É coisa nossa

Catálogo reúne caricaturistas talentosos de todas as regiões do Brasil. Organizado por Luciano Magno, livro celebra o traço contemporâneo e o legado estético dos veteranos

por 06/06/2015 00:13
Hermé/divulgação
Hermé/divulgação (foto: Hermé/divulgação )
Ângela Faria



O brasileiro é bom de traço. Neste país abençoado com o dom das gargalhadas, caricatura não é sinônimo apenas de Ziraldo, Millôr Fernandes, Henfil, Lan, dos irmãos Chico e Paulo Caruso e de tantos outros autores projetados pelo eixo Rio-São Paulo. Em suas 304 páginas, o catálogo 1ª Bienal Internacional da Caricatura – Brasil 2013/2014 reúne dezenas de talentos que participaram de 40 eventos e exposições promovidos em oito estados.



Organizados por Luciano Magno (pseudônimo do desenhista Lucio Muruci) – que ganhou o Prêmio Jabuti em 2013, na categoria livro de arte/fotografia, com o primeiro volume da História da caricatura brasileira –, a bienal e seu alentado catálogo são fruto daquela saudável e obsessiva paixão dos pesquisadores. Magno/Muruci é do ramo: descobriu que a primeira caricatura brasileira foi publicada em 1822, na gazeta pernambucana O marimbondo, e não por Manoel de Araújo Porto-Alegre, numa edição carioca de 1837.



O novo livro põe lado a lado o pioneiro Porto-Alegre (tirando sua “casquinha” do poderoso ministro Bernardo Pereira de Vasconcelos, em 1839) e o mineiro Cau Gomez, nascido em 1972 e radicado na Bahia. Cau rompe com a imagem padronizada de Carmen Miranda, teve a ousadia de recriar a brazilian bombshell.



“Rei da caneta Bic”, como é conhecido em sua terra, Santa Catarina, Fabrício Rodrigues Garcia, o Manohead, vai da xilogravura à pintura digital com impressionante personalidade. Seu Clint Eastwood que o diga. Carioca radicado na cidade sul-mineira de Poços de Caldas, Hermé Antune, colaborador da editora parisiense Chateau Noir, trabalha – como poucos – os espaços em branco. É um artesão do vazio. Em Belém do Pará, Biratan Porto se inspirou nas letras (a partir de um poema de Carlos Drummond de Andrade) para desenvolver surpreendentes caricaturas. Quem observar sua Clarice Lispector verá que as lições de Ziraldo e Millor deram régua e compasso a um autor singular.



Dublê de primeira-dama da República e artista, Nair de Teffé (1886-1981) foi pioneira de nossa caricatura. Certamente, a desbravadora Rian ficaria orgulhosa das moças do século 21. Argentina radicada no Brasil, Liliana Ostrovsky faz bem aos olhos – longe de qualquer blá-blá-blá machista –, enquanto a capixaba Fani Loss, com sua influência retrô, “customiza” o passado de forma delicada e contemporânea.



O catálogo organizado por Luciano Magno conduz o leitor por pontes que ligam gerações. J. Carlos (1884-1950) e Nássara (1910-1996) estão aí, vivinhos da silva, influenciando gente como o carioca Lula Palomanes, nascido em 1963. Basta conferir a incrível Rachel de Queiroz que surge das canetas de Lula. Veteranos como Lan, que completou 90 anos em fevereiro, J. Carlos, Carlos Estevão (1921-1972) e Raul Pederneiras (1874-1953) ganharam capítulos só para eles, assim como estrangeiros que muito influenciaram por aqui: Mort Walker, de 91 anos, Sebastien Auguste Sisson (1824-1898) e Gustave Doré (1832-1883).

O projeto, felizmente, pôde homenagear talentos em vida. É o caso de Adail José de Paula, que deixou sua marca registrada em O Cruzeiro, Pasquim, Última Hora, O Globo e O Dia. No fim de 2013, Luciano Magno organizou uma exposição dos trabalhos dele na Associação Brasileira de Imprensa, no Rio de Janeiro. Dois meses depois, o artista morreu em casa, em Duque de Caxias. Seu humor universal e popular encantava caricaturistas famosos, mas nunca se fez de rogado. Adail sabia divertir tanto os colegas de quartel da Força Aérea Brasileira (FAB), nos anos 1940, quanto os espíritas, para cujo jornal desenhava no fim da vida. Era um sujeito de alma leve.

CATÁLOGO DA 1ª BIENAL INTERNACIONAL DA CARICATURA – BRASIL 2013/2014
. Org.: Luciano Magno
. Gala Edições de Arte
. 304 páginas, R$ 98
. Informações: www.galaedicoes.com.br

MAIS SOBRE PENSAR