Um homem do século 20

Utopias e derrotas marcaram a trajetória do líder comunista Luís Carlos Prestes. Derrocada da União Soviética pôs fim ao sonho de implantar a "democracia socialista" no Brasil

por 21/02/2015 00:13
O Cruzeiro/Arquivo Estado de Minas
O Cruzeiro/Arquivo Estado de Minas (foto: O Cruzeiro/Arquivo Estado de Minas)
Marcelo Coelho da Fonseca




Em 1927, a Coluna Prestes se dissolveu e seus líderes partiram para o exílio. No exterior, Luís Carlos Prestes teve acesso à doutrina comunista. Depois de passar pela Bolívia, ele morou na Argentina, onde recebeu visitas de homens que falavam com emoção sobre os acontecimentos na União Soviética. Prestes se dedicou ao estudo das ideias marxistas e leninistas, aderindo ao Partido Comunista em 1931. Naquele mesmo ano se mudou com a família para Moscou. Seduzido cada vez mais intensamente pelas concepções polarizadas defendidas pelas lideranças soviéticas, adotou, sem concessões, a ideologia vermelha.

No final de 1934, o gaúcho já se consolidava como um dos líderes comunistas brasileiros. Recebeu a missão do partido soviético de organizar a revolução no Brasil. Um grupo de militantes – no qual a experiente revolucionária alemã Olga Benário ficou responsável pelo esquema de segurança – foi enviado da URSS para auxiliar o líder gaúcho em seu projeto para tomar o poder. Nas avaliações dos comunistas, seria questão de tempo a eclosão de uma revolta nas terras tupiniquins. No entanto, a tentativa de insurreição vermelha em 1935 fracassou. Assim como ocorreu com a Coluna Prestes, não houve apoio popular. O resultado foi a prisão de Olga, mulher de Prestes, enviada grávida para a Alemanha nazista. Ela nunca mais viu o marido. Foi morta em um campo de concentração. Prestes amargou 10 anos na prisão.

Em 1945, com o fim do Estado Novo de Getúlio Vargas, o comunista voltaria à liberdade, mas por pouco tempo. Assim que deixou a prisão, ele assumiu papel de destaque na vida pública, participando das campanhas para a Constituinte de 1946. Os comunistas conseguiram votações expressivas e o gaúcho foi o senador mais votado. Mas, em maio de 1947, a Justiça Eleitoral declarou o Partido Comunista ilegal, acusando-o de satélite de um partido internacional. Prestes voltou à clandestinidade. Com o início da Guerra Fria, as tensões entre Estados Unidos e União Soviética fizeram com que a intensa propaganda anticomunista abafasse a voz de seus líderes.

A volta à legalidade viria em 1958, com o PCB ressurgindo das cinzas. Prestes, o secretário-geral, voltou mais preparado e disposto do que nunca a defender seu projeto político. Os movimentos populares e sindicais ganham força no Brasil e novas forças de esquerda surgiram – como Francisco Julião no Nordeste, e Leonel Brizola no Sul. As mudanças sociais pregadas pelos comunistas pareciam ganhar espaço, revitalizadas pelo triunfo da revolução cubana. Em 1961, João Goulart chega à Presidência e traz a esperança de que algumas mudanças, como a reforma agrária, seriam finalmente implementadas. O cenário animador, no entanto, foi palco para um erro de avaliação fatal dos comunistas. Eles cobravam uma posição mais rígida de Jango, considerando o presidente “conciliador com os interesses burgueses”.

DESAFIO O golpe militar de 1964 pegou os comunistas de surpresa. Inicialmente, a confiança na força dos movimentos populares era tamanha que Prestes desafiou: “É bom que (os conservadores) venham mesmo, porque vão perder”. Seu otimismo era infundado. No topo da primeira lista de cassações de direitos políticos, formulada 10 dias depois do golpe pelo autodenominado Supremo Comando da Revolução, estava o Cavaleiro da Esperança. O golpe foi duro e o prestígio do líder comunista nunca mais seria o mesmo.

Novamente no exílio na União Soviética, Prestes, já septuagenário, amargou anos longe do Brasil, impotente e perdendo cada vez mais a influência dentro do partido. Desencantado com os sucessivos fracassos políticos em sua pátria, lembrou-se de Lênin: “É difícil ser revolucionário quando ainda não amadureceram as condições para uma luta direta e aberta”. Os anos seguintes seriam de embates dentro da legenda, em reuniões e encontros com lideranças que, como Prestes, estavam exiladas, mas tentavam manter alguma influência nos fatos políticos do país.

Com a anistia, em 1979, os exilados voltaram ao Brasil. Prestes, mesmo enfraquecido dentro do PCB, foi recebido no Rio de Janeiro por milhares de pessoas, que ainda o consideravam a maior voz do partido. Durante o processo de abertura, os conflitos internos se acirraram na legenda. Enquanto alguns líderes defendiam que ela concentrasse a luta na defesa da democracia e na convocação da Assembleia Constituinte, Prestes alertava para os perigos da “democracia burguesa” afastada das demandas dos operários. Ele defendia a “democracia socialista”. O conflito levou ao racha e o velho líder foi afastado da legenda.

