Gripe aviária da China ainda é uma ameaça

Mesmo sem novos casos de infecção registrados há cinco meses, pesquisadores alertam que o H7N9 está ativo. Testes em laboratório detectam que a cepa do vírus mantém, inclusive, o potencial de ser transmitida entre mamíferos

por Paloma Oliveto 20/07/2013 10:00

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Anderson Araújo/Danilson Carvalho/CB/D.A./Press
Entenda qual o caminho percorrido pelo vírus (foto: Anderson Araújo/Danilson Carvalho/CB/D.A./Press)
No início do ano, um surto do vírus H7N9 obrigou as autoridades chinesas a fechar todos os tradicionais mercados de aves do país, na tentativa de evitar a reprise da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS). A medida deu certo. De fevereiro a 14 junho, não houve aumento no número de infecções — 132 casos confirmados, com 39 mortes. O micro-organismo, contudo, não está adormecido. Pelo contrário, segundo uma pesquisa financiada pelo próprio governo da China. Experiências em laboratório mostraram que uma cepa do agente patógeno é transmissível entre ferrets por meio de partículas respiratórias. Como esses animais são mamíferos, em tese, isso mostra que o mesmo pode acontecer entre humanos, bastando um espirro ou uma tosse para que o H7N9 passe de uma pessoa para outra.

No estudo, cientistas da Academia Chinesa de Ciências Agrárias e do Instituto de Pesquisa Veterinária de Harbin isolaram vírus retirados de quase 11 mil amostras. Os micro-organismo foram inoculados em ratos e ferrets para o estudo da composição genética deles, da ação dos patógenos nos hospedeiros e da forma de transmissão. O H7N9 pertence à família dos vírus H7, que têm uma característica perigosa. Em aves, eles são muito hábeis em mutar de uma forma com baixa patogenia para uma altamente virulenta, o que ameaça a avicultura e, como demonstrou a pesquisa chinesa, pode representar um grave risco aos seres humanos.

De acordo com Qianyi Zhang, biólogo do Instituto de Pesquisa Veterinária de Harbin e principal autor do artigo, publicado na revista Science, depois de passar pelo corpo de uma pessoa, o vírus torna-se mais perigoso. “Os ratos que infectamos com micro-organismos isolados de aves não apresentaram sintomas. Mas os infectados com vírus retirados de um paciente que estava internado em um hospital chinês perderam 30% do peso corporal”, conta. Isso acontece porque, ao entrar na corrente sanguínea de um hospedeiro, o patógeno precisa se adaptar para sobreviver. “Vírus são especialmente eficientes nesse sentido”, destaca Qianyi. As mutações, que podem ser identificadas no sequenciamento genético de amostras do H7N9 retiradas de aves e humanos, é que conferem novas características ao micro-organismo.

Repetindo uma polêmica experiência realizada pelo Centro Médico Eramus, da Holanda, Qianyi injetou os vírus retirados de humanos em ferrets. Ele queria verificar o potencial dessa variante de ser transmitida por partículas respiratórias, de um espécime para o outro. “Essa capacidade vinha sendo especulada desde que os primeiros casos de H7N9 foram registrados na China. Na verdade, sempre temos de pensar nisso quando detectamos um novo vírus. Saber se ele pode ser transmitido entre humanos é a principal informação para determinar políticas públicas de prevenção”, destaca o biólogo. A suspeita se confirmou.

AFP PHOTO / Philippe Lopez - 24 de maio de 2013
Um homem pesa um frango em um mercado, em Hong Kong. Segundo pesquisa financiada pelo próprio governo da China, o vírus não está adormecido (foto: AFP PHOTO / Philippe Lopez - 24 de maio de 2013)
Secreções retiradas da cavidade nasal dos ferrets contaminados infectou animais da mesma espécie que não haviam tido contato prévio com o vírus. Isso aconteceu em 24 horas. O estudo do DNA dessa cepa indicou que, provavelmente, a nova forma de transmissão foi uma característica adquirida devido à mudança na localização de apenas dois genes. “O surto foi controlado na China, mas nossos resultados mostram que, infelizmente, não há como dizer que o H7N9 não é transmissível entre humanos”, diz o pesquisador. Ele destaca que, embora o número de pessoas infectadas no país seja baixo, o vírus desencadeou sintomas graves nos pacientes, alguns deles, semelhantes aos da SARS, como pneumonia bilateral, síndrome do desconforto agudo respiratório e falência múltipla de órgãos.

