O dia em que a casa caiu

Livro reconta violento confronto ocorrido em Belo Horizonte entre policiais e militantes do Colina, grupo de combate à ditadura militar. Relato traz detalhes sobre o episódio e é importante contribuição histórica sobre o período para leigos e especialistas

por 04/07/2015 00:13
Acervo Jornal Estado de Minas
Acervo Jornal Estado de Minas (foto: Acervo Jornal Estado de Minas)
Daniel Camargos



Ivo Martins voltava do trabalho, na manhã de 14 de janeiro de 1969. Quando chegou à porta de casa, na Rua Atacarambu, no Bairro São Geraldo, Região Leste de Belo Horizonte, escutou vários tiros. “Entrei e fiquei observando. Depois soube que guerrilheiros estavam morando ali e tinham assaltado um banco”, lembra Ivo, hoje aposentado e com 73 anos, sobre a confusão na casa vizinha. Aquela manhã tensa para o jovem e recém-casado Ivo foi o início do fim do mais importante grupo mineiro de resistência à ditadura militar (1964-1985): o Comando de Libertação Nacional (Colina). A história do grupo é contada por Antônio Nahas Júnior no recém-lançado livro A queda – Rua Atacarambu, 120 (Editora Scriptum). A obra é o relato definitivo do Colina, grupo que iniciou as ações armadas de resistência em Minas Gerais e que de seu bojo foram forjados politicamente a presidente Dilma Rousseff e o governador Fernando Pimentel.

A queda – Rua Atacarambu, 120 é também uma lição de história sobre o país e a capital mineira alentada por uma pesquisa minuciosa do autor. Nahas gravou depoimentos, escarafunchou documentos e publicações da época e escreveu, em 403 páginas, um livro para leigos e iniciados no assunto.

O eixo central da obra é o dia em que sete integrantes do Colina foram presos em um aparelho no endereço citado no título do livro, após expropriarem duas agências bancárias em Sabará. Estavam todos reunidos, combinando uma maneira de resgatar Ângelo Pezzuti – o mais próximo de líder que o Colina tinha e que havia sido preso –, quando a polícia encontrou o local. A estratégia era cobrir um ponto previamente combinado com Pezzuti. Não deu tempo. Na troca de tiros, dois policiais foram mortos e um militante ficou ferido.

O episódio interferiu pouco na vida do casal Ivo e Noemi, mas foi determinante na trajetória da presidente Dilma Rousseff. Na biografia dela, A vida quer é coragem, de Ricardo Batista Amaral, no dia seguinte ao confronto da Rua Atacarambu, Dilma e seu marido à época, Cláudio Galeno, tiveram que escapar de Belo Horizonte para o Rio de Janeiro, pois também faziam parte do Colina e estavam ligados aos sete que foram presos. “À noite, a TV mostrou que a polícia também tinha batido na casa de dona Dilma Jane em busca do casal. Foi quando a família soube que Dilminha estava ‘metida em política’ muito além do que imaginava. Era impossível ser clandestino em Belo Horizonte”, escreveu Amaral.

A história que Nahas conta não é inédita, mas o mérito do autor é explicar muito bem explicado as razões dos jovens que optaram pela luta armada e, principalmente, levar quem lê o livro para a efervescente Belo Horizonte dos anos 1960. Em certas passagens, o leitor se sente em uma sacada do Edifício Acaiaca observando a evolução de uma passeata; caminhando pela Cidade Industrial e respirando o ar denso dos anos de chumbo e das articulações por greves ou escapando de uma expropriação no banco do carona de um acelerado Simca Chambord.

Nahas estrutura o livro partindo do confronto na casa da Rua Atacarambu, em janeiro de 1969, para retornar ao início da década de 1960 com a formação da Polop, organização que precedeu o Colina e a articulação dos integrantes nas greves de trabalhadores e nos movimentos estudantis. Faz um raio X dos grupos de esquerda no país e em Minas e, com a capacidade de quem foi quase protagonista, ilumina ângulos que, por vezes, permaneciam sombreados.

O irmão do autor do livro, Jorge Nahas, era um dos sete integrantes do Colina presentes no aparelho no fatídico dia. Jorge é atualmente presidente da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) e sempre ocupou cargos de destaque nas gestões dos antigos companheiros Fernando Pimentel e Dilma Rousseff. Antônio, que é economista, também foi militante. Porém, sua militância ocorreu na geração posterior à narrada no livro. Em 1970, foi preso quando militava na Var-Palmares.

“O Brasil seria um barril de pólvora pronto a explodir. O momento era propício para a luta armada. Esta, quando deflagrada, faria o papel de um detonador, que levaria as massas a uma rebelião, engrossando as fileiras do Exército Revolucionário”, escreve Nahas na obra, mostrando como pensavam os militantes à época. “Todos os grupos de esquerda, sem exceção, trabalhavam com a hipótese de que o capitalismo brasileiro não tinha saída, que estaria vivendo uma crise profunda, permanente, originária da aliança entre imperialismo, latifúndio e burguesia nacional”, completa a contextualização.

O ponto forte do livro é quando o Colina começa a atuar e se prepara para os atos de expropriação. A narração ganha um tom de thriller. A organização foi fundada em um congresso realizado em Nova Lima, em abril de 1968. Quando a Polop se esfacelou, os integrantes se dividiram em dois grupos, o Colina e a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), esta com presença de militares contrários ao regime. Ambas partiram para a luta armada.

No ano anterior, a Aliança Libertadora Nacional (ALN), comandada por Carlos Marighella, já havia realizado o primeiro ato de expropriação, o que encorajou outros grupos. Em março de 1968, pouco antes do congresso que fundou o Colina, os integrantes da VPR, comandados pelo capitão Carlos Lamarca, expropriam um banco em São Paulo. Em junho, Lamarca comanda uma ação ousada, tentando explodir o quartel do 2º Exército com uma caminhonete carregada com 50 quilos de dinamite, matando um militar. Em agosto de 1968, a ALN atuou novamente, desta vez expropriando o dinheiro do trem pagador que circulava na estrada de ferro Santos-Jundiaí, em São Paulo.



TRECHO

Aqueles que efetivamente assaltaram carros, bancos, colocaram bombas nas casas dos interventores, sacrificaram suas vidas e suas profissões em busca do seu ideal revelaram uma convicção política e uma coragem pessoal extraordinária. Até hoje, é espantosa a audácia e a determinação daqueles que se dispuseram a executar tarefa tão espinhosa. As vidas desses militantes, dos seus pais, mulheres e irmãos seriam totalmente modificadas pelas suas decisões”

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