Muito além do jornalismo

Em Pizzolato %u2013 Não existe plano infalível, Fernanda Odilla transcende a cobertura diária da imprensa ao analisar bastidores e detalhes da fuga do ex-diretor do Banco do Brasil

por 07/02/2015 00:13
Daniel Ferreira/CB/D.A Press %u2013 7/12/05
Daniel Ferreira/CB/D.A Press %u2013 7/12/05 (foto: Daniel Ferreira/CB/D.A Press %u2013 7/12/05)
Eduardo Murta



O jornalismo sempre serviu como uma espécie de recorte social de seu tempo. Um retrato – bem ou mal-acabado – dos pequenos e grandes acontecimentos. Não raro, com uma lupa de quem autoproclama a capacidade e vocação para hierarquizar o mundo. Às vezes (ou muitas vezes) dar-lhe tom e rumo. Eis que, simplificando, a era da informação fast-food desembarca via internet e... shazam!... vira, mistura e transforma conceitos em pó num estalar de dedos. Ainda que não seja exatamente novo o recurso, uma das portas de saída para quem busca tirar o jornalismo do ponto cego, da morte por asfixia, é a migração para o terreno mais palatável em que igualmente se contem histórias: a literatura.

Pizzolato – Não existe plano infalível, escrito pela jornalista belo-horizontina Fernanda Odilla, de 36 anos, é uma espécie de reafirmação de que essa não só é uma estratégia eficiente do ponto de vista de mercado, como o livro-reportagem se transformou numa alternativa para temas que transbordam o formato engessado das coberturas diárias.

A boa notícia é que a autora, que trabalhou nos jornais Estado de Minas, Correio Braziliense, Hoje em Dia e Folha de S. Paulo, foi além, muito além do cardápio que pudesse sugerir uma versão gourmetizada – para usar uma expressão na ordem do dia – do jornalismo. Fernanda ajudou a montar, peça por peça, um quebra-cabeças cujos personagem e engenhosidade desafiam roteiros típicos das obras literárias de espionagem. Mas era tudo verdade! Ela põe pelo avesso o plano elaborado por Pizzolato para fugir do Brasil para a Itália diante da iminência de ser preso pelos crimes que o Supremo Tribunal Federal o condenaria no caso do mensalão.

O mérito do livro está tanto na linguagem quanto na apuração criteriosa, que, sem ser enfadonha, elenca documentação, horários, senhas, contrassenhas. Melhor do que isso: contextualiza as informações, mesmo as de natureza aparentemente subjetivas, como ao descrever Porto Venere, o refúgio do ex-diretor do Banco do Brasil, que inspirou gerações de escritores com a vista para seu mar azul e as montanhas verdes da Riviera Italiana.

A jornalista acerta também no ritmo, cujo calibre em determinadas passagens lembra thrillers – a perspectiva de simular a própria morte, a tensão presente como um tique-taque no trajeto de fuga, os testes com a documentação fraudada do irmão morto, que pareciam uma provocante incursão ao fio da navalha.

Como não há planos nem obras perfeitas, os editores descuidaram da revisão em pelo menos três oportunidades, permitindo que o traiçoeiro “mandato” tomasse o lugar de “mandado” de prisão, num erro considerado primário. Pecado menor do que a decisão da editora de publicar o livro antes que a corte italiana julgasse – e negasse, em outubro de 2014 – o pedido de extradição de Pizzolato, detido em 5 de fevereiro do ano passado em Maranello, no Norte da Itália. O leitor ficou privado de saber que o ex-dirigente do BB foi libertado pelos juízes, que viram nas prisões brasileiras uma ameaça ao detentor de cidadania também italiana. A Corte de Cassação da Itália julgará recurso do governo brasileiro na quarta-feira.

