe atenção das esferas públicas. O deputado federal Jean Wyllys acatou a denúncia de violação aos direitos humanos e violência obstétrica no caso de Adelir feita pela Artemis (Aceleradora Social pela Autonomia Feminina) e convocou audiência pública para discussão do tema (veja o documento na íntegra).

Parto natural com bebê pélvico
Elis Fernanda Gonçalves Ferreira, 30 anos, é atriz e arteeducadora e mãe de Bella, 6 meses

Aqui na minha cidade, duas mulheres já tinha tido seus bebês em casa e, eu e meu marido, trocamos experiências com os dois casais. Meu receio com o parto domiciliar passou e achei seguro não avisar meu médico da minha intenção. Só quem sabia éramos eu, o pai da Bella e minha mãe, nem para minhas irmãs eu contei. E segui com o pré-natal inteiro o médico dizendo que seria possível o parto via vaginal. Com 37 semanas, descobrimos que minha filha estava sentada, com peso estimado de 4,100 quilos. Meu médico já queria marcar a cesariana para a semana seguinte, mas aceitou, depois que eu pedi, esperar que eu entrasse em trabalho de parto. Como o parto domiciliar não é recomendado em situações de bebê pélvico, fui para Belo Horizonte visitar o Hospital Sofia Feldman. Com 38 semanas, retornamos a BH e tentamos a manobra de versão cefálica (para colocar a criança na posição correta), mas a Bella não virou e o médico achou arriscado forçar mais. Eu e meu marido retornamos para casa. Era uma quinta-feira, mas no sábado já estávamos de volta à capital e tivemos o apoio financeiro da família para permanecer na cidade até o nascimento. Nessa fase, já tinha abandonado o médico do pré-natal e fiquei tentando os exercícios para fazer o bebê virar. Ela não virou e foi quando eu desisti que ela virasse: ‘Ela queria vir assim, e dois dias depois, ela veio’.
Mesmo no Sofia Feldman, sabia que não eram todos os médicos que topavam o parto pélvico e eu tinha uma lista daqueles que aceitavam. Quando dei entrada no hospital, às 0h30, o plantonista me sugeriu a cesariana, mas como queríamos o parto natural, achei melhor esperar a troca de plantão – que aconteceria às 7h – porque o médico que chegaria era um dos que topava o parto via vaginal com bebê sentado. Depois que fui internada, as cólicas foram aumentando e fui acompanhada a noite toda pelas enfermeiras de plantão que me tratavam com muito carinho.
O tempo todo elas escutavam o coração da minha filha, mediam a dilatação e diziam que o trabalho de parto estava evoluindo bem. Mesmo assim, me deixaram preparada psicologicamente para a necessidade de uma cesariana, mas eram sempre esperançosas. Após a troca de plantão, às 7h, o médico que fez meu parto chegou e brincou: ‘deixa eu ver quem é a corajosa’. Fiquei na banheira a maior parte do tempo, mas quando comecei a sentir as ‘contrações de puxo’, pediram para eu sair pelo fato de o bebê estar pélvico e ser necessário fazer uma manobra para ajudar.
Meu parto foi assistido por muita gente. Próximo ao nascimento da Bella, a equipe da cesariana chegou e organizou os procedimentos para o caso de ser necessário a cirurgia, mas depois que eu deixei a banheira, não demorou muito e minha filha nasceu.
O período expulsivo foi curto, saiu o corpo inteiro e só depois a cabeça. A equipe toda vibrou. Eu não me esqueço dessa imagem tão bonita um pouco antes da Bella nascer: tinham umas 15 pessoas na sala e estava todo mundo parado, sem fazer absolutamente nada, esperando a hora que ela ia chegar, a hora do meu corpo, a hora que ela decidisse sair. Até para escutar o coração da Bella na banheira, a enfermeira colocava uma luvinha no aparelho para ouvir dentro da água e não ter que mudar de posição. Não te anestesia, não teve ocitocina, não teve episiotomia (corte do períneo). Foi tudo natural.
A Bella nasceu com 4,115 quilos e 52cm. O medo sempre passa na cabeça e passou tanto na minha quanto na do meu marido. Sérá que vai dar certo? Só que a gente não externava um para o outro, conversamos sobre o medo depois. A gente ficava bravo quando algum familiar falava que tudo caminhava para cesárea, mas descobrimos a nossa força para topar esse parto natural pélvico. ‘00% de certeza a gente não tem, mas alguma coisa dentro da gente traz a coragem. Acho que me ajudou muito não falar sobre o medo.
Eu acreditava no meu corpo e acreditar que o parto normal é a natureza agindo de forma normal. Durante todo o trabalho de parto eu não senti medo. Eu tive uma laceração e precisou dar pontos.
Minha cidade é pequena, e todo mundo sabia o que tinha acontecido. Eu ouvia das pessoas: ‘Tadinha, deve ter sofrido muito’. Só que eu não sofri. O que eu considero que dói mais são as contrações, a saída da Bella foi um momento de alívio. Por que ela estava sentada eu sofri mais? Não, ela saiu quase que de uma vez".
Duas cesarianas e um parto normal
Tatiane Maria da Costa Lopes, fonoaudióloga, 30 anos, é mãe de Heitor, 4 anos, Filipe, 2, e Elisa, 3 meses

