Algoritmos da internet favorecem criação de bolhas sociais

Pesquisadora discute como os filtros dos sites de relacionamento e um sistema de crenças nos impulsiona em direção ao que nos conforta e satisfaz

por Juliana Rocha Franco* 28/07/2017 13:32
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(foto: Reprodução/Internet )
Já é lugar-comum afirmar que sites e serviços de redes sociais e ferramentas de busca nos oferecem uma visão personalizada, criada através de algoritmos de empresas de tecnologia. Quando você faz uma pesquisa no Google, os resultados obtidos serão diferentes, dependendo do que a empresa conheça sobre você. Na maior parte do tempo, essa filtragem é útil: botânicos e cozinheiros obtêm resultados de pesquisa muito diferentes para a palavra “manga”, por exemplo.

O ativista americano Eli Parisier, fundador do MoveOn.org e do Avaaz.org, utiliza o termo bolha para designar a lógica ditada pelos algoritmos. Em seu livro O filtro invisível, o que chama de bolha é proporcionado pelos filtros invisíveis do conteúdo que nos chega, como faz o Facebook para filtrar e classificar as postagens que aparecem em cada timeline. “Mecanismos criam e refinam constantemente uma teoria sobre quem somos e sobre o que vamos fazer ou desejar seguir”, escreveu em 2012.

Parisier sugere que o Facebook faz isso por moldar a nossa percepção do mundo com o seu feed de notícias algoritmicamente filtrado. Para o autor, filtros personalizados podem, ao mesmo tempo, limitar a variedade de coisas às quais somos expostos, afetando assim o modo como pensamos e aprendemos.

Essa leitura das bolhas nos apresenta um mundo dominado por uma vontade algorítmica e sugere que nos resta muito pouco a ser feito. Entretanto, embora algoritmos desempenhem um papel importante, um estudo recente explica como o usuário interfere na forma como o algoritmo se comporta e detalha a lógica do Facebook.

Aytan Bakshy, Solomon Messing e Lada Adamic, da Universidade de Michigan (EUA), publicaram na prestigiada revista Science o artigo Exposure to ideologically diverse news and opinion on Facebook (Exposição a notícias e opiniões ideologicamente diversas no Facebook). No estudo, os autores mostram como o usuário interfere na forma como o algoritmo se comporta. O que os indivíduos consomem no Facebook depende não apenas do que seus amigos compartilham, mas também de como o algoritmo do ranking do feed de notícias classifica esses posts, artigos e o que os indivíduos escolhem visualizar.

Os pesquisadores explicam que a ordem em que os usuários enxergam histórias no feed de notícias depende de muitos fatores, incluindo a frequência com que visitam o Facebook, o quanto eles interagem com certos amigos e com que frequência clicaram em links – postados por seus amigos – para determinados sites no feed de notícias.

O estudo permite afirmar que há uma bolha de filtro, mas que essa só existe porque os usuários escolhem ver as coisas a partir de como sua rede está composta. Assim, os indivíduos têm alguma autonomia para decidir com quem eles estarão conectados nas mídias sociais.

A recepção e apropriação de produtos culturais é um processo social complexo, que envolve uma atividade contínua de interpretação. Além disso, a assimilação de conteúdo se dá de acordo com características de um passado socialmente estruturado de indivíduos e grupos particulares, como destacou John Thompson em Ideologia e cultura moderna (2005).

Embora desempenhem um papel importante na limitação da exposição a diferentes pontos de vista, é possível afirmar que os algoritmos não são o mais importante elemento na filtragem do conteúdo e da agência individual. Diante disso, quais são as razões do “embolhamento” proporcionado pelo Facebook?

FEEDBACK - O lógico John Woods, em suas pesquisas sobre a relação entre o conhecimento que o agente considera ter e aquele que ele realmente tem, criou a noção de “bolha epistêmica” para explicar a interação complexa entre conhecimento e crença. Uma bolha epistêmica é um estado cognitivo em que a diferença entre “conhecer P” e “acreditar que se conhece P” se torna indistinta.