Nada disso tira o mérito do trabalho que levou a autora a visitar pelo menos uma dezena de cidades no Brasil e no exterior, a produzir mais de 40 entrevistas e a refazer meticulosamente os passos de um homem condenado a fugir da própria sombra. Um teste de paciência e espécie de prova de fogo para profissionais condicionados ao modelo escreveu-publicou do jornalismo diário. O livro, bom que se diga, é uma enorme contribuição para ajudar a dar lastro histórico, fazer o recorte de um tempo em que velocidade e informação andam se estranhando um tanto. Uma ponte do jornalismo, essa sim, com sua real vocação, a de jogar luz sobre os acontecimentos.



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Propina

Diretor de Marketing do Banco do Brasil em 2003 e 2004, Henrique Pizzolato foi acusado de autorizar o repasse indevido de R$ 73,8 milhões do fundo Visanet para a DNA, agência de propaganda de Marcos Valério, também condenado no esquema do mensalão. A verba, segundo o Supremo Tribunal Federal (STF), foi distribuída para políticos. O ex-diretor recebeu R$ 336 mil. Ele foi condenado por corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro e sentenciado a 12 anos e sete meses de prisão em regime fechado e multa de R$ 1,3 milhão. Pizzolato alegava que o dinheiro havia sido investido em propaganda, que não era público nem foi desviado para corromper políticos. Sobre a quantia que teria recebido, afirma que era destinada a campanha do PT no Rio de Janeiro e alega ter repassado ao partido.

PIZZOLATO – NÃO EXISTE PLANO INFALÍVEL

. De Fernanda Odilla
. Editora Leya
. 317 páginas, R$ 27,90

Entrevista

Fernanda Odilla
jornalista



A boa história

Por que Pizzolato?

Na verdade, há um tempo queria escrever um livro. Faltava uma boa história. No início de fevereiro de 2014, fui escalada para cobrir a coletiva que detalharia a prisão dele na Itália. A cada slide que o delegado apresentava, achava a história mais incrível. Saí da coletiva convencida de que tinha achado a “minha história”. Comentei com um amigo. Ele me disse: escreve! Era uma história muito, muito louca. E a minha apuração só reforçou essa tese. Eu ouvia: isso é coisa de filme. E pensei: por que não livro?

Foi você quem levou a proposta à editora ou a recebeu por encomenda?

Quando meu amigo me mandou exercer, pensei: vou ficar anos escrevendo e, depois, vou ter que bater na porta das editoras... Chico de Góis, repórter de O Globo, que havia lançado Os Ben$ que os políticos fazem, contatou a Leya, a editora dele, e dias depois eles já tinham comprado a ideia.

O livro não tem a chancela acadêmica, tampouco pode ser considerado uma reportagem investigativa. Onde, afinal, ele se encaixa?

Em resumo, é um livro-reportagem sobre um personagem e sua história incrível. Nunca teve a pretensão de ser mais que isso. Meu objetivo sempre foi escrever uma história legal de ler. Fiz vários testes: com minha mãe, de 79 anos, uma amiga médica, de 30 e poucos, e com a diarista. Pedia para lerem trechos para me contarem o que visualizavam. Queria levar as pessoas para os lugares por onde passei.

Qual o tamanho da frustração de ter o livro sem o resultado do julgamento de extradição? A decisão foi da editora?

A ideia sempre foi contar a fuga e a prisão. Como a discussão da extradição deve demorar anos, porque depois da Justiça tem a decisão política, sempre ficaria com a sensação de que poderia esperar mais um pouco. Acho que por isso não me frustrei. Frustrei-me por não ter conseguido entrevistar o Pizzolato. Tentei muito. Mas ele estava preso e isso dificultou, os advogados dele não quiseram de jeito algum. Tentei tudo: mandar perguntas, pedir para ele escrever algo...

Qual o futuro do livro? Filme?

Olha, ficaria muito feliz se o livro ganhasse vida e fosse parar nas telas, mas, por ora, não há nenhum indicativo disso.

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