Incidência de diabetes tipo 1 aumenta 3% ao ano

Nas últimas três décadas, a idade de início da doença caiu alguns anos. Se, nos anos 1980, as crianças mais jovens com diabetes estavam, em média, com 12,5 anos de idade, na década seguinte essa idade baixou para 11,5. Nos anos 2000, a média de idade foi para 9,5

por Gláucia Chaves 22/07/2013 09:00

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Janine Moraes/CB/D.A Press
Davi dos Santos com sua mãe, Aparecida: diagnóstico com apenas 1 ano e 2 meses (foto: Janine Moraes/CB/D.A Press)
Um dos estudos feitos no Brasil para tentar delimitar a quantidade de crianças e adolescentes diabéticos é de Luiz Cláudio Castro, endocrinologista pediátrico e professor do Departamento de Pediatria da Universidade de Brasília (UnB). Ele explica que o trabalho “Avaliação de Idade de Início do Diabetes Mellitus Tipo 1 no Distrito Federal entre 1980 e 2010” surgiu a partir da observação dos pacientes que ele próprio atende. “Tenho visto crianças cada vez mais novas chegando ao consultório”, completa. Os dados foram coletados ao longo de três anos em todos os locais em que há atendimento público especializado em endocrinologia pediátrica no Distrito Federal. Ao todo, foram analisados 1.800 prontuários.

A análise da compilação fez com que Luiz Cláudio e os demais pesquisadores chegassem a duas conclusões principais: a primeira é de que a idade dos pacientes está diminuindo. A segunda é de que a quantidade de diabéticos hoje é maior do que nos anos 1980. “Entre 1980 e 1990 e de 1990 para 2000, observamos um aumento de 3% ao ano na incidência de diabetes tipo 1”, detalha o médico. Nas últimas três décadas, a idade de início da doença caiu alguns anos. Se, nos anos 1980, as crianças mais jovens com diabetes estavam, em média, com 12,5 anos de idade, na década seguinte essa idade baixou para 11,5. Nos anos 2000, a média de idade foi para 9,5, com o adendo de que a última década apresentou um segundo pico de incidência, que englobou crianças ainda mais novas, na faixa dos 2 aos 4 anos.

Luiz Cláudio frisa que esse primeiro estudo foi feito apenas para quantificar os diabéticos do DF. Posteriormente, o objetivo é pesquisar por que crianças cada vez mais jovens estão desenvolvendo a doença. Por enquanto, a medicina tem teorias para explicar isso. Duas delas, segundo o médico, são mais aceitas. A primeira é a chamada teoria da higiene. “A diabetes tipo 1 tem sido considerada a doença da modernidade, uma doença autoimune em que o corpo produz anticorpos contra ele mesmo”, explica. “Quanto melhores as condições de infraestrutura sanitária, vacinação e quanto mais ambientes higienizados, mais o sistema imunológico fica ‘quieto’.” Sem o contato com antígenos, como bactérias e vírus, o sistema imunológico não encontra estímulo para trabalhar — e não aprende direito contra quem lutar quando, eventualmente, algum desses “inimigos” entra em cena. O resultado é uma produção exagerada de anticorpos, que podem acabar atacando também o organismo, o que dá origem a problemas, como alergias ou diabetes, por exemplo.

O fato de a Finlândia, país com condições socieconômicas e sanitárias exemplares, ser o país com maior prevalência de diabetes corroboraria essa tese, de acordo com Luíz Cláudio. “Como temos melhorado as condições sanitárias no Brasil, estamos vendo o aumento do índice de diabetes tipo 1”, analisa. A segunda teoria diz respeito ao ganho de peso nos primeiros dois anos de vida. Se a criança acumula gordura além do normal nessa faixa etária, seu pâncreas fica sobrecarregado. Isso pode gerar um desequilíbrio na dinâmica da produção de insulina, que, por sua vez, pode deixá-la vulnerável a desenvolver a doença na infância ou mesmo na adolescência. “São apenas teorias ainda, precisamos de mais tempo para comprová-las, mas elas podem ser a explicação para o aumento da diabetes tipo 1 no mundo”, conclui o médico.

Mesmo sem números oficiais, diversos trabalhos e pesquisas já demonstram que a quantidade de casos de diabetes está em ascensão. Patrícia Dualib, endocrinologista e encocrinopediatra da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), explica que, na Europa, a incidência de diabetes tipo 1 em crianças e adolescentes aumentou 4% no último ano. Nos Estados Unidos, apesar da epidemia de obesidade, essa porcentagem ficou menor: 2%. “O que é mais alarmante é que esse aumento da diabetes tipo 1 está acontecendo especialmente nas faixas pediátricas mais baixas”, completa. “Antigamente, era mais comum acontecer entre 10 e 14 anos. Hoje, a doença acontece em crianças de zero a 5 anos.”

