
Se voltarmos ao tempo - 20 anos atrás, por exemplo - quantas histórias de meninos e meninas entre 10 e 19 anos que frequentavam o consultório médico com periodicidade encontraríamos para contar? Como o adolescente é, em regra geral, clinicamente saudável, ele “perdia” a assistência do processo de desenvolvimento e só utilizava os serviços de saúde em casos de doença. O cenário vem mudando. De um lado, a sociedade passa por um processo de maturidade no sentido de identificar que nessa fase da vida o apoio de um especialista é fundamental. Do outro, pediatras que se interessam em atuar com adolescentes buscam conhecimento. “Esses pacientes ainda não viraram adultos, mas também não são mais crianças. É outra realidade e o conhecimento deve ser mais pormenorizado”, afirma o presidente do Conselho Estadual de Medicina de Minas Gerais, João Batista Gomes.

Para Cristiane, é missão do pediatra atender o adolescente. Entretanto, ela afirma que existe uma resistência tanto na medicina privada quanto na pública. “O adolescente não deixa a adolescência em casa”, declara. Para ela, o especialista está amparado no campo da técnica para atender doenças, mas no caso de adolescentes, a medicina clínica não pode se ater a isso. A professora da UFMG defende um atendimento que denomina “janela da escuta”. Para ela, o adolescente é especialista de si mesmo e o médico ocupa vários lugares na consulta. A pediatra diz que além de avaliar o crescimento e o avanço da puberdade, é preciso uma atenção especial à alimentação, informar sobre vacinas e cuidados com a saúde oral, orientar sobre sexualidade. “É um período da vida em que se muda radicalmente, que se assume a posição de sujeito. Não se deve banalizar essa fase”, defende.

Esse é o ponto de maior desafio para os profissionais de saúde que se interessam em cuidar de adolescentes. Como conseguir que esses jovens expressem angústias, desejos e problemas? A dificuldade técnica passa por se criar uma relação médico-paciente adequada. “O profissional tem que ser capaz de criar um vínculo com o paciente. Ele não pode fazer o papel de ponte entre o adolescente e os pais”, salienta Leite. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) garante ao jovem o direito de ser atendido sozinho, caso seja do desejo dele e independente da presença de pais ou responsáveis. O ECA e o Código de Ética Médica ainda definem como sigilosas as informações dadas nessas consultas.
O estudante Pedro Freitas Gibram já está nessa fase. Ele tem 15 anos, gosta de skate e basquete e uma vez ao ano se encontra com o pediatra, o mesmo desde que ele nasceu. A consequência de todo esse tempo de relação é resumida em uma palavra: confiança. Comedido em suas declarações, o garoto não entra em detalhes do tema de suas consultas, mas diz que recebe orientações sobre alimentação e que o seu desenvolvimento físico é sempre avaliado. “Ele sugere que eu coma a cada três horas”, conta. Pedro diz que se sente seguro em ter um acompanhamento, mas observa que a sua experiência não é compartilhada pelos colegas de escola. “Eles não vão com tanta frequência”, afirma.
Exemplos que reforçam os argumentos de especialistas sobre a necessidade de atendimento ao adolescente não faltam. Consultas periódicas podem, por exemplo, identificar uma alteração no ritmo de crescimento. “Se for observada no início, dependendo do diagnóstico, é possível uma intervenção médica para alterar o que poderia acontecer”, explica Leite.
Os profissionais defendem, inclusive, a conscientização de todas as especialidades médicas no encontro com o adolescente. A oportunidade não pode ser desvalorizada. “Todos os que trabalham com saúde têm que conversar com o jovem sobre atitudes preventivas como vacinação, contracepção, uso de álcool e drogas. É um pacote básico e isso seria o ideal”, reforça o ginecologista.
Vacinas

Outra vacina importante nessa fase da vida é o HPV. A indicação é que ela seja aplicada a partir de 9 anos. “A informação assusta um pouco os pais porque o HPV está associado a atividade sexual e não faria sentido nessa idade”, explica o médico João Tadeu Leite. Apesar disso, é nessa fase que a reação imunológica é mais efetiva. Inicialmente prescrita só para meninas, o Brasil autorizou a imunização também de meninos, mas a vacina ainda não faz parte do calendário do MS e não é uma vacina barata. Em alguns estados, as secretarias de saúde assumiram a vacinação, mas não é o caso de Minas Gerais.
Adolescência no SUS
Na saúde pública, os exemplos de iniciativas para incentivar e contemplar o atendimento ao adolescente seguem avançando. “Fazemos um grande esforço de transmissão dessa clínica - que não se ampara só nas doenças – na universidade, nos hospitais e centros de saúde”, afirma a coordenadora de medicina do adolescente da UFMG, Cristiane de Freitas Cunha.
Em 2009, o MS lançou as Cadernetas de Saúde do Adolescente e da Adolescente para facilitar a relação médico-paciente. Além de armazenar informações sobre o desenvolvimento físico do jovem, dá dicas de saúde, alimentação, calendário de vacinação e informações sobre as mudanças no corpo.
As cadernetas estão disponíveis na íntegra nos endereços abaixo: