Quer ter boa memória? Durma bem!

Segundo pesquisa feita por psicólogos americanos, o sono é um poderoso aliado da memória. No experimento, voluntários que repousaram entre dois testes armazenaram melhor regras gramaticais. Dormir mal pode não só prejudicar o funcionamento da mente mas também predispor o corpo a doenças como o câncer de mama

por Vilhena Soares 03/07/2013 13:30

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Banco de Imagens / sxc.hu
Pesquisadores dizem que o sono é uma etapa fundamental do aprendizado (foto: Banco de Imagens / sxc.hu)
A data do concurso ou do vestibular se aproxima e todo esforço se faz necessário. Nessa hora, há quem não se permita nem mesmo as oito horas de sono noturnas, necessárias para a maioria das pessoas se sentir bem-disposta. Deixar os livros de lado para tirar uma sonequinha no meio da tarde, então, nem pensar. Mas será o período de descanso um tempo realmente perdido?

De acordo com psicólogos da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, não. Durante um estudo, cujos resultados foram publicados recentemente na revista Plos One, o grupo de pesquisadores observou que o sono melhorou o desempenho dos participantes na compreensão e na memorização de regras gramaticais, o que dá forças a uma antiga tese: a de que o sono é uma etapa fundamental do aprendizado.

Para chegar a essa conclusão, os cientistas, coordenados pela psicóloga Ingrid Nieuwenhuis, criaram um experimento no qual 81 voluntários não sabiam sobre o que, de fato, eles seriam avaliados. Ao chegar ao laboratório, recebiam a informação de que fariam um simples teste de memória de curto prazo, também chamada de memória de trabalho. Os participantes eram, então, apresentados a diferentes sequências de letras mostradas em uma tela de computador e precisavam redigitar os caracteres na mesma ordem que tinham sido mostrados no vídeo. Ao todo, eles faziam isso com 100 conjuntos de letras.

Depois, eles eram divididos em três grupos. Um deles, deveria esperar 15 minutos e voltar para uma nova bateria de testes. Os outros passariam por um intervalo maior até retornarem ao laboratório: 12 horas ou 24 horas. Quando chegavam para a segunda etapa do estudo, os voluntários ficavam sabendo que as sequências de letras que tinham visto no primeiro teste não eram aleatórias e que, na verdade, seguiam um padrão de regra gramatical. Daí, eles eram apresentados a novos grupos de letras e deveriam dizer quais deles seguiam as mesmas regras. “Os participantes que tinham dormido depois do teste de memória de trabalho se saíram muito melhor no reconhecimento das sequências de letras que obedeciam às regras da gramática artificial”, conta Nieuwenhuis, em entrevista por e-mail.

Segundo ela, o uso de uma gramática fictícia é muito comum em pesquisas desse tipo e serviu perfeitamente ao propósito do grupo, pois mostrou que o sono ajudou os participantes a aprenderem regras mesmo sem elas terem sido explicitadas a eles. “A gramática é um conjunto complexo de relações entre palavras que nos ajuda a compreender como os conceitos estão inter-relacionados em frases. Você tem que integrar a informação a partir de um conjunto de memórias relacionadas para entender as regras. A aprendizagem da gramática artificial era a tarefa perfeita para nós. Ao fixar essas regras implícitas, as pessoas não estavam cientes de que elas sabiam as regras, mas mesmo assim elas se manifestaram”, completa.

Nieuwenhuis destaca ainda que, por conta de pesquisas anteriores feitas com ratos, os cientistas já sabiam que o cérebro permanece ativo durante o sono e que reativa as memórias, o que serviu de base para o novo estudo. “A descoberta mais importante é que o sono promove a extração implícita de uma estrutura gramatical altamente complexa. Assim, o sono pode produzir uma mudança qualitativa na memória, na forma de conhecimento implícito sobre regras abstratas”, declara.

Ela, agora, planeja expandir a pesquisa, quantificando o sono dos participantes com o objetivo de descobrir mais detalhadamente como ele afeta o armazenamento de dados. “Nós não medimos o sono dos participantes. Seria interessante fazer isso, porque o sono não é um fenômeno uniforme, os seus estágios são diferentes e mostram diversos padrões cerebrais. Seria interessante descobrir quais desses níveis são responsáveis pela melhoria na aprendizagem”, destaca.

Bons hábitos
Para a neurologista Sonia Brucki, membro da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), testes que relacionam a melhora com o sono já foram feitos anteriormente, mas o trabalho realizado na Universidade da Califórnia se destaca por utilizar um método diferente, com regras gramaticais criadas pelos cientistas. “Esses dados se agregam a outros já existentes e comprovam que ter uma boa qualidade de sono é importante para a cognição. Podemos notar isso no nosso dia a dia. Se você está sonolento, a sua atenção diminui, você também minimiza a capacidade de gravar informações novas”, destaca a especialista.

Na opinião da pesquisadora, o mais interessante é a evidência de que o cérebro buscou informações que no fundo ele já possuía, mesmo que recentemente. “São mecanismos que ocorrem muito rapidamente, e que, mesmo assim, são preservados. Nosso cérebro possui essa capacidade porque precisamos dela. Ao longo da vida adquirimos bastante experiência, e, se fôssemos pensar em tudo, não viveríamos. O cérebro quer que consigamos deixar a nossa vida mais fácil”, destaca a pesquisadora.

Ronaldo Maciel Dias, neurologista do Hospital Santa Luzia, acredita que o estudo ajuda a comprovar o quanto pausas no nosso dia são necessárias. “Já temos países que adotam a estratégia de tirar cochilos depois do almoço. Pesquisas como essa mostram que esses descansos são importantes não só para melhorar o nosso cotidiano mas também para poupar-nos da degeneração natural, que pode ser agravada com hábitos ruins, como não dormir direito”, destaca.

Trabalho à noite ligado a câncer de mama
Dormir mal pode não só prejudicar o funcionamento da mente mas também predispor o corpo a doenças. Um estudo divulgado na edição desta semana do Bristish Medical Journal afirma que mulheres que trabalham no turno da noite por um longo período de tempo têm mais chance de ter câncer de mama.

Para chegar a essa conclusão, cientistas de diferentes instituições canadenses analisaram o histórico profissional de 1.134 pacientes diagnosticadas com a enfermidade e 1.179 mulheres saudáveis. Entre aquelas que tinham trabalhado no período noturno por 30 anos ou mais, o risco de desenvolver um tumor no seio era duas vezes maior. Já aquelas que tinham tido períodos de trabalho à noite, mas por um período menor (até 29 anos), não tinham esse risco aumentado.

Os pesquisadores se preocuparam em retirar a influência de variáveis que poderiam alterar os dados do estudo, como predisposição genética e outros fatores de risco. Houve ainda o cuidado de estudar mulheres com diferentes ocupações. Isso porque alguns estudos semelhantes tinham sido realizados apenas com enfermeiras. Segundo os autores, o perigo do turno da noite recai sobre qualquer profissão.

Para os autores, mudanças na produção de melatonina (hormônio indutor do sono, que passa a ser produzido pelo organismo quando o estímulo luminoso é reduzido) podem estar por trás do fenômeno. No entanto, eles não descartam outras possíveis causas para o surgimento dos tumores a partir das noites maldormidas, como a desregulação do metabolismo.

“Como o trabalho em turnos noturnos é necessário em muitas profissões, entender como esse tipo de função pode favorecer o surgimento do câncer de mama é necessário para o desenvolvimento de políticas de saúde mais eficientes”, escrevem os cientistas.