Essa bolha não é um fenômeno que diz respeito apenas aos indivíduos isolados. As redes sociais on-line, por exemplo, seguem uma lógica baseada em algoritmos, aumentando e distribuindo a exposição de um determinado post a partir de mecanismos de feedback coletivo.

Tal lógica, portanto, tende a criar uma espécie de bolha coletiva, que aparece claramente na retórica das interações sociais. Desta forma, a interatividade nas redes sociais tende a “borrar” a diferença entre as informações, já que evocam não só um princípio racional de conhecimento, mas estão sujeitas à noção de crença.

Aqui, cabe a pergunta: Por que as pessoas adquirem uma determinada informação como uma crença? O filósofo americano Charles Sanders Peirce (1839-1914), nem sequer cogitava sobre a existência do Facebook quando descreveu como a formação das crenças pode guiar ações concretas e comportamentos, sejam individuais ou coletivos. Para ele, a formação das crenças se baseia em um fator emocional que não pode ser ignorado: a irritação da dúvida.

Peirce explica que a irritação da dúvida é uma situação de desconforto, um estado de insatisfação e inquietude do qual se quer afastar. O estado de crença, por sua vez, é “calmo e satisfatório” no qual as pessoas querem se manter. Para ele, há um esforço para se livrar da irritação da dúvida e alcançar um estado de crença, mais confortável e satisfatório.

Dessa forma, faz sentido pensar que, à medida que navegamos pela internet, curtimos posts e páginas no Facebook, agimos nas redes sociais em duas direções que se completam: buscamos aplacar a dúvida – em sentido amplo – e buscamos o estado calmo e tranquilo de manter nossas crenças.

Peirce nos lembra que o desgosto de um estado mental indeciso, exagerado num vago receio da dúvida, faz as pessoas se agarrarem a posições já tomadas. Mesmo em nossas interações on-line, tal situação não é diferente. Portanto, haveria uma inclinação de nossa parte de privilegiar relações e informações nas redes sociais que confirmariam nosso estado de crença.

Fundador do pragmatismo e da semiótica, Peirce estabeleceu quatro estratégias com as quais buscamos escapar da irritação da dúvida e fixar uma crença: o método de tenacidade, o da autoridade, o a priori e o da ciência. No “método da tenacidade”, respostas são adotadas sem questionamento algum, recusando quaisquer argumentações que, porventura, possam abalar o estado de crença. Tal comportamento pode ser constatado em um rápido passeio pelo Facebook. No atual contexto de polarização política do país, é corriqueiro observar ideias arraigadas sendo defendidas tenazmente, numa atitude de desconsideração a qualquer argumentação fundamentada. O sujeito, ao fixar uma crença, não se comporta racionalmente, mas conquista, entretanto, a tranquilidade e a satisfação de ter a dúvida aplacada.

A segunda estratégia, segundo Peirce, é o “método da autoridade”. Nele, a crença se institui a partir da opinião de alguém que, supostamente, detém maior poder ou conhecimento sobre um determinado assunto, uma autoridade. Por isso é considerado dogmático, excluindo também questionamento, pois discursos adversos são desacreditados e excluídos. Nas interações do Facebook, tal comportamento pode ser constatado, principalmente, nos debates políticos ou religiosos em que se evoca um determinado “sábio” ou “expert”, enfim, uma autoridade para sustentar a crença.

ESTAGNAÇÃO Peirce estabelece um terceiro procedimento lógico para explicar a maneira de fixação da crença, ao qual denomina “método a priori”. Nele, o sujeito adota uma resposta que, geralmente, é a mais agradável à razão. A essência desse método é pensar o que se está inclinado a pensar. Seu risco consiste em partir da premissa de que o que agrada à razão deve ser verdadeiro. No universo da internet, onde atualmente as fake news proliferam, tomar algo como verdadeiro, apenas porque parece racionalmente válido, não é uma estratégia digna de crédito. No âmbito virtual, verdades racionais e coerentes, muitas vezes, são exatamente as mais perversas.

Embora o filósofo tenha concebido as três lógicas de fixação de crença há mais de um século, é evidente verificar a mesma dinâmica no comportamento e na interação nas redes sociais. É compreensível se notarmos a reação de desgosto ou irritação diante de tudo o que possa perturbar essa crença, ou espécie de hábito, que, por sua vez, orienta nossas ações.

A tranquilidade e a satisfação propiciadas pelo estado de crença – da qual não queremos sair – reiteram uma dinâmica de estagnação. Vem daí a dificuldade de desafiar as próprias concepções e “sair da zona de conforto”. Isso pode ser compreendido como resultado de uma necessidade cognitiva para reduzir a irritação da dúvida. Assim, é “natural” que as interações nas redes sociais estimulem “curtidas” de acordo com afinidades, mas que, na verdade, são determinadas por algoritmos.

No entanto, a recusa em aceitar algo que possa abalar as próprias convicções provoca incomunicabilidade entre opiniões opostas. O debate com o “outro” – até capaz de contradizer essa crença –, se torna mais complexo e restrito diante do algoritmo que nos orienta sob a lógica da afinidade. Assim surgem as bolhas, que, mesmo aliviando a irritação da dúvida, não representam qualquer realização adequada em relação ao conhecimento e ao saber. Afinal, você sabe ou acha que sabe?

A indistinção entre “conhecer” e “acreditar que conhece”, chamada por Woods de bolha epistêmica, relacionadas aos três métodos propostos por Pierce, sugerem certa incapacidade do sujeito de distinguir entre o que é conhecido e o que é meramente acreditado.

O filósofo italiano Tommaso Bertolotti afirma que o fato de sermos inconscientes de nossos erros e crenças inconsistentes é, muitas vezes, vinculado a uma autoconvicção de que não somos agressivos nas discussões praticadas on-line. Para ele, a falta de consciência de nossa condição de “embolhamento” mascara a agressividade de nossos comportamentos na internet, sobretudo que nossas confortáveis crenças são ameaçadas.

Assim, essa recusa do estado “irritante” de dúvida e a busca pelo “conforto” da crença nos apontam em direção da bolha. Para Pierce, isso se deve à ânsia decorrente de uma aversão instintiva a um estado indeciso da mente. Por isso, tomamos como verdadeiro algo que, apesar de ser pouco provável, é capaz de acalmar a irritação da dúvida e, posteriormente, relutamos em descartar nossas crenças.

Diante de tal dilema, como podemos agir? A condição de “crente” e a tendência ao “embolhamento” são inexoráveis? Peirce não aponta uma solução, mas um caminho possível ao formular um quarto método. Como era um homem do século 19, definiu-o como “método científico”. Ele acreditava que a argumentação e a demonstração poderiam contribuir para, em certa medida, criar autocrítica e autocontrole em relação aos hábitos.

A proposta do método científico é eliminar o apego a uma dada crença, bem como a imposição de crenças a partir de alguma autoridade, assim como a busca a elementos “agradáveis à razão”. Por meio de sua abordagem pragmática, Peirce sustenta que devemos descobrir crenças verdadeiras e justificadas se a investigação for perseguida indefinidamente a longo prazo.

No entanto, o filósofo ressalva que mesmo o método científico é incapaz de nos proporcionar o conhecimento exato. Ele afirma que “não existe qualquer razão para atribuir às suas crenças um valor mais elevado que às de outras nações e outros séculos; e isso dá origem a dúvidas nas suas mentes”. Dessa maneira, Peirce atesta que não há certezas absolutas e admite a validade de quaisquer formas de conhecimento, inclusive não científicas. Para ele, as diferentes visões sobre a realidade, somadas sucessivamente, são o caminho para o conhecimento livre das crenças.


Juliana Rocha Franco é graduada em história pela UFMG e doutora em comunicação e semiótica pela PUC-SP.