Transmissão baixa
“Esse vírus tem muitos traços incomuns que pintam um cenário preocupante de um patógeno que pode ainda levar a uma pandemia. Apesar de a China ter conseguido estabilizar as infecções até agora, seria um erro pensar que não haverá novos casos”, alega Anthony Fauci, da Sociedade Americana de Microbiologia. Recentemente, o pesquisador fez uma revisão dos artigos científicos sobre o H7N9 publicados nos últimos seis meses. Segundo Fauci, uma das características da família H7 é a tendência de infectar as células do olho. “Não são todos e não temos como dizer ainda se esse é o caso do H7N9. Mas, ao causar sintomas nos olhos, como coceira e lágrimas típicos de uma conjuntivite viral, esse micro-organismo fica ainda mais transmissível.”

David Kelvin, cientista do Instituto Geral de Pesquisas de Toronto que vem estudando o comportamento do H7N9, diz que está muito claro que o vírus pode ser transmitido entre mamíferos, por meio de contato próximo. Segundo ele, o número baixo de infecções na China pode ser atribuído não apenas ao fechamento dos mercados de aves mas também a um potencial menor de transmissão pelo ar. “Já está demonstrado que a aspiração de partículas do trato respiratório de animais infectados é uma forma de contágio, mas acredito que a transmissão dessa maneira é mais baixa”, diz. Estudos da Universidade de Hong Kong, contudo, já demonstraram, antes da pesquisa publicada na Science, que o ar é um meio de contágio. “Informações como essas são importantes não só para políticas sanitaristas mas também para os profissionais de saúde, que têm contato direto com os doentes”, lembra.

Para Kelvin, biólogos, virologistas e veterinários precisam continuar acompanhando o H7N9 e as mutações dele. Caso se confirme que o micro-organismo também infecta porcos, o cientista destaca que poderá haver um híbrido entre esse patógeno e o H1N1, o causador da gripe suína. Por ter provocado uma pandemia em 2009, o vírus é bem -adaptado aos seres humanos, aumentando o potencial de transmissão.

Alta letalidade
Também surgido na China, o vírus da SARS se espalhou pelo mundo em 2003, infectando 8 mil pessoas, com índice de letalidade de quase 10%. Na época, a Organização Mundial da Saúde (OMS) acusou o governo chinês de omissão, pois o país teria demorado muito para notificar o surto facilitando, consequentemente, o espalhamento do micro-organismo.

Uso bélico
Publicada também na revista Science, uma pesquisa do virologista Ron Fouchier estimulou debates em torno da divulgação de dados sobre manipulação genética de vírus, que poderiam servir de base para armas químicas, segundo o governo dos EUA. Ele infectou ferrets com cepas humanas modificadas, que tornaram o H5N1, patógeno da gripe aviária transmissível entre mamíferos. Até então, só havia evidências de transmissão entre aves.

Resistência a remédio
Um estudo da Universidade de Xangai e da Universidade de Hong Kong constatou os primeiros casos de resistência do H7N9 ao Tamiflu, único medicamento capaz, até agora, de combater o vírus. Três de 14 pacientes analisados pelos pesquisadores não tiveram diminuição de carga viral ao longo do tratamento. Testes genéticos dos micro-organismos isolados dessas pessoas confirmaram que o vírus adquiriu uma mutação que o tornou imune à classe dos inibidores de neuraminidase, da qual esse antirretroviral faz parte. Em um dos pacientes, a variante responsável por conferir resistência ao Tamiflu aparentemente surgiu depois da infecção inicial, provavelmente como resultado do próprio tratamento, o que levanta a preocupação de que, com o tempo, o H7N9 torne-se completamente imune a esses remédios.

Além disso, ao analisar a carga viral da garganta, do sangue, da urina e das fezes dos pacientes, os pesquisadores encontraram traços do RNA viral nessas áreas. Apesar de a detecção do elemento não necessariamente significar infecções, os cientistas alertam que o sistema digestivo, além do respiratório, pode servir de alojamento para o agente patógeno. Eles ressaltaram, contudo, que está cedo para garantir essa possibilidade.

Segundo os pesquisadores, o tratamento precoce com antirretrovirais, incluindo o Tamiflu, ainda é a melhor opção para a recuperação dos pacientes. Mas, em um artigo publicado na revista Lancet, destacam que “a aparente facilidade com a qual a resistência antiviral emerge no H7N9 é preocupante; é preciso monitorar mais de perto essa característica e considerar planos de resposta para futuras pandemias”.