A voz literal

Alexandre Pilati mostra lirismo, humor e talento em E outros nem tanto assim, seu terceiro livro de poemas

por 04/07/2015 00:13
Arquivo pessoal/Divulgação
Arquivo pessoal/Divulgação (foto: Arquivo pessoal/Divulgação)
André Di Bernardi



Alexandre Pilati escreve poemas como quem maneja uma faca de dois gumes. Uma faca que fere, com golpes certeiros, autor e leitor. O poeta tem uma qualidade ímpar. Ele preza o diálogo, ele presta atenção no outro, e este outro vira matéria para uma poesia crua, direta, sem concessões, uma poesia que é, ao mesmo tempo, humilde e contraditória, deficiente, mas, contudo, suficiente, no ponto certo do susto, como em Sublime amor: “Fica. Não dá. Nem que seja por pena, fica. Fui.” O professor acaba de lançar, pela Editora 7 Letras, E outros nem tanto assim, seu terceiro livro de poemas.

Pilati também é dono de um humor que auxilia o seu fazer poético: “Não está na moda. E é mesmo anti-higiênico. Mas este cabelo ensebado, de alguns dias sem lavar, melhora bem os versos que indagora fazia com vistas ao Prêmio Nobel.” Algumas doses de mistério adornam alguns poemas inconclusos, como em Vestido, uma homenagem a Carlos Drummond: “- E aí?/- Não deu./- Eu não consigo respirar./- Eu achei ótimo./- …/ - Nosso pai ia adorar.”

A vida, o coração do poeta deve ser confuso. A vida, para ele, não oferece qualquer tipo de zona de conforto. Talvez, quem sabe, as palavras podem acender alguma chama neste sentido. Ou não, muito pelo contrário, são elas, são os versos que recolocam, dia após dia, o poeta num turbilhão de sons e sentidos que nunca aliviam. O poeta prefere o literal que grita escancarado na (meia) verdade das coisas. “Contenta-me a confusão/aspiro contradição/e exalo coisas sem/melodia sem problemas.”

Todo poeta brinca com paradoxos, com verdades e mentiras, que se amam num mesmo texto, um texto cheio e vazio de espinhos: “Preciso desesperadamente/aproveitar essa nesga de noite fria/com tanta gente na rua, na rua sem fim.../e também os serafins estranhos de cidade daqui/para fazer poesia, um livro inteiro talvez,/que lá em Brasília não há quem consiga/fazer um verso que preste.”

A poesia é uma espécie de analgésico que atua quando acorda aquele que porventura dói. O poeta aproveita tanto desmando para falar, para fazer crescer uma luz que “espinafra-se”. Toda poesia é um labirinto, “este rosto de lua e púrpura/que alça sobre meu palor/a sintaxa da neblina?”, questiona Pilati, já sabendo das coisas. A indústria cultural, é bom que se diga, não foge dos olhos de Pilati, assim como a política, tudo isso apimentado com um diálogo que o escritor faz com a tradição poética contemporânea.

Isso porque todo bom poeta é dono de cismas, é dele uma má educação para as coisas que se dizem prontinhas, belas, superficiais. O poeta só alcança algum tipo de êxito quando não decifra. Quando não entende – mas percebe – as volutas e voltas que os pássaros inventam em pleno voo. É como diz Nicolas Behr sobre a obra de Pilati: “Um dos grandes mistérios da criação é não sabermos de onde vem a poesia. Melhor assim. Se soubéssemos, certamente sairíamos por aí cavando, perfurando, abrindo valas. A poesia de Alexandre Pilati simplesmente vem, brota naturalmente, caleidoscópica, múltipla.” Alexandre Pilati conjura e preserva este não saber.



E OUTROS NEM TANTO ASSIM
. De Alexandre Pilati
. Editora 7 Letras
. 80 páginas, R$ 34


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