Preta Gil e Gaby Amarantos decidem emagrecer sob a supervisão de telespectadores e provocam debate acalorado

Ícones do movimento plus size, as cantoras incentivam a discussão sobre as reais amplitudes da ditadura da magreza

por Isabela de Oliveira 09/09/2013 15:00

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Há, afinal, uma medida ideal para o corpo feminino? É isso que questionam muitos que conhecem a carreira de Preta Gil e Gaby Amarantos. Intencionalmente ou não, as artistas se tornaram ícones contra a ditadura da magreza, mas, na última semana, estrearam no Medida certa, do programa Fantástico. Segundo as famosas, a participação no quadro focado no emagrecimento foi motivada mais pela saúde do que pela estética. Ainda assim, ela rendeu inflamadas discussões nas redes sociais e blogs e, mais uma vez, colocou em xeque o movimento plus size.


	Janine Moraes/Esp. CB/D.A Press
"As críticas vêm dos magros. Quero saber da minha saúde" - Gaby Amarantos, (foto: Janine Moraes/Esp. CB/D.A Press)
Um estudo realizado na Universidade de Durham, na Inglaterra, sugere que modelos de mulheres curvilíneas, como Preta e Gaby, podem amenizar a obsessão feminina pelo corpo perfeito. No entanto, para alguns especialistas, a pressão social pela busca da perfeição ainda enfraquece qualquer tentativa de defender que a beleza pode vir de vários tamanhos. E com saúde.

Os pesquisadores estudaram mais de 100 mulheres e descobriram que anúncios com modelos parecidas com as mulheres reais podem ajudar quem está acima do peso a desenvolver hábitos alimentares saudáveis. Segundo o estudo, aquelas que sempre consideraram ideais apenas os corpos esguios passaram a valorizar menos esse biotipo após visualizar modelos de beleza com tamanhos maiores. No entanto, quanto mais eram expostas a mulheres muito magras, mais valor davam às medidas enxutas.

Autora do estudo, publicado no periódico internacional PLoS One, Lynda Boothroyd acredita que “esse comportamento nos faz refletir sobre o poder que a exposição a biotipos muito magros tem nas mulheres”. “Há evidências de que estar constantemente cercada por celebridades e modelos da mídia muito magras contribui para que meninas e mulheres desenvolvam uma atitude doentia diante do corpo que elas têm”, diz a pesquisadora.

Segundo Boothroyd, a longo prazo, as modelos “normais” poderiam reduzir a obsessão pela magreza. A pesquisadora acrescenta que os corpos com medidas menores estão definitivamente na moda da mídia Ocidental e que a magreza é esmagadoramente idolatrada. “Embora a mídia não cause diretamente os distúrbios alimentares, a pesquisa sugere que ela é um fator poderoso no desenvolvimento da insatisfação com o corpo”, conclui.

 Alcione Ferreira/DP/D.A Press
Estudos indicam que celebridades como Preta Gil evitam a obsessão pela magreza (foto: Alcione Ferreira/DP/D.A Press)
Com saúde
Em entrevista ao Correio Braziliense, a cantora paraense Gaby Amarantos defende que a preocupação com a saúde foi o que a fez participar do quadro televisivo. Mesmo com 43,4% de gordura no corpo, os exames de sangue da cantora registram níveis normais de colesterol, glicose e ácido úrico. Mesmo assim, ela garante que o excesso de peso trouxe sérios problemas de saúde. “Tenho refluxo e posso perder a voz. Também há um problema de coluna que, às vezes, me impede de sair da cama. As pessoas vão compreender. Quem não quiser entender, paciência, quero saber da minha saúde”, argumentou a cantora, que afirma não ter ganhado cachê para participar do quadro.

Gaby diz que nunca será magra, mas deseja ser mais leve. Quanto às pessoas que se sentiram “órfãs” de um modelo alternativo e fora dos padrões da magreza, ela responde que “nunca levantou a bandeira de movimento nenhum”. “Mas sempre valorizei a autoestima. O gordo é massacrado. Talvez, vendo uma artista como eu e Preta, o público se identifique. As críticas vêm dos magros, que, nem sempre sabem o que é não ter saúde. Muitos estão cansados da vida de sofrimento e de estar com a saúde prejudicada e embarcaram nessa história comigo”, argumenta a artista.

A ligação saúde e quilos a mais, no entanto, nem sempre é direta. Estudos científicos indicam que é possível estar acima do peso sem comprometer o funcionamento do organismo. Um estudo feito na Universidade da Carolina do Sul, nos EUA, e publicado no European Heart Journal, por exemplo, analisou 43 mil gordinhos, divididos conforme o nível de obesidade. Após uma bateria de exames, os obesos saudáveis tiveram 38% menos chances de morrer do que os não saudáveis.

