Pequenos tesouros

Antologia reúne poemas de todas as fases de Manoel de Barros. Textos foram selecionados pela filha do poeta, Martha Barros

por 18/04/2015 00:13
Renata Caldas/Reprodução
Renata Caldas/Reprodução (foto: Renata Caldas/Reprodução)
Ubiratan Brasil/Agência Estado


O poeta Manoel de Barros (1916-2014) deixou uma obra singular – com uma linguagem artesanalmente construída. Sem se ater a convenções gramaticais ou sociais, mas sempre em busca da simplicidade, ele se tornou, com o passar dos anos, um cultor da palavra. É justamente esse detalhe delicado que marca a edição de Meu quintal é maior do que o mundo, antologia que reúne poemas de todas fases do escritor e marca a transferência da sua obra para a editora Alfaguara.

A seleção de textos foi feita por Martha Barros, filha do poeta, e o prefácio é assinado por José Castello, jornalista que, nos anos 1990, fez entrevistas com Manoel para o jornal O Estado de S.Paulo. Uma tarefa árdua, pois o objetivo da poesia do escritor, como observa Castello, “não é explicar, mas ‘desexplicar’”.

Uma atitude acertada é o livro não trazer, junto aos poemas, a época em que foram publicados e em quais obras – todos os detalhes estão no final do volume. Isso porque tempo, para o poeta, não seguia sua ordem cronológica – o que seria o livro da mocidade, por exemplo, se transformou em segunda infância, que é a forma como o poeta tratava de sua maturidade.



INFÂNCIA “Provavelmente, é uma poesia que se apega à infância, momento da vida em que todos os sentidos ainda estão por se fazer”, escreve Castello no prefácio. “Seu olhar é sinuoso, e não reto. A razão ainda é uma quimera.”

“Minhas palavras se dão melhor no cisco do que no asfalto”, disse o autor, em 2006. “Dão-se melhor nas águas tristes do que nos salões (chamo de águas tristes os brejos). Porque no cisco as palavras encontram os bichinhos de brincar: as formigas, a lesma, as lacraias e os lagartos. E nos brejos as palavras podem se encontrar com as rãs, os sapos, os caracóis e as pedrinhas redondas. No chão minhas palavras florescem. Eu não comando as minhas palavras. Elas que gostam do chão e das coisas desimportantes.”

Nos últimos livros que publicou, Manoel contou com a participação de Martha, que, artista, realizou delicadas iluminuras com sua interpretação da obra do pai. Sobre o assunto, ela respondeu, por e-mail, às seguintes questões.



Como surgiu o amor de Manoel pelas coisias sem importância?

Ele sempre teve esse olhar para baixo. Um pouco pela sua infância na fazenda, livre e integrada à natureza, um pouco pelo seu temperamento de caramujo. Vêm daí as coisas pequenas e sem importância que permeiam e inspiraram sua poesia.

O mundo contemporâneio estava explícito nos versos de Manoel. A prosa seria, assim, o melhor abrigo para histórias pessoais?
Sua poesia é autobiográfica, mas em sua prosa poética talvez fique mais explícita essa sua fonte que está na infância.

Manoel tinha algum ritual de criação ou a base de sua produção era pura inspiração?
Manoel não acreditava na inspiração e dizia que somente o trabalho e a transpiração podiam lhe render um poema. Tinha um ritual de trabalho muito rígido, subia todos os dias para seu escritório, das 7h às 11h, para ler e escrever. Até aos sábados. Esse ritual, no final de sua vida, se estendeu até aos domingos.

O Manoel que surgia da poesia não era o mesmo daquela pessoa física, em carne e osso. Quem era o verdaeiro Manoel?

Só houve um homem – alegre e brincalhão, amigo e conselheiro. Pelas tardes, recebia qualquer pessoa com hora marcada para conversar. Gostava da família e se preocupava com todos. Um homem normal, extremamente humano e sensível. Na sua obra dava cambalhotas e se permitia ser criança. Como poeta, sua criação não tinha limites.

Como era trabalhar ao lado dele? Seus desenhos o inspiravam também? O que mais a inspirava: a poesia ou a prosa dele?

Sua poesia sempre foi fonte de inspiração para muitos artistas. Acredito que por ser também uma poesia imagética. No meu caso, tem mais um componente. Somos parecidos de temperamento e bebemos da mesma fonte – a força da natureza do Pantanal. Sua poesia é libertadora e trabalhar ao seu lado sempre foi um prazer.

MEU QUINTAL É MAIOR QUE O MUNDO
•  De Manoel de Barros
•  Editora Alfaguara
•  168 páginas, R$ 24,90

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