ORIGENS DO CONFLITO

por 31/07/2015 00:13
Raul ARBOLEDA/afp -7/6/14
Raul ARBOLEDA/afp -7/6/14 (foto: Raul ARBOLEDA/afp -7/6/14)

Há quatro fatores que deram origem à guerrilha. Uma, no caso mais especifico, é a terra. O fundador das Farc, Manuel Marulanda, o “Tirofijo”, era um camponês que, a princípio, se lançou às armas, não como um guerrilheiro do Partido Comunista, mas como um guerrilheiro liberal para se defender dos conservadores na violência dos anos 1950 e também para exigir terras. No caso das Farc, esse é um ponto muito forte. Outra origem é a exclusão política, porque nos anos 1950, quando terminou a disputa entre liberais e conservadores, houve um pacto de paz entre eles, excluindo os demais. A antiga esquerda comunista, a nascente esquerda que vinha das experiências da Revolução Cubana, das experiências do Maio de 1968 e da Europa foram excluídas do jogo político. Então, o segundo fator é a inclusão política. O terceiro é o ambiente dos anos 1960. Era um ambiente de lutas de descolonização, de liberação nacional, a Revolução Cubana. Esse ambiente influenciou muito. O quarto fator foram as correntes católicas e cristãs de libertação lideradas por um padre chamado Camilo Torres. Na própria Igreja Católica houve uma minoria de padres e bispos que manifestou uma rebelião. São os quatro fatores que se transformaram com o tempo, mas mantêm esse mito fundador. A guerrilha sempre segue os discursos originais e de fundação como uma qualidade.

O PARADOXO DA CONSTITUIÇÃO
Em 1991, foi criada uma Constituição como produto de um acordo de paz entre os dois grupos guerrilheiros (Farc e ELN) e um setor da elite política colombiana. Essa Constituição dava uma carta de direitos enorme para o povo e abria espaços políticos. Porém, ocorreu uma coisa muito paradoxal. Para os guerrilheiros das Farc e do ELN, a Constituição lhes parecia pouco por não lidar com as questões econômicas e sociais mais profundas. No entanto, para as elites políticas regionais, a Constituição era avançada demais. Então, os dois grupos se lançaram contra a Constituição. E, para mim, os paramilitares são fruto de um movimento da direita contra a Constituição de 1991. Essas elites regionais construíram um exército para fechar o espaço político local, não deixar florescer o pluralismo político – que havia surgido nas diferentes regiões e estava previsto na Constituição –, e se apoderar dos ganhos econômicos.

PARAMILITARES E O ESTADO
Formou-se o que na ciência política norte-americana foi chamado de um “Estado híbrido”, em que há uma parte que respeita o Estado de direito, e atua conforme ele e segue as leis democráticas, e outra parte, em todos os níveis do Executivo, do Legislativo e do Judiciário e dos partidos políticos, que operam sob alianças com grupos ilegais, para se apoderar do poder local, para influir no poder nacional e mover o Estado. E foi esse tipo de Estado que predominou todos esses anos e foi esse Estado que as guerrilhas revolucionárias ou insurgentes atacavam. Então, estávamos no pior dos mundos. Não era um Estado enfrentando as guerrilhas, mas um Estado infiltrado pelas máfias combatendo outra força ilegal. A respeito disso, a Justiça atuou e há 61 parlamentares condenados.

A DISPUTA PELA TERRA

Havia uma discussão sobre a terra e essas elites avançaram na concentração de terras. As cifras, hoje, mostram que essas elites expropriaram 10 milhões de hectares de terra dos camponeses e concentraram a posse de terra, o poder local. Conquistaram 210 prefeituras locais, o que é um quarto das prefeituras do país, nove governos estaduais e um terço do Congresso. Foi uma jogada política, social e econômica das elites locais com grupos ilegais de narcotraficantes e empresários. E esse grupo deu muito dinheiro para a eleição de Álvaro Uribe. O ano-chave foi 2001. Este é o ano de maior violência na Colômbia em 100 anos: 2001. Todos os índices de violência na Colômbia dispararam. E foi no ano que antecedeu as eleições de 2002 (presidenciais) e 2003 (locais) que esta força da direita uribista se expressou de maneira muito forte.


