Pesquisadores fazem análise inédita das marcas do câncer

Após estudar 7 mil tumores, pesquisadores chegaram a 21 assinaturas genéticas relacionadas a 97% das mutações que desencadeiam a doença. O trabalho pode ajudar no desenvolvimento de terapias efetivas e na compreensão das origens das enfermidades mais comuns

por Roberta Machado 15/08/2013 09:36

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Emiko Paul and Quade Paul, Echo Medical Media; Ron Gamble/Divulgação
Reprodução artística de um câncer de mama: 5 milhões de mutações foram estudadas (foto: Emiko Paul and Quade Paul, Echo Medical Media; Ron Gamble/Divulgação)
Pesquisadores do Reino Unido fizeram a maior análise de genoma de câncer da ciência e divulgaram, ontem, os resultados do trabalho na revista Nature. Foram quase 5 milhões de mutações de mais de 7 mil tumores estudados. O projeto, que resultou na classificação de 21 assinaturas mutacionais de 30 tipos mais comuns da doença, pode dar novas pistas sobre o processo de formação dos tumores malignos e até mesmo abrir portas para tratamentos mais eficazes.

As 4.938.362 amostras tiveram o genoma comparado com amostras normais de DNA dos pacientes. Assim, os cientistas foram capazes de extrair as assinaturas deixadas pelo câncer durante o processo de mutação. “Sabemos que todos os cânceres são causados por mutações somáticas”, explicou Mike Stratta, principal autor do estudo, em um vídeo divulgado pelo Wellcome Trust Sanger Institute. “Mas, na verdade, temos um entendimento bem rudimentar do que está causando essas mutações em primeiro lugar porque, afinal, o que acontece nessas mutações é a causa do câncer”, afirma.

Milhares de mutações podem ser encontradas em um único tumor, mas elas são causadas por processos que deixam um tipo de impressão característica no código genético. “Quando falamos de assinaturas de mutações, estamos falando do padrão específico causado pelo processo mutacional”, esclarece Ludmil Alexandrov, no mesmo vídeo divulgado pelo Sanger Institute. Estima-se que as 21 assinaturas encontradas no estudo expliquem o processo de formação de 97% das mutações cancerosas. Algumas dessas assinaturas estavam presentes em quase todos os tipos de tumor estudados, outras mostraram ser exclusivas de uma única classe da doença.

Os cientistas contaram com a ajuda de um algoritmo desenvolvido especialmente para extrair mutações somáticas de amostras catalogadas e que já havia sido usado na análise de cânceres de mama. “É a primeira vez que usamos um conceito matemático para tentar extrair informações sobre o que deu errado no câncer, sobre por que o câncer se desenvolveu”, ressalta Serena Nok-Zainal, coautora da pesquisa. Muitas dessas assinaturas identificadas no estudo já eram conhecidas e têm origem ligada a exposições ambientais, a defeitos na replicação do DNA ou até mesmo à idade do paciente. O surgimento de outras impressões encontradas, no entanto, ainda não é compreendido pela ciência.

Combinações
A maioria dos cânceres apresentou ao menos dois tipos diferentes de impressão mutacional, mas alguns cânceres, como de fígado, útero e estômago, chegaram a abrigar seis diferentes traços de mudança genética. Variações de um mesmo tipo de assinatura foram encontradas em 25 classes de câncer. Outra estava presente em 16 dos 30 tipos de tumor estudados, e acredita-se que ela tenha sido causada pelo próprio sistema imune dos pacientes: “É essencialmente um DNA modificado, mas que é uma faca de dois gumes. Ele pode causar mutações para gerar câncer”, compara Serena Nok-Zainal.

Impressões catalogadas nesse estudo apontam que um processo de desenvolvimento similar pode ter resultado em tumores diferentes, como tumores de fígado, rins, próstata e pâncreas. Suspeita-se que essas mudanças genéticas comuns tenham sido causadas por erros ou instabilidades no reparo do DNA, um problema que acontece de forma expontânea no código genético.

Já outros mecanismos apontados na análise das amostras cancerosas mostram como vários tipos de tumores podem ter uma origem ambiental em comum. Um mesmo tipo de assinatura relacionada a substâncias presentes no tabaco, por exemplo, foi identificada em carcinomas de cabeça, pescoço e fígado. O estudo lembra que o cigarro contém mais de 60 carcinógenos, uma mistura que pode iniciar diferentes processos mutacionais.

Perigoso Sol
O câncer mais comum no Brasil é o de pele, com 133 mil novos casos de câncer não melanoma (da classe menos agressiva) diagnosticados por ano. O Instituto Nacional de Câncer (Inca) aponta como maior fator de risco a exposição excessiva ao sol, pois a luz ultravioleta é o fator ambiental que induz as principais mutações relacionadas a esse tipo de tumor. Evitar contato exagerado com os raios solares também pode conter as mudanças genéticas que causam o câncer do tipo melanoma, que atinge 6 mil pessoas por ano no país. Ele é mais raro, mas também mais letal.