Poliamor tem conquistado cada vez mais adeptos

Amplamente estudado por especialistas, o amor múltiplo pode envolver três, quatro ou até mais pessoas

por Rafael Campos 24/10/2013 09:30

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Quantas alianças cabem em um dedo anelar? Aos que creem no amor monogâmico — e, sob esse olhar, eterno —, apenas uma. Ao optar pelo “sim”, poucos casais imaginam que um terceiro elemento possa entrar na relação. Muitos encaram o relacionamento convencional como a celebração do sentimento. Outros, como imposição social. E vivem um casamento em que dois querem ser um. O bombeiro militar Marcelo Santos, 26 anos, não pensa assim. Depois de viver um relacionamento com outras quatro pessoas (três mulheres e mais um homem), ele entendeu que sua capacidade de amar não era restrita a apenas um, mas a vários alvos.

“Quando percebi que tinha esse tipo de sentimento dentro de mim, busquei reprimi-lo, pois considerei errado devido às travas sociais. Depois, uma amiga me falou do termo poliamor e comecei a pesquisar. Há seis meses tenho certeza que esse é o meu caso.” O poliamor é uma definição nova para algo antigo: as relações que envolvem não apenas duas, mas três, quatro ou mais pessoas.

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O escritor Jorge Amado já abordou o assunto em um de seus romances mais conhecidos: Dona Flor e seus dois maridos. Na foto, cena da minissérie da Rede Globo (foto: Divulgação)
A diferença, atualmente, é a forma como todos lidam com essa decisão. “É uma nova forma de conjugalidade: é um modelo de relacionamento em que qualquer pessoa pode amar e ser amada, desde que haja consentimento entre todos os envolvidos”, explica Sandra Elisa de Assis Freire, doutora em psicologia pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e, atualmente, pesquisadora do poliamor. Ela é direta: a poliafetividade não é o fim da monogamia. “A discussão atual existe para tirar essas pessoas do armário. É apenas uma outra forma de amar.”

Aceitar-se como poliafetivo não envolve apenas o entendimento de si. Diferentemente de assumir a própria sexualidade, nesse caso, muitas vezes, é preciso convencer os pares que a experiência pode ser válida. Ou tentar desvendar o poliafetivo no outro. Esse não foi o caso do ex-marido da supervisora administrativa de recursos humanos Andreza Hack de Abreu, de 37 anos. Ela viveu por 11 anos um casamento no qual foi traída várias vezes, ao ponto de o ex-companheiro ter tido dois filhos com outra mulher. Ela garante que esse momento, em vez de traumático, a fez perceber que dividir o outro era algo buscado desde muito nova.
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Cena do curta-metragem Poliamor, do diretor José Agripino (foto: Divulgação/D.A Press)

“Acho que todos na adolescência já se sentiram divididos entre dois amores — eu, pelo menos, sim. Antes de conhecer esse termo, poliamor, achava que era saber separar o amor do sexo com os ‘outros’. No meu casamento, os momentos em que ele estava comigo me bastavam. E, quando não estava comigo, eu sabia que estava na casa da ‘fulana’, mesmo ele não admitindo.” Hoje, ela mantém uma relação poliafetiva de fato, na qual os termos são conversados entre os três — ela, uma amiga e outro homem —, sem a sombra de uma relação extraconjugal.

“A experiência é maravilhosa, realmente não me imagino mais numa relação ‘normal’, ou até mesmo hipócrita, diria. No poliamor, temos a distinção de lealdade e fidelidade.” A grande dificuldade dos que decidem aceitar a poliafetividade é mostrar que ela não nega o amor. As idealizações que envolvem o amor romântico tendem a crucificar quem foge dele.