A redução de morte por problema cardíaco ou câncer foi de 30% a 50%, o que indica que o desempenho dessas pessoas foi similar ao de magros saudáveis. Enfermeira do British Heart Foundation e especializada em doenças coronárias, Amy Thompson afirma que a obesidade é um fator inegável de problemas do coração. “No entanto, esses estudos comprovam que nem sempre o peso é tão importante, mas sim onde a gordura está localizada e como ela afeta a saúde e o condicionamento físico”, explica.

Viola Junior/Esp. CB/D.A Press
Modelo plus size, Barbra Monteiro não tem problemas de saúde e garante que é possível ser elegante e feliz fora dos padrões (foto: Viola Junior/Esp. CB/D.A Press)


Surpresa
É o caso de Barbra Monteiro, 39 anos, que, mesmo acima do peso, não está nada doente. Com 1,65m e 83kg, a advogada tem todos os exames em dia. Faz exercícios, alimenta-se bem e é admirada internacionalmente como modelo plus size, atividade que leva muito a sério. “Recebo muitas mensagens de meninas e mulheres que dizem que sou inspiração para que se cuidem e se amem como são. Eu tento dizer sempre que elas devem cuidar do peso e da alimentação e tento repassar às pessoas maneiras de elas serem elegantes com o corpo que têm”, conta.

Para Barbra, a decisão de Preta Gil pode ter sido realmente motivada pela saúde — os exames médicos feitos na cantora indicaram alterações em algumas taxas. A Gaby Amarantos, no entanto, ainda não convenceu a advogada. “Quando eu vi na televisão que as duas participariam, fiquei muito surpresa. A Gaby é um mulherão, tem o corpo tipicamente brasileiro e é admirada por isso. Acho que talvez a motivação possa ser mais do que a saúde, pois a pressão no meio artístico é muito forte”, opina.

A jornalista Nádia Lapa, gordinha e autora do livro biográfico Cem homens em um ano — As aventuras sexuais de uma mulher bem resolvida (Matrix), mantém um blog homônimo onde há opiniões febris sobre a decisão das duas famosas em participar do programa de emagrecimento em rede nacional de televisão. Ela garante que a polêmica não gira em torno do fato de Preta e Gaby não terem direito a um estilo de vida mais saudável e até mesmo a um corpo mais magro.

“Elas se colocaram em posição de representantes de mulheres que estão fora do padrão da mídia e, de alguma forma, se aproveitaram disso, o que também não é errado. Mas as duas ganharam dinheiro com essa promoção. Por isso, eu acho estranho que se comportem como se existisse uma medida certa”, analisa. Lapa defende que a medida certa é diferente para cada pessoa e, por isso, é uma pena que não existam representações de mulheres gordas e fortes.

Os motivos reais, segundo a jornalista, ainda são as pressões sociais. Se fossem mais magras, talvez, Preta e Gaby tivessem o dobro ou o triplo de propostas de trabalho, pois estariam dentro do que é esperado para uma figura pública, acredita Nádia Lapa. “Todas mulheres estão vulneráveis e tentam se adaptar de certa forma. A pressão é muito forte. A grande discussão é: se mulheres como elas, que ganham dinheiro, têm sucesso profissional e são empoderadas socialmente, não conseguem lutar contra essa pressão, como uma mulher comum, sem tantos recursos, vai conseguir?”, questiona.



Identidade em transformação

“A mulher sempre foi tratada como objeto de apreciação que unia famílias em casamentos arranjados pelos pais. A relação com a estética surgiu na Grécia, com os corpos perfeitos; se trancou na Idade Média, com roupas conservadoras; e ressurgiu no Iluminismo, com modelos de beleza mais gordinhos. Da década de 1950 para cá, mulheres curvilíneas, como Martha Rocha, aparecem como padrão de beleza, mas, depois, surge o ideal de magras. Há uma relação de poder aí: mulheres magras estão na vitrine, atendendo em recepções, escritórios e como comissárias de voo. Mas onde estão as gordinhas? Elas não ocupam posições de visibilidade e isso é uma demonstração do poder desse discurso magro. O movimento plus size surge como uma reação a isso tudo. Eu não posso generalizar, mas, para os homens, não importa se a mulher é gorda ou magra, pois achamos as mulheres demais. A questão que fica é: por que a miss plus size não tem tanto glamour se comparada com a miss universo padrão? Se as duas competirem, parte da população não vai querer mais se enquadrar nesse padrão. Sem esse modelo, o sistema colapsa. O propósito de muitos ícones que abandonam o discurso parece ganhar mais notoriedade. A identidade da mulher brasileira ainda está em transformação.”

Marlon Leal Rodrigues, professor de linguística da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul e especialista em análise do discurso sobre a identidade feminina