No caso da diabetes tipo 1, há a destruição das células do pâncreas, que pode se dar por fatores genéticos ou não. Segundo a médica, há outras teorias médicas para o surgimento da doença, como a falta de amamentação ou o aumento de infecções virais no mundo. “Mas ainda são apenas teorias. Ainda não se sabe ao certo por que isso está acontecendo”, ela reforça. A diabetes tipo 2, geralmente associada a pessoas com mais idade, também está fazendo vítimas mirins e teens. A médica cita dados da revista especializada Journal of Pediatrics, que indicou, por meio de uma metanálise de 110 publicações científicas, que essa variação da diabetes aumentou de 3% para 45% nos últimos anos (nos EUA).

Por enquanto, ela diz que esse grande salto no número de diabéticos tipo 2 ainda não acontece no Brasil. Apesar disso, a obesidade infantil está aumentando por aqui: nos últimos 10 anos, de acordo com Dualib, a quantidade de indivíduos de zero a 14 anos com sobrepeso ou obesos subiu incríveis 200%. “Talvez a diabetes tipo 2 ainda não seja prevalente nas crianças e adolescentes brasileiros por algum fator genético, mas ainda não sabemos.” A falta de números oficiais publicados dificulta as análises. O que existe, até agora, são estudos epidemiológicos em grandes centros, mas a médica explica que eles apenas indicam tendências, não podem ser usados como dados oficiais.

Dentre o grupo de crianças mais comprometido, está o das com menos de 5 anos de idade. O pequeno Davi, 4 anos, é um exemplo. A mãe, Maria Aparecida dos Santos Narciso, 27 anos, conta que a doença foi diagnosticada quando o filho tinha apenas 1 ano e 2 meses. Sem nenhum motivo aparente, ele parou de brincar. Só queria saber de dormir e mamar — sentia fome, mas rejeitava alimentos sólidos. Aos 10 meses, já bebia a mesma quantidade de água que um adulto, cerca de 10 copos diariamente. “Procurei a pediatra e ela sempre dizia que ele estava normal, que era só uma virose”, desabafa a funcionária pública.

Em uma semana, Davi perdeu 1,5kg. Começaram os vômitos intensos e, consequentemente, a desidratação. Assustados, Maria Aparecida e seu marido correram para o pronto-socorro de Santo Antônio do Descoberto. Lá, a primeira suspeita foi de que Davi tivesse engolido alguma coisa. “Foi quando lembrei de falar da quantidade de água que ele estava tomando”, conta a mãe. Na hora, foi feito um teste para medir a glicose do garoto: 549 mg/dL, mais de 400 mg/dL acima do normal. “O médico brigou com a gente, perguntou como deixávamos que a diabetes dele ficasse tão descontrolada”, descreve. “Mas eu não sabia que ele estava doente e não sabia nada sobre diabetes, só que tinha a ver com doce. Ele, com essa idade, nunca tinha chupado um pirulito, sempre fui rígida com relação à alimentação dele.”

Davi foi encaminhado para o hospital do Gama, às pressas, uma vez que o pronto-socorro não contava com estrutura adequada para atendê-lo. Foi quando os pais do menino receberam a segunda má notícia da noite. “O médico disse que teríamos que ser fortes, porque ele não tinha certeza se nosso filho chegaria lá com vida”, conta Maria. “Foi um momento muito difícil, a gente chorava muito na ambulância.” Nos braços do pai, o garoto piorava a cada minuto. Chegou ao hospital desfalecido, com taquicardia, parada respiratória e totalmente debilitado, sem forças nem mesmo para andar. Cerca de 20 agulhadas e dois dias na UTI depois, Davi se recuperou.

A vida, agora, é um pouco mais restrita, mas nada que os ponha para baixo, a mãe garante. “A diferença é que agora ele tem uma alimentação até mais saudável do que a maioria das crianças”, analisa. O desconhecimento sobre a doença e sobre a alimentação em geral deu lugar a pesquisas intensas e reeducação, não só para Davi. Depois do episódio, as frituras foram abolidas da mesa da família. E o pequeno não fica sem provar um docinho ou outro. Graças à contagem de carboidratos (veja quadro na página 27), o açúcar não representa mais um vilão. “Ele voltou a ter uma vida normal. Desde que eu saiba a quantidade exata de carboidrato que ele está ingerindo, sei a quantidade de insulina que ele precisa.”

"O que é mais alarmante é que esse aumento de diabetes tipo 1 está acontecendo especialmente nas faixas etárias mais baixas. Hoje, a doença acontece em crianças de zero a 5 anos.”
Patrícia Dualib, endocrinologista da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM)