Atração na Flip, o mineiro Jacques Fux sentencia: "Não é possível escrever sobre algo que, de alguma forma, o autor não tenha se inteirado"

Ele estará na mesa "Fuks & Fux", com o colega Julián Fuks, do premiado "A resistência"

por Carlos Marcelo 21/07/2017 09:27

“Iludido e enamorado, convenço-me de que tudo isso aqui é mágico e louco, apesar do desencanto e do desencontro entre livro e autor.” Assim Jacques Fux descreveu em 2015 as suas impressões sobre a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), em blog da editora Rocco.

Jair Amaral/E.M/D.A Press
"A literatura é a minha maior paixão, apesar da dor e do sofrimento com as palavras", comenta Fux (foto: Jair Amaral/E.M/D.A Press)
 

Dois anos depois, o escritor mineiro volta não como visitante, mas como uma das atrações da 15ª edição da Festa. Ele estará na mesa Fuks & Fux, na próxima quinta-feira, com o escritor Julián Fuks (do premiado A resistência), e intervenção de Josely Vianna Baptista, por meio de videopoema. “Vender livros, ser lido e ser conhecido é uma verdadeira guerra. Como eu acredito na qualidade do meu trabalho, me empenho em divulgá-lo. Penso que se as pessoas gostarem das minhas colocações e das minhas falas – que sempre estão relacionadas aos temas e tramas dos meus livros –, talvez possam se interessar pela minha obra”, acredita Fux.

 

Nascido em Belo Horizonte, Fux é autor dos livros Antiterapias (vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura em 2013), Brochadas: confissões sexuais de um jovem escritor (Rocco) e o mais recente, Meshugá: um romance sobre a loucura (José Olympio, 2016). “A literatura é a minha maior paixão – apesar da dor e do sofrimento com as palavras. É a literatura que me move, que me encanta, que me fantasia – que me torna fantasioso, fabuloso, fabulado. Acho que fazer parte da mesa principal da Flip – um grande sonho – pode mostrar para mais pessoas essa paixão e devoção que tenho pelos livros e pelas histórias. Pelo encantado mundo das letras”, afirma Fux, 40 anos, morador do Gutierrez.

 

A seguir, uma entrevista com o autor sobre o seu mais recente romance, que, como define o escritor, mistura ensaio, biografias e lendas de nomes tão díspares como o cineasta Woody Allen, o enxadrista Bobby Fischer e o ator de filmes pornô Ron Jeremy.

 

Por que você lançou no ano passado Meshugá, um romance sobre a loucura?

A loucura e a genialidade são temas que sempre me interessaram e que, de alguma forma, caminham juntos. Ao longo da minha vida, brinco, venho ‘colecionando loucos’. Histórias fantásticas e lúdicas, mas também muito tristes, de gênios que acabaram enlouquecendo. Como o tema é vastíssimo, resolvi dar ênfase aos mitos e aos preconceitos acerca da loucura judaica. A princípio, achei que o livro seria sério e lúdico como meus outros dois – Antiterapias e Brochadas – mas, ao entrar na cabeça dos meus personagens, ‘vi’ a loucura de perto, com todo o seu sofrimento e com toda sua angústia, e acabei me envolvendo bastante.

 

Como escolheu os personagens de Meshugá? E como o narrador se insere entre os personagens?

Todos os personagens do livro – Woody Allen, Sarah Kofman, Bobby Fischer, Ron Jeremy, Otto Weininger, Grisha Perelman, Daniel Burros e Sabataii Zevi – são parte do narrador. O narrador conta suas histórias, suas biografias ‘reais’, suas questões mais polêmicas, mas, ao entrar na cabeça de seus loucos, o protagonista enfrenta os próprios monstros e as falsas acusações atribuídas aos judeus: a sexualidade exacerbada, a maior prevalência de doenças mentais, o culto desvairado ao dinheiro, a genialidade nas áreas intelectuais, entre outros.

 

“A dor do conhecimento é ainda maior, muito maior, que a dor da ignorância”. Você pode comentar o significado dessa frase? Ela se aplica ao Brasil atual?

Estar consciente do ódio que os outros sentem por você, simplesmente por conta de algo que você é – sua religião, sua raça, sua opção sexual, seu sexo, etc. – é extremamente doloroso e difícil de se enfrentar. O meu romance fala dessa dificuldade – quase impossibilidade histórica – de simplesmente aceitar o outro como ele é. E essa é a maior dor dos personagens, pois eles acabam abraçando esses preconceitos e se ‘auto-odiando’. No Brasil, e também no mundo, acredito que esse sentimento de que o outro é o inimigo, o estrangeiro, o ‘mau’ está se exacerbando, o que é muito perigoso e tem nos ‘brindado’ com líderes e vozes extremistas.

 

“Lutou contra a dor e a guerra do silêncio.” Esta também é a guerra dos escritores brasileiros?

A arte e as humanidades estão sendo silenciadas. O investimento e o interesse estão desaparecendo. Resta-nos a luta, ainda que inglória, para que a literatura brasileira contemporânea sobreviva... e encontre um pouco mais de leitores. Philip Roth é citado em Meshugá.

 

O que você mais gosta na obra do escritor de O complexo de Portnoy? Adoro Philip Roth. Recentemente, ele deu uma entrevista dizendo que o Fux mineiro é sua grande inspiração para continuar escrevendo! (Lembrem-se de que ele parou de escrever.) Acho que o Roth escreveu sobre grandes tabus. Gosto da sua ironia, do senso de humor, das críticas ao judaísmo que também revelam uma reverência ao conhecido ‘povo do livro’. Fazer rir com qualidade literária é muito difícil, e o Roth tem feito isso com maestria.

 

A autoficção é um dos temas anunciados para o seu debate na Flip. Afinal, é autoficção ou autoexposição? Quais as vantagens e riscos de expor a própria vida nas páginas?

Acho que esse termo está muito banalizado. Tudo é, de alguma forma, ‘autobiográfico’. Mesmo não falando explicitamente de ‘sua’ vida, o autor fala do que conhece, do que já leu, do que já vivenciou ou imaginou. Não é possível escrever ou pensar em algo que, de alguma forma, ele não tenha se inteirado. E eu me divirto com a ‘autoficção’. Será que o meu livro Brochadas é 100% verdade? Será que de fato o ‘Jacques Fux’ escreveu para suas ex-namoradas contando o motivo de suas brochadas com elas? E será que o narrador do Meshugá realmente é especialista em sexo oral (um dos mitos tratados) e que ele enlouqueceu junto com seus personagens? Eu vos convido a conhecer minhas autoficções.

 

Escrever pode “adormecer monstros” ou despertá-los? E escrever Meshugá foi uma libertação?

Puxa, a escrita do Meshugá afrontou e libertou todos os meus monstros. Eu tive que enfrentar as palavras, dialogar com meu pânico e com meus medos. Ao vasculhar histórias terríveis, mas extremamente humanas, e exorcizar a minha própria questão judaica, eu sofri a dor legítima e já muito narrada do ‘escritor’. Eu me descobri finalmente esse escritor, ainda que falte muito trabalho e que isso seja um grande sonho.

 

Jacques Fux na Flip Mesa Fuks & Fux, na próxima quinta-feira, às 17h15, na 15ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). Com Julián Fuks e videopoema de Josely Vianna Baptista.

 

Ingressos no site www.ticketsforfun.com.br