História de resistência

Romance mistura personagens reais e fictícios para mostrar a importância da cultura africana na formação do povo brasileiro

por 09/05/2015 00:13
Bruno Veiga/Divulgação
Bruno Veiga/Divulgação (foto: Bruno Veiga/Divulgação)


No fatídico 17 de julho de 1950, depois da derrota para o Uruguai na final da Copa do Mundo, em pleno Maracanã, um homem com características de banto africano é supostamente confundido com o lateral Bigode, da Seleção fracassada, e apanha até a morte na Rua Larga (atual Marechal Floriano), no Centro do Rio. É o ponto de partida para o intelectual e artista Nei Lopes apresentar no romance Rio Negro, 50 o protagonismo do negro em um efervescente período de 10 anos, quando os descendentes dos escravos começaram a dar importância à sua cultura na formação do povo brasileiro.

O linchamento do falso Bigode é assunto no fictício Café e Bar Rio Negro, localizado em algum lugar muito próximo à Avenida Rio Branco, o centro financeiro da cidade. O Rio Negro é a antítese da avenida que representa o status quo da sociedade carioca. Frequentado pela elite intelectual dos negros da cidade, o bar reúne os personagens pelos quais Nei Lopes desconstrói ponto a ponto o preconceito, muitas vezes camuflado, na sociedade brasileira. Passa pela dificuldade do negro de progredir, como o professor que é desaconselhado a fazer prova para o Instituto Rio Branco, e se aprofunda não só na cultura negra brasileira (esporte, religião e música fortemente incluídos), mas também na latino-americana.

O romance mistura personagens reais e fictícios para mostrar a resistência e desmitificar o preconceito. Em certa passagem, comenta-se o sucesso de Ademar Ferreira da Silva, medalhista de ouro do salto triplo em 1952 e 1956. A discussão era sobre a “capacidade do negro de ter sucesso em outros esportes, como a natação”. Didaticamente, o personagem explica: “Não seria por não ter acesso às piscinas?”.

A riqueza de detalhes das descrições sobre cerimônias religiosas, as diferenças entre umbanda e candomblé, sua relação com religiões de outras regiões da América, como a santería cubana, é material de referência. Mostra em detalhes uma festa de Iemanjá em 1958, quando os terreiros da cidade se uniam em procissão, os babalorixás à frente para entregar oferendas à Rainha do Mar. Tudo terminava em meio a cânticos e fogos de artifício. Nei complementa com uma “previsão de futuro”. A festa vai virar atração turística e dela só restarão os fogos e a música.

A mesma evolução da festa de Iemanjá (hoje a festa de réveillon de Copacabana), o autor vê nas escolas de samba. De manifestação do povo das favelas, sem repercussão na Zona Sul da cidade, ao embrião do que viria ser o desfile atual. Mostra a tradição sendo deixada de lado para uma nova forma de desfiles. A fusão de várias escolas do morro do Salgueiro, na Tijuca, deu nos Aristocratas do Salgueiro (Acadêmicos do Salgueiro na vida real) traduz a mudança. Dois empresários gringos preveem o sucesso comercial do carnaval do futuro. Outras formas de música, como o jongo e o partido alto, são descritas em detalhes.

De Abdias do Nascimento, do Teatro Experimental do Negro, a Haroldo Costa, em Orfeu da Conceição, o livro leva ao reconhecimento do negro por ele mesmo, mas ainda oprimido depois de tantos anos. É a saga dos negros africanos e seus descendentes no Brasil.

RIO NEGRO, 50
. De Nei Lopes
. Editora Record
. 286 páginas. R$ 35

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