Em seus últimos anos de vida, Luís Carlos Prestes assistiu ao colapso do mundo comunista que tanto defendeu. Um ano antes de sua morrer, ele participou ativamente das eleições de 1989, defendendo a candidatura de Leonel Brizola (PDT) no primeiro turno e articulando a união dos partidos de esquerda em apoio a Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no segundo. O petista foi derrotado por Fernando Collor.


ENTREVISTA
Daniel Aarão Reis
Historiador


Sem meio-termo

O que o motivou a pesquisar e escrever sobre o controverso Luís Carlos Prestes?
Tudo começou em junho de 2008, quando fui convidado pela Editora Companhia das Letras para escrever uma biografia do Prestes para a coleção Perfis biográficos. Era para ser algo mais simples e curto. Entretanto, o texto acabou crescendo muito. Fugiu dos padrões da coleção e ganhou o formato que está nas livrarias.

Personagens políticos que despertam admiração e ódio muitas vezes entram para a história sob o prisma do preconceito. Ao longo da pesquisa sobre Prestes, o senhor tomou conhecimento de fatos que o surpreenderam?

É impressionante constatar como Prestes, 25 anos depois de morto, continua suscitando ódios acendrados e admiração acrítica. Foi difícil buscar um meio-termo entre a hagiografia e a demonização. E é curioso constatar que a biografia tem sido acusada de complacência, por uns, e de tratamento infamante, por outros. Ao longo da pesquisa, muitos fatos me surpreenderam. Em primeiro lugar, fatos relativos à vida pessoal do biografado. Apresentei-os no texto com todo o respeito devido, sem procurar “efeitos especiais”, mas por considerá-los fundamentais para compreender a trajetória de Prestes. Também sobre a Coluna Miguel Costa-Prestes, a complexidade da aventura e as relações entre Prestes e os demais chefes guerrilheiros, foi possível evidenciar fatos e processos que eram, muitas vezes, omitidos nas “versões oficiais” da história. Haveria também que relatar aspectos da aventura revolucionária de 1935 e das lutas internas do Partidão dos anos 1950. O que mais me surpreendeu foi ouvir as fitas gravadas – inéditas – referentes a duas reuniões do Comitê Central do PCB (CC) realizadas em Moscou e Praga, em 1975 e 1979. Um material de grande relevância para o estudo do imaginário político dos comunistas de então, e, no concernente a Prestes, para compreender o isolamento em que se encontrava no contexto do CC.

Críticos de Prestes avaliam que suas posições rígidas o impediram de conseguir maior apoio em alguns momentos de sua vida. E até mesmo atrapalharam o Partido Comunista. Como o senhor percebeu essa característica que tanto marcou o caráter do líder comunista?
Relativizo essa rigidez pessoal. A rigor, essa característica tinha a ver com uma certa cultura política dos comunistas, prevalecente até os anos 1970. Prestes era o grande líder dos comunistas e exprimia com nitidez essa cultura, não poderia ser diferente. Agora, sem dúvida, aspectos de sua vida pessoal e trajetória política terminaram por realçar em muito a referida rigidez em Prestes. Não se poderia esperar que um homem que viveu tantos anos na cadeia e na clandestinidade e que dirigiu um partido comunista nos tempos do stalinismo possa ser muito aberto ou flexível. Feita a ressalva, no entanto, o estudo da biografia de Prestes evidencia que, em certos momentos, ele revelou sensibilidade a alterações e mudanças de linha política, como, por exemplo, nos anos 1950.

Prestes deixa lições para os nossos dias, quando políticos mudam de opinião e frequentemente voltam atrás em suas promessas?
Prestes, realmente, era um homem de convicções. Mudou, às vezes, de convicções. Só não muda de ideia quem não tem ideias, dizia brincando Leandro Konder. Mas Prestes sempre foi fiel a elas.

Por ter participado de movimentos de esquerda, o senhor teve algum receio de que sua obra sobre Prestes fosse recebida como uma homenagem ao personagem?
Há muita gente criticando a obra como complacente. Mas como outras pessoas dizem que difamei Prestes, as críticas extremadas acabam se neutralizando e me deixando satisfeito.

O livro traz críticas às avaliações de Prestes e do PCB, que em vários momentos admitem suas análises equivocadas sobre o contexto político brasileiro. O senhor recebeu críticas de militantes de esquerda?

Fiz parte de uma geração de militantes políticos – surgidos para a política nos anos 1960 – que tendeu a execrar Prestes pela derrota de 1964. Há muitos anos, porém, meus estudos sobre as esquerdas brasileiras me levaram a formular uma visão mais equilibrada dos erros e acertos do Partidão e de suas lideranças. Por outro, no ofício de historiador, somos levados mais a tentar compreender os personagens históricos do que a demonizá-los ou celebrá-los.

Na família, há diferentes versões sobre a vida do líder. Anita Prestes, filha dele, e Maria, a segunda mulher, discordam em muitos episódios e apresentam fatos diferentes sobre Prestes. Como foi o seu contato com a filha e a esposa do revolucionário?
Maria e quase todos os seus filhos me receberam muito bem, com muita generosidade e abertura. Já Anita Prestes nunca se dispôs a ajudar. O pesquisador aprende a compreender – e a respeitar – os motivos de quem se dispõe ou não a contribuir.

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