O incrível BENJ

Em O filho antirromântico, a professora de literatura Priscilla Gilman revela como lidou com o primogênito, criança fora dos padrões que lia aos 3 anos e não suportava abraços

por 13/06/2015 00:13
Fotos: Site de Priscilla Gilman
Fotos: Site de Priscilla Gilman (foto: Fotos: Site de Priscilla Gilman)
Zulmira Furbino





Entre um ideal de felicidade e a vida real existe uma estrada cheia de curvas que está bem longe de representar a menor distância entre dois pontos. Que o diga Priscilla, uma promissora professora de literatura inglesa, especializada no poeta da infância Willian Wordsworth. Ela sempre alimentou expectativas romantizadas no que diz respeito à sua própria meninice e à dos filhos que desejava ter, mas, quando nasceu Benjamin, seu primogênito, viu as ilusões se desfazerem pouco a pouco. Nessa jornada, a professora, a um só tempo, descobre as profundas diferenças entre o sonho de ser mãe de uma criança perfeita e a chegada do filho real. E isso altera a ordem do jogo, abrindo caminhos para profundas descobertas.

O que dizer de um menino que, com 1 ano, era capaz de soletrar as letras da palavra Sony na televisão? E se, seis meses depois, ele recitasse todo o alfabeto? Uma criança que, pouco antes de completar 2 anos, reconhecia todas as formas geométricas e, pouco depois, lia livros inteiros fluentemente? E que, além disso, antes dos 3, recitou à perfeição, para um amigo dos pais que mencionara Shakespeare, versos do discurso de Oberon, em Noite dos reis, escrito pelo autor inglês? O que dizer de um menino que, apesar de todas essas façanhas, não suportava abraços e beijos, tinha um comportamento arredio e muitas dificuldades motoras e sociais?

Em O filho antirromântico, a autora Priscilla Gilman faz um relato comovente sobre sua própria experiência como mãe de Benjamin, um garotinho cujo incrível talento para as letras, a matemática e a música mostrou ser o outro lado de um cérebro quimicamente diferente, portador de deficiências que jamais receberam um diagnóstico conclusivo – os talentos precoces nada mais eram do que sintomas de hiperlexia ou síndrome da leitura precoce.

Apesar de suas incríveis habilidades, Benj tem dificuldade significativa de compreender a linguagem verbal e apresenta dificuldade de socializar e interagir apropriadamente com as pessoas. O livro narra a trajetória dessa mãe que descobre as diferenças e dificuldades de seu primogênito justo quando está grávida do segundo – e em busca desesperada por emprego. Depois de ver todas as suas ilusões românticas de maternidade e paternidade serem jogadas por terra, Priscilla e o marido, Richard, mergulham no maravilhoso mundo de Benj, trazendo-o, pouco a pouco, para a superfície.

É interessante notar como a experiência pessoal com um filho fora dos padrões leva Priscilla a reavaliar seu modo de interpretar Willian Wordsworth, o poeta da infância e das perdas. Seu olhar sobre os poemas do autor sai de uma compreensão teórica, embora apaixonada, para uma leitura rica, profunda, pessoal e emocional. O fato de o livro ser entrecortado pelos poemas wordsworthianos contribui para que o leitor acompanhe os avanços obtidos por Benj à luz da poesia romântica. Isso faz com que a obra, mais do que um relato da mãe que tenta salvar o filho que está à beira do autismo, seja uma história de amor maternal entrelaçado com o amor à literatura que vale a pena ser lida.

Priscilla Gilman cresceu e vive em Nova York. Lecionou literatura inglesa na Universidade de Yale, a terceira instituição de ensino superior mais antiga dos Estados Unidos e no Vassar Colege, uma das mais antigas, tradicionais e renomadas instituições privadas mistas de ensino e artes de alto nível dos Estados Unidos. Trabalhou na agência literária Janklow & Nesbit Associates, escreve regularmente para publicações como The New York Times e The Huffington Post e dá palestras sobre criação de filhos, educação e artes. Mas, antes de mais nada, é uma amante da literatura. Abre seu livro com a citação de Vladimir Nabokov: “Para começar, tomemos a seguinte divisa (…): literatura é amor. Agora podemos seguir em frente”.



O FILHO ANTIRROMÂNTICO
. De Priscilla Gilman
. Companhia das Letras
. 347 páginas, R$ 39,90

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