TOLERÂNCIA COM URIBE

O presidente Uribe foi eleito com o apoio de muitos políticos condenados ou investigados, mas manteve sua popularidade. Ele acertou enormemente ao eleger as Farc como o inimigo. A sociedade, sobretudo a classe média urbana, que tinha muito ressentimento contra a guerrilha por causa dos sequestros, acabou tolerando tudo isso porque o inimigo eram as Farc e o importante era combatê-la. Isso lhe foi muito rentável politicamente.

O PAPEL DO PRESIDENTE SANTOS
As elites colombianas, diferente de todas as elites da região, tiveram duas coisas paralelas: violência e negociação. Usaram os dois mecanismos de maneira muito inteligente. Ao longo do século 20, houve muitas mudanças nas elites de toda a região, mas não na Colômbia. Ali, a elite utiliza a violência e a negociação em cada momento político. E o momento de Uribe foi de atacar as guerrilhas, de tentar resolver pela via da força, e isso deu alguns resultados. Mas a elite também não apontou para nenhum lado e constatou que não era capaz de acabar com a violência. E agora estamos em uma época de transição, que é o que Santos representa: “Vamos negociar com a guerrilha”, o que implica duro embate com este setor da ultradireita. É muito racional.

TRADIÇÃO POLÍTICA
E Santos está se saindo bem porque também conhece o mundo à sua volta, pois participa de todos os governos há 25 anos. A elite política colombiana são 50 famílias. Sempre fazendo política e com uma relação muito eficaz com o establishment econômico, multinacionais, meios de comunicação. É uma relação muito férrea. Santos tem uma enorme capacidade de se mover. Ele chegou ao primeiro mandato pelas mãos da direita radical e, no segundo mandato, apoiado pela esquerda. Isso é único. Mas também contou com a sorte, porque a guerrilha compreendeu que não é possível um triunfo militar. Na verdade, nunca foi possível, mas havia uma ilusão que foi perdida. Chegamos a um momento especial em que a guerrilha também quer negociar. E ele aproveitou esse momento para apresentar uma alternativa de negociação. E creio que vai conseguir.

CENÁRIOS DE PAZ
Vejo três cenários possíveis. Um: uma paz com grandes mudanças, no qual se firma um acordo e, depois de algum tempo, se fazem reformas que há muito não ocorrem na Colômbia. Uma paz com mudanças mínimas é o segundo cenário. E, outro, seria uma ruptura das negociações e um novo ciclo de violência. O que creio ser o mais possível é uma paz com mudanças mínimas. O primeiro cenário, creio, que tem poucas chances, algo como 20%. A paz com mudanças mínimas acredito que tenha uns 60% de chance. E, a terceira, de ruptura, outros 20%. A hipótese de mudanças mínimas, que é o que está se acordando em Havana, são mudanças em relação à terra, ou seja, na estrutura agrária, incluindo as guerrilhas no cenário político até a luta contra o narcotráfico, que é muito importante, e, enfim, terminar a guerra. Santos, que está liderando o processo, é de centro-direita e não vai fazer nada ousado. Mas, é o mais reformista que há entre as elites colombianas. Nas últimas eleições, eu argumentava que esse era o cara: “Ele não vai nos dar o céu, mas talvez seja capaz de nos tirar do inferno”. E veremos se seremos capazes de criar um processo diferente. E ele não vai nos presentear com reformas profundas, pois tem que haver um sujeito político e social com força. No entanto, esse sujeito não é a esquerda colombiana. E é isto o que há agora, paz com mudanças mínimas, o que pode representar uma grande revolução se comparado com o que vem ocorrendo na Colômbia.

 

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