"Respeito não pode virar medo"

por Rodrigo Fonseca 21/08/2015 00:13
O premiado ilustrador Rodrigo Rosa é um dos mais requisitados artistas pelas editoras para realizar adaptações literárias para os quadrinhos. Pela editora Desiderata, publicou Os sertões: a luta, versão do clássico de Euclides da Cunha, e suas adaptações de O cortiço, de Aluísio Azevedo, Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida, e Dom Casmurro, de Machado de Assis. O trabalho de maior fôlego, porém, foi Grande sertão: veredas, obra-prima de Guimarães Rosa que saiu pelo selo Biblioteca Azul (Editora Globo). Agora, finaliza para a Nova Fronteira O seminarista, que terá roteiro do próprio autor, Rubem Fonseca. Em breve, vai começar a fazer o roteiro e os desenhos de Macunaíma, escrito por Mário de Andrade.

 

Como é, para um ilustrador, encarar o desafio de lidar com textos consagrados e grandes autores?
É sempre uma grande responsabilidade lidar com essas obras. Mas o respeito não pode virar medo, acovardamento. Assim como no cinema, em que o texto se modifica e é cortado, o quadrinista tem que ter essa mesma liberdade, pois estará transformando o original em outra linguagem, que tem suas próprias regras e funciona de outra maneira. Fora isso, tem o lado da pesquisa iconográfica que é bastante trabalhoso e que vai ajudar a transpor o leitor para a época e o cenários adequados a fazer da HQ algo mais real e sólido, acho importante cuidar muito disso.

Várias editoras têm lançado adaptações literárias para HQ. Como vê essa aposta editorial e a relação de criar espaço para a produção nacional?
Essa aposta editorial está totalmente fundamentada no edital do PNBE (Programa Nacional Biblioteca na Escola, do governo federal), que dá preferência às adaptações de clássicos para as HQs. Isso teve o papel de fazer esse boom do mercado editorial para HQs, mas, como autor, acho que agora já é o momento de o PNBE – no momento em que voltar – deixar de lado essa prerrogativa e dar mais autonomia aos quadrinhos brasileiros e seus autores. Podemos fazer muitas histórias que reflitam o Brasil e o mundo em que vivemos, que possam ser utilizadas na escola, sem precisar ser esse apêndice da literatura clássica. Mostrar, enfim, que o quadrinho tem valor por si só. Isso faria com que as editoras tivessem de se arriscar mais, experimentar, seria um cenário muito rico e mais criativo.

No processo de transposição, como funciona a relação entre a obra original, o adaptador do texto e o ilustrador?
Minha experiência é bastante diversa: já trabalhei com roteiros que chegaram prontos e aprovados pelo editor e estava tudo esmiuçado em detalhes de como desenhar cada cena, ainda que mesmo assim eu pudesse sugerir mudanças. Já trabalhei discutindo cada quadro e balão com o autor do texto, mexendo muito no texto original e também participei, como no caso do Grande sertão, de um projeto em que o texto original foi editado, cortado e ilustrado como HQ. O importante é que a obra final funcione como uma HQ, que tenha isso muito claro. A palavra “adaptação” encerra um conceito que é fundamental e não pode ser esquecido.

Como vê o atual cenário da produção de quadrinhos no Brasil?
Vejo que há um movimento, uma efervescência e vejo muitos jovens se interessando em ler e produzir HQs, e nisso há que se comemorar a entrada de muitas mulheres dentro desse “Clube do Bolinha”, marcando presença e mostrando grande talento. Mas, apesar das muitas feiras e eventos que aparecem por todo Brasil, acho ainda cedo para se falar num mercado editorial consolidado de HQs brasileiras. Aliás, num país de 200 milhões de pessoas em que a imensa maioria dos livros não vende uma edição de 3 mil exemplares, talvez seja cedo pra se falar em um mercado editorial sólido. Ponto.
(PPF)

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