Eu engravidei muito rápido após a gestação do Heitor. Eu quis tentar logo achando que ia demorar. Quando ele estava com oito para nove meses, veio a notícia. Eu tinha a mentalidade de que uma vez cesárea, sempre cesárea. E assim foi o Filipe. Foi praticamente marcado, eu achava que não podia entrar em trabalho de parto e que poderia acontecer alguma coisa comigo ou com ele, que podia romper o útero... Não sabia que podia ser parto normal.
Na gestação da Elisa, já tinham se passado mais de dois anos da segunda gravidez. Ela também foi planejada. Soube da experiência de uma amiga minha que, após duas cesarianas, teve o terceiro filho de parto normal. Eu tinha um desejo muito grande de viver a experiência do parto normal. Quando cheguei a 15 semanas de gravidez, comecei a pesquisar. Perguntei para minha médica sobre a possibilidade e ela me disse que nenhum hospital permitiria, só que eu sabia que era possível. Então, contatei uma doula por e-mail que me passou o contato de uma enfermeira obstétrica. Nesse momento, eu já sabia que era isso que eu queria e corri atrás de pessoas que me apoiavam. Com 36 semanas, tive um alarme falso de trabalho de parto e sabia que, dessa vez, tinha que ir para o hospital no momento certo, já em trabalho de parto avançado. Cogitei parto domiciliar, mas os profissionais que me acompanhavam acharam mais prudente ir para o hospital.
Com 40 semanas e dois dias, à noite, as contrações começaram a ritmar e ficarem mais fortes. Liguei para a enfermeira obstétrica. Ele me examinou e viu que já estava em trabalho de parto ativo, de 5cm para 6cm de dilatação. Fui para o hospital já amanhecendo. Em torno das 8h fui para a banheira, é um anestésico natural, praticamente não sentia mais dor. Às 10h06min, a Elisa nasceu, de forma completamente natural, sem anestesia, sem nenhuma intervenção.
Meu marido me apoiou sempre. Pessoas de fora, sem informação, me achavam um ET. Mas era algo que eu desejava muito. A dor do parto natural nem se compara à dor das minhas duas cesarianas. Foi muito tranquilo.
Eu fiquei mais de uma semana parecendo que estava flutuando. A recuperação é muito mais tranquila. Tive apenas uma laceração bem superficial e levei alguns pontos externos. Minha filha nasceu dentro da bolsa e não fiquei longe dela nenhum momento após o nascimento. Dá até vontade de ter outro para viver a experiência novamente”.
Três cesarianas e um parto normal
Petrina Nogueira, 40 anos, professora, mãe de Pedro, 22 anos, Maria Carolina que faleceu, Isabel, 17, Lívia, de 5, e Miguel, 3

Tive total apoio do meu marido, mas meu filho mais velho tinha muito medo de eu morrer. Foi tenso, a família não apoia, a pressão é grande. Aqui no Brasil, depois de três cesarianas, faz-se ligadura de trompas. Como, então, os médicos vão saber o que acontece depois de três cesáreas? Me apoiei na medicina baseada em evidências científicas que mostrava que a chance do útero se romper é menor que 2%. Sou matemática, eu tinha 98% de chance de sucesso e matematicamente isso significa sucesso. Os protocolos hospitalares brasileiros fazem muito terror em cima disso.
Eu fiz um vídeo – que está publicado no Youtube – em que relato minha experiência e me deixa feliz saber que, após a minha história, temos outras mulheres no Brasil que também conseguiram”.