"A discussão atual existe para tirar essas pessoas do armário. É apenas uma outra forma de amar.” - Sandra Elisa de Assis Freire, doutora em psicologia pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e, atualmente, pesquisadora do poliamor

Assista ao curta-metragem Poliamor, de José Agripino:



Monogomia sequencial
Para o advogado e psicólogo Luiz Fernando Carvalho Maciel, a tendência é que haja, cada vez mais, diversificação nos tipos de relacionamento, que vão além dos relacionamentos poliafetivos. Essa diversificação, inclusive, é que garante a manutenção do amor romântico. Isso, afirma ele, se reflete nas decisões judiciais que, cada vez mais, se adaptam e se adequam às novas realidades sociais surgidas. A Justiça tem olhado com outros olhos, inclusive, os casos de relacionamentos extraconjugais. “Atualmente, vivenciamos uma época em que aparece com um certo padrão a denominada ‘monogamia sequencial’, caracterizada por mais de um relacionamento ‘monogâmico’ no decorrer da vida. Mas tal padrão não excluiria outras possibilidades, como o poliamor. E sempre vão existir aqueles que buscam um amor romântico.” As questões judiciais, inclusive, são um dos maiores problemas que afetam os que mantêm relações poliafetivas. A novidade do termo não exclui milhares de mulheres tidas como amantes e que, quando perdem o companheiro, não têm direito algum. “O nome é novo, mas a realidade é antiga. A reação dentro de uma sociedade extremamente conservadora, como a nossa, é a tendência a não reconhecer nenhum direito à essa outra. Tudo que fugia ao modelo convencional não era reconhecido. É uma forma de punir: eu te condeno a não existir e não te dou direito nenhum”, garante a advogada e juíza aposentada Maria Berenice Dias. Para ela, não se pode negar a poliafetividade nesses casos, já que, na maioria deles, as duas mulheres sabiam do que estava acontecendo. “Não há como falar em família, mas em famílias. Elas existem fora do casamento. No momento em que o homem mantém duas famílias, ele precisa ser responsabilizado pelas duas. A Justiça é conivente com esse homem. Acho uma postura absolutamente equivocada e antiética. É a consequência perversa dessa condenação à invisibilidade.”


Preconceito e liberdade
As questões jurídicas ficam truncadas quando o casal em questão é homossexual. Mas para Mário, 25 anos, e Luiz (nomes fictícios), 30, o mais importante é manter o diálogo dentro de casa. Com seis anos de relacionamento, os dois compreendem a separação entre desejo e amor e conseguem manter pequenos momentos com outras pessoas em uma forma de poliamor que, não necessariamente, exige um relacionamento longo. “Tivemos apenas um caso em que ficamos quase namorando alguém, por três meses. Era um amigo que já tínhamos e que, depois de muita conversa sobre isso, rolou um interesse entre os três e começamos a ficar. A gente se aproximou naturalmente”, afirma Mário. Eles contam que essa não era uma busca na relação e que, ao começarem a sentir essa vontade, prontamente dialogaram para, juntos, compreenderem os desejos um do outro.

Para Luiz, essa compreensão do que o outro espera, inclusive em relação a outras pessoas, garante um olhar diferente sobre o que pode ser considerado uma traição. Ele afirma que a facilidade em conversar tudo com Mário dá a eles uma possibilidade de ver os ciúmes sob outra ótica. “Discutir ciúmes, atrações, problemas de casa, pagar contas, isso é que sedimenta uma relação. Hoje, é muito difícil entender como alguém sente ciúmes e como eles se propõem a trair.” Apesar de assumidos em sua orientação sexual, eles garantem que ainda não falam abertamente sobre suas experiências poliafetivas. O cerne da decisão, claro, parte do preconceito social que ainda caminha para aceitar a união homoafetiva como familiar.

Luiz Fernando Carvalho Maciel garante que ainda estamos em um processo de libertação do domínio masculino no que toca o conceito de família. Isso, inclusive, é um passo importante para que as relações poliafetivas femininas, como em Dona Flor e seus dois maridos, possam ser vistas com maior naturalidade. “Pensar na aceitação efetiva de outros modelos de relacionamento ainda depende do constante questionamento a respeito das realidades históricas, sociais e de manutenção de poder em sentido amplo (no caso, do homem).”