Magia CATALÃ

Livro revela como os irmãos Joan, Josep e Jordi Roca criaram o segundo melhor restaurante do mundo. O trio transformou aromas em pratos e inventou a técnica do %u2018perfume-cocção%u2019

por 31/01/2015 00:13
Fotos: Editora Senac/SP
Fotos: Editora Senac/SP (foto: Fotos: Editora Senac/SP)
Eduardo Tristão Girão




Experimente visitar o site do El Celler de Can Roca. A imagem da página de entrada poderia ser a de um filme blockbuster ou propaganda de produto consumido em escala mundial: sobre o fundo preto, os irmãos Joan, Josep e Jordi Roca lançam olhares ambiciosos, seguros. Temos aqui um restaurante na Espanha – e não um qualquer. Trata-se do atual segundo melhor lugar do mundo para comer, de acordo com a influente lista organizada anualmente pela revista britânica Restaurant. Ele está entre os cinco desde 2009; foi o primeiro em 2013. É lá que os três – um chef, um sommelier e um confeiteiro – fazem a mágica acontecer.

No El Celler de Can Roca, o trio desenvolveu pratos que contibuíram significativamente para levar a Espanha ao topo da gastronomia mundial, passando a ser reconhecida não só como terra de bons ingredientes, mas também de cozinheiros inquietos e talentosos. Os Rocas adaptaram fórmulas de perfumes para receitas comestíveis, inspiraram-se em paisagens para montar pratos, desenvolveram uma técnica para modelar açúcar pelo sopro, destilaram água com sabor de terra e ajudaram a criar o roner, máquina para cocção em baixa temperatura hoje usada mundialmente.

Esses são apenas alguns pontos marcantes na carreira do trio, registrada no recém-lançado livro El Celler de Can Roca, que conta em detalhes a trajetória deles, a criação do restaurante e os outros feitos que ajudaram a colocar a cidade de Girona, na Catalunha, no roteiro dos viajantes apaixonados pela gastronomia. Em edição muito bem cuidada, são dissecados os conceitos que servem de base para a cozinha Roca, incluindo receitas (a maioria delas complicada demais para execução doméstica), depoimentos dos três e muitas fotos.

O El Celler de Can Roca foi inaugurado em 1986 ao lado do restaurante que os pais do trio, Josep e Montse, abriram duas décadas antes num bairro de operários na periferia de Girona. Era uma casa totalmente diferente da atual, com infraestrutura precária e o cardápio muito influenciado pela tradicional cozinha basca, além de pratos franceses dos livros em que Joan havia estudado durante o curso de hotelaria. O primeiro prato servido na casa foi uma merluza com vinagrete de alho e alecrim – já naquela época experimentações chegavam à mesa, caso do carpaccio de pé de porco.

PERFUME


A guinada criativa da casa teve início em 1989, com a temporada de um mês e meio de Joan no El Bulli, o mítico restaurante que o chef Ferran Adrià teve em Girona até 2011. Na época, falava-se no surgimento da nova cozinha basca (com o chef Juan Marí Arzak, entre outros), discutia-se o que seria feito nesse sentido na Catalunha e já se encontrava consolidada a nouvelle cuisine na França. Joan e Josep (Jordi, o caçula, ainda não trabalhava com os irmãos) viajaram para a França para conhecer algumas das melhores cozinhas daquele país. Voltaram certos de que a alta gastronomia era o caminho a seguir.

Aos poucos, o movimento no El Celler de Can Roca aumentou, e os críticos de gastronomia passaram a reconhecer a casa como um endereço importante. Em 1995, a técnica de cocção em baixa temperatura foi introduzida, possibilitando o desenvolvimento de pratos que se tornaram referência ali, caso do bacalhau morno com espinafre, creme de queijo idiazábal, pinoli e redução de jerez pedro ximenez – até então, a técnica não havia sido usada com propósito gastronômico. A primeira estrela no guia Michelin chegou em 1995.

“O ponto culminante da vida de um cozinheiro é o momento em que o cliente confia plenamente nele e vai a seu restaurante para se sentir feliz. Isso representa tudo, porque a partir daí você tem espaço para brincar; você estabelece o diálogo e o compromisso que dão sentido ao nosso trabalho e que tanto nos agradam”, escreve Joan.

Assim, mais confiantes para arriscar, os irmãos criaram pratos baseados em técnicas ousadas como a “perfume-cocção” (incorporação de especiaria ou licor durante o cozimento), a exemplo da lagosta na fumaça de açafrão.

Em 1997, Jordi passou a integrar a equipe do restaurante e fechou o triângulo Roca, assumindo a seção de sobremesas com a responsabilidade de imprimir criatividade e personalidade aos doces. Ele também passou pelo El Bulli, experiência que trouxe o mesmo efeito daquela viagem à França para os irmãos. Naquele mesmo ano, teve uma sacada genial: reunir num prato os ingredientes que apareciam na composição de perfumes para que, além de sentir o aroma de cada um, fosse possível comê-los. O projeto começou com o Eternity, da Calvin Klein, inspirado por uma caixa de bergamotas que o chef recebeu de um amigo.

EL CELLER DE CAN ROCA O LIVRO
. De Joan Roca, Josep Roca e Jordi Roca
. Editora Senac São Paulo
. 466 páginas, R$ 359,90

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